Órgão de fiscalização da Ordem dos Advogados avalia legalidade da convocação de eleições antecipadas
Fernanda de Almeida Pinheiro convocou eleições antecipadas para os órgãos nacionais da Ordem dos Advogados. Mas o Conselho Superior está a avaliar a legalidade desta decisão.
“A convocação de eleições não é ilegal e muito menos inconstitucional”. As palavras são da líder dos mais de 37 mil advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro que, no final de novembro, convocou eleições antecipadas para os órgãos nacionais da Ordem dos Advogados.
Mas o ECO/Advocatus sabe que, apesar desta tomada de posição da bastonária, o Conselho Superior da mesma Ordem dos Advogados, liderado pelo advogado penalista Paulo de Sá e Cunha, está a avaliar a legalidade desta convocação de eleições antecipadas. Este é o órgão jurisdicional supremo da Ordem dos Advogados que tem ainda competência para julgar os recursos das decisões dos Conselhos de Deontologia em matéria disciplinar e para dar parecer sobre os honorários a pedido dos tribunais, dos advogados ou dos seus clientes. Contactado pelo ECO/Advocatus, o advogado não quis confirmar as razões desta avaliação da decisão da líder dos bastonários.
A 27 de novembro, um comunicado de Fernanda de Almeida Pinheiro deixou a classe surpreendida, numa manobra política que poucos anteciparam. As razões? O novo Estatuto dos advogados, em vigor desde abril deste ano e que obriga a criação de dois novos órgãos na estrutura da Ordem dos Advogados. Ou a convocação de eleições antecipadas.
À data, Fernanda de Almeida Pinheiro decidiu dar posse ao dito Conselho de Supervisão. Mas, dois meses depois dessa tomada de posse, a líder dos advogados volta atrás e decide convocar eleições antes do previsto, alterando toda uma tradição relativamente aos atos eleitorais, previsivelmente marcados em novembro e com tomada de posse em janeiro seguinte.
“Este novo estatuto dos advogados impunha a criação de novos órgãos e naturalmente esses dois órgãos tinha um regime transitório da norma previa duas opções: podíamos designar o órgão ou convocar eleições antecipadas até 31 de março de 2025”, diz a bastonária. A OA optou, à data, designar e dar posse ao Conselho de Supervisão e ao Provedor do Beneficiário dos Serviços.
Num artigo de opinião, publicado no jornal Público, o reconhecido constitucionalista, ex- presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, Bacelar Gouveia, defendeu que a bastonária anunciou “antes das férias de Natal eleições para os órgãos nacionais que apanharam todos os seus possíveis e legítimos adversários desprevenidos; menos ela própria, claro”.
Indo mais além, o jurista considerou que “esta decisão consubstanciou uma aplicação inconstitucional e inadmissível de uma oportunidade legislativa que, sendo acionada, põe em crise princípios do Estado Constitucional, como o democrático e o da tutela da confiança”.
Em primeiro lugar, diz Bacelar Gouveia, “a cessação antecipada dos mandatos iniciados em janeiro de 2023 é uma violação da capacidade eleitoral para cargo público, protegida pelo art. 50.º da Constituição: o seu titular, eleito para três anos, de repente, por uma lei ordinária o permitir, é lançado “borda fora”, para se ajustar mandatos que nasceram depois. Em segundo lugar, a cessação antecipada dos mandatos é a aceitação acrítica de uma norma inconstitucional, porque retrospetiva, ao reduzir em cerca de 1/3 o tempo de vigência de cargos eletivos, hipótese que prejudica a duração de cargos que se iniciaram no passado. Em terceiro lugar, a cessação antecipada dos mandatos, perante as duas normas oferecidas pelo legislador, é um resultado sem dúvida inconstitucional na medida em que tal deve ser feito com medida menos gravosa possível, que é a de o novo órgão e membros não cumprirem os três anos, e não a de, à socapa, decepar os mandatos daqueles que antes foram eleitos sem que tal perspetiva restritiva estivesse no horizonte”.
Segundo António Jaime Martins, advogado e ex-líder do Conselho Regional de Lisboa da OA e que foi candidato a bastonário nas últimas eleições, “não existe qualquer justificação legal para o Conselho Geral ter convocado eleições para março de 2025, a não ser, na minha leitura, a existência de alguma vantagem eleitoral conjuntural que a Senhora Bastonária e o Conselho Geral possam ter identificado na antecipação em oito meses do sufrágio. Nada o exige ou justifica. Foi um mero juízo de oportunidade eleitoral”.
Em entrevista ao ECO/Advocatus, António Jaime Martins defende que “tal dificulta ou mesmo impede o aparecimento de candidatos que não estejam já no exercício de cargos na Ordem, que dificilmente conseguirão reunir as condições necessárias como recolher assinaturas suficientes e compor as listas”.
Acrescentando que “entendo que a Bastonária não tem competência estatutária para marcar eleições fora do período eleitoral ordinário fixado no Estatuto, o qual prevê no seu artigo 13.º, n.º 1 que a eleição para os diversos órgãos da Ordem dos Advogados realiza-se entre os dias 15 e 30 de novembro, em data a designar pelo bastonário. A fixação de data para a realização de eleições fora daquele período é, nos termos da al. f) do n.º 1 do art.º 44.º do EOA, uma competência do Conselho Superior (“al. f) Fixar a data das eleições para os diversos órgãos da Ordem dos Advogados, quando tal não seja da competência do bastonário;”). Pelo que, é provável que a realização do ato eleitoral possa ser posta em causa.
A líder dos cerca de 37 mil advogados anunciou que se vai recandidatar nessas mesmas eleições, marcadas para dia 18 e 19 de março para a primeira volta e, caso aconteça, 31 de março para a segunda volta. As propostas de candidatura deverão ser apresentadas à Comissão Eleitoral até às 18h00 do dia 17 de janeiro de 2025.
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