Tribunal ataca créditos da CGD desde 2007. Quem mandava?

  • Rita Atalaia
  • 10 Julho 2017

Uma CPI, imparidades recorde e um aumento de capital de cinco mil milhões depois, a CGD continua a estar em foco. Desta vez com a acusação do Ministério Público, que ataca a gestão desde 2007.

Uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) à recapitalização, um registo de imparidades recorde e um aumento de capital de cinco mil milhões de euros depois, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) continua a gerar polémica. Desta vez com o Ministério Público a suspeitar de prática criminal na concessão de créditos no banco estatal. Créditos concedidos na sua maioria a partir de 2007, gerando imparidades avultadas. O Tribunal da Relação de Lisboa ataca a gestão do banco público numa altura em que o deputado socialista relator Carlos Pereira, relator da CPI, iliba os gestores que estiveram à frente da Caixa desde o ano 2000.

No documento do Tribunal da Relação de Lisboa, há várias acusações que sustentam a decisão de retirar o sigilo bancário para que o Banco de Portugal entregue a documentação relacionada com os empréstimos. Entre esses argumentos está a suspeita de que foram concedidos créditos com poucas garantias, que estes créditos foram sobretudo cedidos a partir de 2007, pouco antes da crise, que os contratos foram sucessivamente alterados e que estas operações vencidas eram consideradas “créditos sem incumprimento”, o que veio a verificar-se falso.

  • Créditos com (poucas) garantias

Segundo o acórdão, “os presentes autos têm por objeto a suspeita de que a CGD tem vindo a acumular, desde pelo menos meados da década de 2000, um conjunto de negócios consubstanciados em concessões de crédito, sem que as mesmas se revelassem colateralizadas por garantias bancárias adequadas aos montantes mutuados”. Ou seja, as garantias destes empréstimos não eram suficientes para cobrir estes créditos. Terá havido extrapolação do valor das garantias de forma a viabilizar a concessão destes financiamentos.

  • Malparado? Problema começou em 2007

O Ministério Público refere que “uma parte substancial dos créditos que resultaram em imparidade foi concedida a partir do ano de 2007“. Portanto, pouco tempo antes de rebentar a crise internacional que veio, mais tarde, a atirar Portugal para um resgate financeiro (em 2011). E nestes créditos foram feitas “sucessivas alterações das condições dos contratos, nomeadamente do que diz respeito a garantias até 2016”, de forma a justificar a manutenção desses mesmos empréstimos.

  • Créditos pagos? Sim (mas nem por isso)

Além dos créditos sem garantias, bem como de todas as alterações contratuais para justificar a manutenção destes financiamentos, o Ministério Público diz que os clientes que tinham créditos vencidos foram classificados no segmento “créditos sem incumprimento”. De acordo com o acórdão, “tal situação aponta para um ato deliberado no sentido de omitir o passivo gerado na esfera do banco”.

Todos estes elementos sustentam, dizem os juízes no documento obtido pelo ECO, que a CGD foi confrontada com a “necessidade de proceder ao registo de imparidades (desvalorização de ativos) que tiveram em grande parte origem na concessão de crédito, com violação de normas de racionalidade na gestão, nomeadamente no que tange a prestação de garantias ou outras perdas, sobretudo na área de investimento”.

Quem estava à frente da CGD?

Todos estes motivos levam a que o Ministério Público acuse a CGD de gestão danosa nos últimos anos. António de Sousa, Vítor Martins, Carlos Santos Ferreira, Fernando Faria de Oliveira e José de Matos estiveram à frente da gestão do banco estatal desde 2000. Estes últimos três nomes estiveram à frente da Caixa desde 2005 até 2015. Segundo o tribunal, “uma parte substancial dos créditos que resultaram em imparidade foi concedida a partir do ano de 2007″.

António Domingues só entrou no final de 2016. O gestor, que acabou por abandonar o cargo por se recusar a entregar a declaração de rendimento e património — afirmando ter sido esse o acordo feito com o Ministério das Finanças — foi o responsável pelo plano que levou ao reconhecimento de imparidades recorde: perto de três mil milhões. Agora, no lugar de Domingues, está Paulo Macedo. O gestor tem como missão devolver os lucros ao banco já a partir do próximo ano.

Um “ataque” à CPI

Esta acusação da Relação de Lisboa vem contrariar as conclusões reveladas no relatório da CPI à recapitalização da CGD. Ainda na semana passada, o relator da comissão, o deputado socialista Carlos Pereira, afirmava que não houve pressão da tutela para que os gestores cedessem créditos do banco público desde 2008. E, em entrevista ao Jornal de Negócios e Antena 1, o deputado diz que “não houve nenhuma documentação que demonstrasse que tenha havido erros deliberados na concessão do crédito”.

"As fundadas suspeitas formuladas o auto de notícia, se confirmadas, permitem a conclusão de se estar perante um conjunto de decisões tomadas pelos órgãos de gestão do banco ou pelos respetivos decisores em cada uma das áreas envolvidas que assumem relevância criminal, sendo passíveis de configurar, pelo menos, a comissão de crime de administração danosa.”

Tribunal da Relação de Lisboa

Segundo o Tribunal da Relação de Lisboa, não foi bem assim que as coisas aconteceram. “As fundadas suspeitas formuladas o auto de notícia, se confirmadas, permitem a conclusão de se estar perante um conjunto de decisões tomadas pelos órgãos de gestão do banco ou pelos respetivos decisores em cada uma das áreas envolvidas que assumem relevância criminal, sendo passíveis de configurar, pelo menos, a comissão de crime de administração danosa”, lê-se no acórdão.

Com esta acusação, a Relação considera que o Banco de Portugal terá agora que entregar a documentação necessária, quebrando o sigilo bancário. “Mostra-se indispensável e imprescindível ao apuramento dos factos em investigação e à viabilização da boa administração da Justiça.”

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