Editorial

A TAP dispensa o “apelo patriótico”

Quando se ouve o gestor internacional português Carlos Tavares a revelar um "apelo patriótico" para comprar a TAP, isto começa muito mal. Afinal, esse discurso bafiento não desapareceu.

À TAP não faltava mais nada. Depois de tudo o que sucedeu nos últimos anos, depois da injeção de 3.2 mil milhões de fundos públicos e de uma reestruturação dolorosa, depois das reversões salariais com efeitos a prazo ainda por determinar publicamente, o negócio continua a voar alto e no quadro da anunciada privatização, apresentaram-se já as grandes companhias europeias. E agora, aparentemente, um D. Sebastião da gestão, Carlos Tavares, que anuncia em entrevista ao Expresso o interesse na companhia e sublinha “apelo patriótico” de investidores que estarão a sensibilizar o presidente cessante da Stellantis para o negócio.

Comecemos pelo princípio. Quando um gestor ou investidor invoca, como princípio de conversa, “apelos patrióticos”, o que está na verdade a dizer-nos é que não estará disponível para pagar tanto por uma empresa como outros, mas invoca uma espécie de vantagem política, a de ser português. A conversa começa, pois, muito mal. A TAP não precisa de movimentos patrióticos, nem de investidores que nos querem enganar. A TAP precisa de um novo dono, que esteja disponível para pagar o que a companhia vale e que tenha um projeto industrial que salvaguarde o que é mesmo importante para o país, a função de hub do aeroporto de Lisboa, do atual e do que vier, se vier, a ser construído.

Carlos Tavares é um dos grandes gestores portugueses com carreira internacional, tem provas mais do que dadas, e não é o falhanço da Stellantis que põe em causa a sua competência. Todas as construtoras automóveis europeias estão a sofrer com a concorrência chinesa nos elétricos (veja-se o caso da VW). Mas uma carreira passada não deve nem pode servir para garantir um qualquer desconto presente ou uma renda futura na compra da TAP, menos ainda a nacionalidade. Porque esse desconto seria pago pelos contribuintes.

O gestor português fez uma carreira internacional, negociou a saída da Stellantis e quer agora apelar à “dimensão emocional” quando se trata da possibilidade de vir a ser acionista da TAP (porque Tavares quer ser acionista, não quer, obviamente, ser gestor executivo). Deixemo-nos de conversas. O Estado português tem todo o interesse em vender a TAP a um outro grande operador. São esses os que têm as sinergias com a TAP e que por isso terão de partilhar esses ganhos com o vendedor, ou seja, todos nós, contribuintes. O que Carlos Tavares quer é apropriar-se dessas sinergias, para as capturar lá à frente.

Carlos Tavares tem o discurso (quase) perfeito, usa as frases certas para o contexto certo, suficientemente ambíguas para não serem desmontadas. “O que interessa é encontrar a melhor solução para Portugal”; “Desde logo, tem de se considerar que tem de se reembolsar o Estado português e os cidadãos portugueses pela ajuda que foi atribuída durante a pandemia”; “Da análise que fiz até agora, faz sentido que haja sinergias com uma outra empresa de transporte aéreo, que não tem necessariamente que acabar por ser uma transmissão de controlo da empresa por um concorrente estrangeiro [por sinal, foi o que Tavares fez na Stellantis]”; Música quase celestial…

A revelação vem a seguir: “”E esse controlo não necessita que haja uma maioria do Estado, pode ser um controlo que se afirma com a soma do Estado português, de gestores portugueses e de investidores portugueses [o sublinhado é meu]”. O que Tavares está a dizer é que quer investir pouco e controlar muito. Quem não? Não deixa de ser uma ironia que Carlos Tavares, o gestor das fusões e aquisições no setor automóvel global sem qualquer sentido patriótico, como foi óbvio, apele agora à Portugalidade como condição de negócio.

O Governo está a dar os primeiros passos no processo de privatização da TAP, processo que vai avançar em 2025. E tem uma obrigação: Maximizar a receita do Estado e garantir que o hub é protegido. E isso faz-se com um contrato blindado com uma companhia aérea internacional que valoriza a TAP e as suas rotas, desejavelmente com a venda de 100% do capital. Sem ceder a “apelos patrióticos” ou outros argumentos que soam a discurso bafiento e que não são mais do que engodos para justificar más decisões junto dos contribuintes/eleitores.

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