Pressão, maus investimentos e omissões. O lado negro da CGD
Depois de o relatório da CPI revelar que não houve "erros deliberados na concessão do crédito", o livro "Caixa Negra" mostra como investimentos ruinosos arrastaram a CGD para um "buraco" financeiro.
Um relatório da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e um livro que faz um retrato do banco e da sua influência nos últimos 17 anos. Se, por um lado, as conclusões do deputado socialista Carlos Pereira, o relator da primeira comissão, mostram que foi a crise económica que levou a CGD a registar imparidades recorde. Por outro, o livro “Caixa Negra”, do jornalista Diogo Cavaleiro, mostra que foram os investimentos ruinosos que arrastaram o banco para este “buraco” financeiro. Uma posição que é agora reforçada pela posição do Ministério Público, que suspeita de gestão danosa na CGD.
“Os elementos já reunidos nos autos sustentam a suspeita de que a CGD foi confrontada com a necessidade de proceder ao registo de imparidades (desvalorização de ativos) que tiveram em grande parte origem na concessão de crédito, com violação de normas de racionalidade na gestão, nomeadamente no que tange a prestação de garantias ou outras perdas, sobretudo na área de investimento”, lê-se no acórdão. Mais: o MP afirma que, caso estas suspeitas se confirmem, estes atos podem ser “crimes de administração danosa”. Para a justiça, foi a partir de 2007 que começaram a ser cedidos a maioria dos créditos que geraram imparidades avultadas.
Estas suspeitas surgem numa altura em que se já se conhecem as conclusões da primeira comissão à gestão da CGD. O relator afirma não ter havido pressão da tutela para que os gestores cedessem créditos do banco público desde 2008. E, em entrevista ao Jornal de Negócios e Antena 1, o deputado diz que “não houve nenhuma documentação que demonstrasse que tenha havido erros deliberados na concessão do crédito”. Mas não é isso que o livro sobre os negócios polémicos da Caixa mostra. Houve, sim, investimentos ruinosos e ligações políticas que influenciaram o rumo da CGD nos últimos 20 anos.
Três momentos-chave na CGD
A pressão política no banco estatal
Recuemos a 2006. José Sócrates estava no seu segundo ano de mandato. É aí que a CGD entra no capital do La Seda Barcelona, uma petroquímica espanhola que produzia fibras artificiais e sintéticas em toda a Europa — e um dos temas mais recorrentes na CPI à gestão da Caixa. Esta aposta foi feita, de acordo com Armando Vara — que foi administrador da CGD entre 2005 e 2007 –, porque era importante para a CGD. E também para o país, ao ponto de o Governo o ter carimbado de Projeto de Interesse Nacional (PIN).
“Em Portugal, uma das estratégias então pensadas para atrair o ativo [o projeto] para o país foi a entrada do Estado no capital da La Seda ao ponto de ter um assento no conselho de administração da companhia catalã”, escreve o jornalista Diogo Cavaleiro. Objetivo? “Aquele administrador criaria pressão quando o local da refinaria de PTA (componente usada em embalagens e em fibras) fosse decidido. A La Seda e o Estado português passariam a ter uma relação direta.”
Em Portugal, uma das estratégicas então pensadas para atrair o ativo para o país foi a entrada do Estado no capital da La Seda ao ponto de ter um assento no conselho de administração da companhia catalã. Aquele administrador criaria pressão quando o local da refinaria de PTA (componente usada em embalagens e em fibras) fosse decidido. A La Seda e o Estado português passariam a ter uma relação direta.
Mas este também foi um dos projetos que levou a CGD a registar imparidades elevadas, uma vez que os empréstimos concedidos não foram devolvidos — a CGD investiu 121,3 milhões de euros na La Seda e financiou esta empresa em 75 milhões. Mas, politicamente, ninguém admite ter colocado pressão para que este financiamento fosse viabilizado. Teixeira dos Santos afirmou nunca se ter sentido pressionado pelo primeiro-ministro, José Sócrates, a fazer qualquer mudança ou nomear um determinado administrador para a CGD, de forma a facilitar a atribuição destes créditos. Sócrates também negou esta pressão, isto depois de esta ter sido denunciada pelo antigo ministro das Finanças Luís Campos e Cunha.
“As grandes dificuldades em conhecer em profundidade, e com factos objetivos, este caso concreto [La Seda], impedem uma racional e adequada conclusão. Na prática, os responsáveis pela CGD que foram inquiridos sobre esta questão não mostraram conhecer a situação de forma minimamente razoável.” Esta é a conclusão do deputado Carlos Pereira, o relator da CPI, para este caso.
Ainda neste universo, a Artlant (fornecedora da La Seda) foi outra das empresas que pediu financiamento ao banco estatal, mas que não o devolveu — está em PER. Ao todo, a Artlant ficou a dever perto de 600 milhões de euros à CGD.
Mas a La Seda não foi o único caso polémico. Entre os projetos considerados PIN há ainda outro: Vale do Lobo. “Foi no final de 2006 que a Caixa se juntou a investidores privados para o comprar o Vale do Lobo ao holandês Sander van Gelder”, de acordo com a “Caixa Negra”. Dez anos depois, este negócio torna-se na peça central em torno da investigação Operação Marquês, na qual Sócrates é o protagonista.
Neste resort, a Caixa colocou 197 milhões em empréstimos e, enquanto acionista, investiu cerca de 30 milhões. E os promotores? Cerca de dez milhões de euros, disse Vara aos deputados. O ex-gestor esclareceu que, até 2013, o projeto de Vale do Lobo pagou à CGD cerca de 100 milhões do total do empréstimo que tinha sido concedido, explicou Vara. “Foi um dossiê bem pensado, que fizemos questão que ficasse só com a Caixa quando havia outros bancos interessados.” Mas ainda faltam pagar quase 100 milhões.
A cinco quilómetros do resort Vale do Lobo fica a Quinta do Lago. Foi aí que uma outra empresa também beneficiou do financiamento da Caixa: a Birchview Imobiliário. “A sociedade, com sede em Loulé, pediu a entrada num Processo Especial de Revitalização (PER) que a CGD não aceitou.” A empresa ficou a dever 277,9 milhões ao banco estatal.
Má gestão, maus investimentos
Foi em Espanha que foram feitos alguns dos investimentos mais ruinosos para a CGD. Mas não foi apenas no país vizinho que isto aconteceu. O cenário repete-se em Portugal. Comecemos pelo universo Grupo Espírito Santo (GES). A Caixa tinha uma exposição de quase 240 milhões a um grupo que acabaria por falir em 2014. “Mas uma coisa é certa: a exposição da Caixa ao GES podia ter sido maior. Não foi. O Governo de Passos Coelho declarou, por várias vezes, que não ia interferir em nome do grupo dono do BES junto do banco público. José de Matos [então presidente da CGD] recusou dar a ajuda que Ricardo Salgado pedia a altas instâncias para salvar o grupo”, lê-se no livro.
Fora da banca, a instituição financeira fez más apostas na construção. É o caso da Soares da Costa e da Opway. Na primeira empresa, a CGD rejeitou, mais uma vez, o PER, “mesmo com a indicação dada pela Soares da Costa Construções de que a insolvência demoraria 15 anos”. O banco era o maior credor: uma dívida de 179 milhões num total de 711 milhões. Em maio, a justiça não aceitou a recuperação da empresa e o seu futuro ainda está por definir.
A Opway — que pertencia ao GES — é outro exemplo “de um grupo construtor que ficou exposto às várias instituições financeiras: era do GES e tinha a CGD como grande financiadora”, escreve o jornalista no livro que será apresentado esta quarta-feira, 12 de julho. Ao todo, ficaram por pagar à Caixa 95 milhões de euros.
“Buraco” financeiro da CGD
Todos estes investimentos, tanto internacionais como nacionais, levaram a CGD a ter de registar imparidades recorde: a fatura ascendeu a três mil milhões de euros. Coube a António Domingues preparar um plano de “limpeza”, que incluiu um aumento de capital de cinco mil milhões. Mas o gestor só entrou na Caixa em 2016.
António de Sousa, Vítor Martins, Carlos Santos Ferreira, Fernando Faria de Oliveira e José de Matos estiveram à frente da gestão do banco estatal desde 2000. Estes últimos três nomes estiveram à frente da Caixa desde 2005 até 2015. Segundo o tribunal, “uma parte substancial dos créditos que resultaram em imparidade foi concedida a partir do ano de 2007″. De acordo com o acórdão do tribunal, “tal situação aponta para um ato deliberado no sentido de omitir o passivo gerado na esfera do banco”.
Estas necessidades de capital, que resultaram das imparidades avultadas, levaram o Parlamento a criar uma CPI sobre a recapitalização da CGD desde 2000. Afinal o que é que aconteceu? Segundo o relatório preliminar da primeira comissão de inquérito ao banco, da autoria do deputado socialista Carlos Pereira, não houve pressões da parte dos governos na política de crédito do banco público desde 2008. Nem “erros deliberados” na cedência de crédito.
Uma parte substancial dos créditos que resultaram em imparidade foi concedida a partir do ano de 2007.
Depois do plano de reestruturação e de recapitalização, cabe agora a Paulo Macedo conduzir a CGD de volta aos lucros. Segundo o presidente do banco, a instituição pública só vai sair do vermelho em 2018. “Se a CGD não apresentar lucros, terei um duplo problema”, referiu o gestor na apresentação dos resultados para os primeiros três meses do ano — quando revelou um prejuízo de 39 milhões. Um banco que não gera capital tem de encolher. É, por isso, “indispensável que a Caixa gere lucros”.
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