Maioria das sentenças tem dado razão às plataformas e negado contrato a estafetas

ACT aproveita relatório anual para alertar para fenómeno de aluguer de contas e utilização indevida de perfis, que facilitam "entrada crescente" de estrangeiros nas plataformas.

A maioria das sentenças conhecidas até agora tem dado razão às plataformas digitais e recusado o reconhecimento de contratos de trabalho com os estafetas. De acordo com o relatório enviado pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) ao Parlamento, das 69 decisões de primeira instância já proferidas, 53 são favoráveis às empresas e apenas 16 aos estafetas.

“Durante o ano de 2024, começaram a ser conhecidas decisões judiciais de ações para reconhecimento de contrato de trabalho, impulsionadas pelo Ministério Público na sequência de participações remetidas pela ACT. Em primeira instância, em 16 decisões foi reconhecida judicialmente a existência de contrato de trabalho, relativamente a 31 estafetas. Por outro lado, em 53 decisões não foi reconhecida a existência de contrato de trabalho, relativamente a 66 estafetas”, lê-se no relatório, que foi enviado aos deputados da comissão parlamentar responsável pela área do trabalho.

Estes números vêm confirmar o primeiro balanço que a inspetora-geral da ACT, Maria Fernanda Campos, tinha feito em outubro na Assembleia da República, altura em que salientou que “a maioria das decisões” era favorável às plataformas digitais.

Porém, nos tribunais de segunda instância, a tendência tem sido a inversa. De acordo com o relatório, das 15 decisões já conhecidas, 12 reconhecem contratos de trabalho, relativamente a 12 estafetas, enquanto três rejeitam-no, relativamente a 33 estafetas.

Contas feitas, a ACT nota que já são conhecidas, no total, 83 decisões referentes a 141 estafetas. Destas, 56 — ou seja, mais de metade — não reconhecem contratos de trabalho entre os estafetas e as plataformas digitais.

Na base de todas estas decisões, está uma alteração ao Código do Trabalho em maio do ano passado, abrindo a porta a que os estafetas sejam considerados trabalhadores (dependentes) das plataformas, desde que haja indícios de subordinação, como a organização do tempo de trabalho e a estipulação das remunerações.

Com base nessa lei, a ACT lançou uma ação inspetiva que envolveu, segundo o referido documento, os 32 serviços desconcentrados e 453 inspetores do trabalho. A autoridade frisa também que esta “nova realidade” do mundo do trabalho exigiu que a própria inspeção fosse adaptada, bem como a introdução de novas metodologias de intervenção e operacionalização.

Neste âmbito, foram identificados 2.328 estafetas, dos quais 1.111 eram verdadeiros recibos verdes — isto é, estavam em situação regular –, enquanto em 1.217 foram “identificados características de laboralidade” — ou seja, indícios de que eram falsos recibos verdes.

Foram também registados 271 estafetas já com contrato de trabalho e 199 em situação de trabalho não declarado, como mostra o gráfico abaixo.

Quanto à caracterização destes indivíduos, mais de nove em cada dez são homens, sendo que, destes, a maioria estava em situação de prestação de serviços.

Por outro lado, a ACT avança que 93% dos estafetas identificados são cidadãos estrangeiros: 63% têm nacionalidade brasileira, seguindo-se os nacionais da Índia, Bangladesh e Paquistão.

"Foi necessário traduzir instrumentos de trabalho utilizados na ação inspetiva, como seja, os questionários de entrevista visando a recolha de informação sobre a real situação laboral do estafeta identificado.”

ACT

Face a esta diversidade de nacionalidades, a barreira linguística foi o principal obstáculo encontrado pelos inspetores do trabalho na intervenção junto dos estafetas.

“Foi necessário traduzir instrumentos de trabalho utilizados na ação inspetiva, como seja, os questionários de entrevista visando a recolha de informação sobre a real situação laboral do estafeta identificado”, explica a ACT, que acrescenta que a colaboração com os estafetas foi tornando-se “mais difícil” ao longo do tempo, “sendo frequente que os estafetas abandonassem os locais onde estavam os inspetores a trabalhar“.

“Volatilidade das plataformas”

Já no que diz respeito às plataformas, foram identificadas 16, tendo a ACT promovido reuniões com os seus representantes “com o objetivo de esclarecer os termos em que a ação estava a ser desenvolvida e a dar resposta às dúvidas que nos apresentavam“.

No relatório enviado ao Parlamento, a Autoridade para as Condições do Trabalho aproveita, no entanto, para alertar para a “volatilidade do funcionamento” destas plataformas. “Unilateralmente, na sequência da alteração legislativa e das intervenções da ACT, foram fazendo alterações ao seu modo de funcionamento e organizativo, em particular na relação com o estafeta”, é assinalado.

Foram também identificados 50 intermediários formais, que emitem recibos aos estafetas e assumem o papel de “ponte” entre estes e as plataformas, “cobrando uma percentagem pelos ganhos”. “Contudo, não resolvem outras questões ou problemas que os estafetas tenham ao nível de desativação de contas, pagamentos, entre outras”, alerta a ACT.

"Estes fenómenos são facilitadores de entrada crescente de cidadãos estrangeiros nesta atividade, operando nela, mal entram em Portugal, muitas vezes com meios também eles alugados (motociclo e smartphone), pelos quais pagam valores elevados, até terem a sua situação de entrada e permanência no país regularizada.”

ACT

No relatório, surge ainda outro alerta relativamente ao aluguer de contas e à utilização indevida de perfis, o que cria dificuldades na “perceção da cadeia de contratação”. “Estes fenómenos são facilitadores de entrada crescente de cidadãos estrangeiros nesta atividade, operando nela mal entram em Portugal, muitas vezes com meios também eles alugados (motociclo e smartphone), pelos quais pagam valores elevados, até terem a sua situação de entrada e permanência no país regularizada“, assinala a ACT.

Estes dados são conhecidos numa altura em que a ministra do Trabalho, Maria do Rosário do Trabalho, já adiantou que o trabalho nas plataformas digitais será uma das matérias a revisitar, no âmbito da reavaliação das mudanças à lei do trabalho que foram feitas na primavera do ano passado.

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