PGR, cauteloso, decide que PM não será interrogado, nem alvo de buscas ou escutas telefónicas
Dez dias depois de receber a primeira denúncia anónima relativa à atuação da empresa de Montenegro, o PGR escolheu o day after à queda do Governo para anunciar que abriu uma "averiguação preventiva".
Quase 24 horas depois da queda do Governo – na sequência do chumbo da moção de confiança do Governo – o procurador-geral da República (PGR), Amadeu Guerra, anunciou ao país, à saída do Supremo Tribunal de Justiça, que tinha recebido não uma mas três denúncias anónimas contra a empresa familiar de Luís Montenegro. E que, por isso, deu início a uma “averiguação preventiva”, delegando no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) essa tarefa.
A criação da empresa familiar de Luís Montenegro – a Spinumviva – ganhou contornos políticos nas últimas semanas, levantando questões sobre o papel que o primeiro-ministro ainda terá nesta sociedade e levando o líder do Executivo a marcar uma moção de confiança que acabou chumbada e ditou a queda do Governo.
Há dez dias, a Procuradoria-Geral da República (PGR) já tinha revelado que tinha recebido uma denúncia anónima sobre a polémica empresa do primeiro-ministro que causou a crise política atual, com previsão de eleições legislativas antecipadas para maio deste ano.
De uma forma aparentemente calculista, o PGR escolheu o day after da queda do Governo para se pronunciar publicamente sobre o assunto, mesmo depois das várias tentativas do ECO para que o gabinete de Amadeu Guerra esclarecesse este assunto. E lá acabou por admitir – em direto nas televisões e não em forma de comunicado – que o Ministério Público não arrumou numa gaveta estas denúncias contra a Spinumviva mas também avisando desde logo que não foi aberta nenhuma investigação criminal contra Luís Montenegro. Pelo menos para já.
As palavras usadas por Amadeu Guerra – captadas por vários jornalistas à saída de um colóquio sobre regras penais – foram, cautelosamente, proferidas. “Estivemos a recolher elementos” e, da informação recolhida, “até agora não há fundamento para abrir qualquer inquérito-crime”, não tendo adiantado prazos, mas explicando que a averiguação preventiva terá como base informações obtidas “em fontes abertas”. “Não são meios intrusivos”, acrescentou, o que significa que não há escutas nem buscas. “Temos mais do que uma denúncia, estivemos a recolher elementos e, dos elementos que recolhemos, não há fundamento para abrir inquérito e por isso abrimos uma averiguação preventiva”. Frisando por mais do que uma vez que não estamos perante uma investigação criminal.
Em dezembro – dois meses depois de ter tomado posse – o ex-diretor do DCIAP que já estava jubilado quando Montenegro o indicou para o cargo – dava a sua primeira entrevista, ao jornal Expresso, em que não metia as mãos no fogo pela decisão da sua antecessora. Referindo-se ao episódio de quando Lucília Gago escreveu o famoso parágrafo num comunicado da Procuradoria-Geral da República, assumindo que António Costa estava sob investigação quando era primeiro-ministro. Comunicado esse que ditou a demissão de António Costa – em novembro de 2023 – e a marcação de eleições antecipadas. Essa investigação – que decorreu da chamada Operação Influencer – continua em banho maria, sendo que o ex-líder do Executivo socialista não chegou sequer a ser constituído arguido.
Admitindo que não sabe se escreveria o mesmo parágrafo, escudando-se no facto de, à data, estar fora da magistratura. “Não digo que vá ter ou não vá ter êxito, não conheço suficientemente o processo. É um dos casos em que iremos conversar com os titulares dos inquéritos olhos nos olhos”. Admitindo preocupação com o processo, pelo impacto e consequências que teve – “preocupa-me, obviamente” –, o novo PGR lembra que não houve consenso sobre se a comunicação de Lucília Gago tornou inevitável a demissão de António Costa: “Há pessoas que entendem uma coisa, outras que entendem outra”.
Certo é que, esta quarta-feira, este PGR não quis precipitar-se no contexto que envolve o atual primeiro-ministro e deixou nas mãos do Parlamento a decisão se iríamos, de facto, entrar numa nova crise política, como a tarde de terça-feira veio a confirmar, depois do chumbo da moção de confiança.
Mas o que é uma “averiguação preventiva”?
Este mecanismo está previsto na Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, no chamado pacote de “Medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira”, criado ainda nos anos 90 por Aníbal Cavaco Silva como líder do executivo. É usado pelo Ministério Público quando este entende que não há indícios criminais suficientes para abrir um inquérito. A partir daqui, o DCIAP pode ou arquivar ou mandar instaurar esse mesmo inquérito criminal.
E é relativo a que crimes? Aos crimes que cabem na competência do DCIAP, como o recebimento ou oferta indevidos de vantagem, corrupção, peculato, participação económica em negócio, administração danosa em unidade económica do setor público, fraude na obtenção ou desvio de subsídio, entre outros. No fundo, tudo o que é relativo à criminalidade económico-financeira.
Mas esta lei foi feita como o objetivo de prevenção de crimes económicos, em casos em que há suspeitas que esse crime possa ocorrer. Mas é um mecanismo cuja utilização não é muito comum. Segundo os números do Relatório Síntese do MP de 2023 (o mais recente que foi publicado) foram instauradas apenas quatro averiguações preventivas, a que acrescem 26 transitadas no ano anterior. O mesmo documento refere que 21 averiguações preventivas foram concluídas e, dessas, apenas duas foram convertidas em inquérito, tendo as restantes sido arquivadas .
A lei diz ainda que o MP “não pode praticar atos ou procedimentos que a lei processual penal expressamente reserve ao juiz de instrução ou faça depender de sua ordem ou autorização”. Ou seja: Montenegro e o seu círculo familiar (e talvez político) não serão alvo de escutas telefónicas nem tão pouco de buscas.
E qualquer dos envolvidos – seja magistrado do MP ou pessoas contactadas no decorrer desta averiguação – estão vinculados ao “dever de absoluto sigilo em relação aos factos de que tenha tomado conhecimento no exercício das funções de prevenção”. E que elementos podem ser usados para este pré-inquérito? Notícias publicadas na comunicação social, registos comerciais, dados fiscais que não estejam sob sigilo, bases de dados não confidenciais. Mas nesta averiguação preventiva não há lugar a interrogatórios judiciais.
Ordem dos Advogados abre averiguação de procuradoria ilícita
Há dois dias, o Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados (OA) abriu uma averiguação de suspeitas de procuradoria ilícita à Spinumviva. O presidente do CRP, o advogado Jorge Barros Mendes admitiu que, “no decurso das averiguações, logo se verá que atos foram praticados e por quem”, disse.
Colocando de lado as dúvidas de potencial conflito de interesses entre o primeiro-ministro e a Solverde, em causa estão dúvidas relativamente aos atos praticados pela própria empresa. Se configuram, ou não, atos jurídicos que – até abril de 2024 – eram exclusivos de advogados e só poderiam ser exercidos em contexto de uma sociedade de advogados e não de uma sociedade comercial.
Desde abril de 2004 que o “Regime Jurídico dos Atos de Advogados e Solicitadores” foi alterado, definindo o alcance dos atos próprios dos advogados e dos solicitadores e tipificando ainda o crime de procuradoria ilícita. Uma alteração que surge na sequência de obrigações europeias, com a alteração da Lei das Associações Públicas Profissionais.
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