Abstenção nas legislativas arrisca subir face ao cansaço dos eleitores e casos do Chega. Campanha será decisiva
A afluência deverá ser menor face a 2024 pelo desgaste do eleitorado e fragilização do partido de Ventura, mas maior do que a de anos anteriores. Tudo vai depender do calor da disputa na rua.
A afluência às urnas nas próximas eleições antecipadas, de 18 de maio, não deverá repetir o feito das legislativas de 2024, que alcançou uma taxa de participação de 59,84%, o valor mais alto desde 1995. A abstenção, que tinha caído para 40,16%, poderá subir face ao desgaste do eleitorado e a fragilização do Chega, mas o pulso da campanha e a combatividade dos seus protagonistas na rua serão decisivos para a mobilização eleitoral, concluem quatro politólogos consultados pelo ECO.
Já o resultado será semelhante ao de há um ano: dificilmente haverá uma maioria absoluta no Parlamento e a instabilidade governativa deverá manter-se, alertam os especialistas em Ciência Política, André Azevedo Alves, Hugo Ferrinho Lopes, Paula Espírito Santo e Bruno Costa.
“Poderá ser difícil manter os elevados níveis de participação das últimas legislativas, visto que haverá alguma saturação do eleitorado face à repetição de eleições em tão curto espaço de tempo. Mas vai depender essencialmente se a campanha”, afirma o professor de Ciência Política da Universidade Católica Portuguesa.
Hugo Ferrinho Lopes considera igualmente que ” abstenção pode aumentar”. “Esta será a quarta eleição legislativa em Portugal em apenas cinco anos e meio. Em setembro/outubro, teremos as eleições autárquicas e, em janeiro, as presidenciais. Estudos científicos sugerem que um número elevado de eleições pode gerar o fenómeno da fadiga eleitoral, ou seja, uma tendência para a abstenção, que se pode perpetuar em eleições subsequentes”, segundo a análise do investigador de doutoramento do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Alinhando pelo mesmo diapasão, Paula Espírito Santo perspetiva que “a afluência não seja tão elevada como em 2024”. “Nessas eleições, houve a participação dos chamados eleitores inconstantes, designadamente porque se viram atraídos pela novidade do Chega, e as suas expectativas podem não ter sido concretizadas face à governação, o que pode desmobilizar o eleitorado por via da desilusão e deceção”, conclui a professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas da Universidade de Lisboa (ISCSP).
“O Chega é um epifenómeno, cresceu muito rapidamente, de forma exponencial e não há um histórico para saber se se irá manter. Mas, dado que houve situações bastante mediatizadas que fragilizaram o Chega ligados à pedofilia e a questões de transparência, este eleitorado também pode desmobilizar-se”, acrescenta a politóloga.
Paula Espírito Santo referia-se designadamente ao caso do deputado dos Açores do Chega, Miguel Arruda, que foi constituído arguido por suspeita de roubo de malas de viagem no aeroporto de Lisboa. Entretanto o parlamentar desfiliou-se do partido e passou a parlamentar não inscrito. Pedro Pessanha, deputado e presidente da distrital de Lisboa, está a ser investigado pelo Ministério Pública de Cascais, na sequência de uma denúncia por violação de uma menor.
Competição apertada ajudou em 2024
Tal como a professora do ISCSP, Bruno Costa considera que “a participação não será tão elevada face a 2024 por causa de um certo cansaço do eleitorado com eleições num tão curto espaço de tempo e também por causa de um desligamento de um eleitorado de 30/40 anos que se sentiu motivado a votar pela primeira vez no Chega, mas que tradicionalmente é abstencionista”.
“A questão é saber se esse eleitorado continua motivado face a um Chega que também contribuiu para a crise política”, ao ter apresentado uma moção de censura, que acabou chumbada e depois votou contra a moção de confiança do Governo, “e tendo em conta os casos com que tem estado a braços com a Justiça”, sinalizou o professor de Ciência Política da Universidade da Beira Interior.
A explicar a diminuição da abstenção “nas legislativas de 2022 e 2024”, estarão dois fatores, na ótica de Hugo Ferrinho Lopes: “Alargamento da oferta de partidos com assento parlamentar e, nas últimas eleições, de 2024, competição apertada pelo primeiro lugar”.
Assim, e apesar do desgaste do eleitorado, com novas legislativas num espaço de pouco mais de um ano, o calor da campanha, a disputa entre as várias forças políticas e a possibilidade de mudança de ciclo político poderão manter elevado o nível de afluência às urnas. “Caso a eleição seja muito competitiva, como se prevê, isso pode atenuar a fadiga eleitoral”, assinala Ferrinho Lopes.
“Na literatura e na investigação políticas, temos três teorias que ajudam a compreender a participação eleitoral: quanto mais competitiva for a eleição, quanto maior for a disputa, como se verificou em 2024, e quanto mais incertos forem os resultados, como em 2024, maior será a participação eleitoral”, esclarece Bruno Costa.
Para além disso, acrescenta, “a possibilidade de mudança de ciclo político, que pode levar o PS ao poder, ou, pelo contrário, a validação e reforço do atual Governo” de Luís Montenegro, “também pode levar a uma maior participação”.
Por isso, “a campanha será muito importante”, aponta André Azevedo Alves. “Mais do que para alterar o sentido e voto, as campanhas servem para tentar mobilizar as bases eleitorais. Quem for melhor sucedido nesse esforço de mobilização terá potencialmente os melhores resultados”, vinca.
Instabilidade à vista
Independentemente do nível de abstenção e dos resultados eleitorais, a posição dos quatro politólogos é unânime: a instabilidade governativa deverá manter-se. “Uma maioria absoluta parece um desfecho improvável. E, assim sendo, é de esperar que a instabilidade possa continuar”, conclui André Azevedo Alves.
Do mesmo modo, Hugo Ferrinho Lopes acredita que “a probabilidade de se alcançar uma estabilidade parlamentar significativa é baixa”. “É improvável que um partido consiga, isoladamente, alcançar uma maioria absoluta ou que qualquer bloco (seja de esquerda ou de direita) a obtenha, devido à representação do Chega, partido com o qual todos os outros partidos se recusam a estabelecer acordos. É previsível que o cenário de instabilidade parlamentar continue”, reforça. Paula Espírito Santo e Bruno Costa partilham o mesmo sentimento. Ambos consideram que “a instabilidade irá manter-se”.
As últimas eleições legislativas, de 2024, foram convocadas na sequência da demissão do então primeiro-ministro António Costa, que tinha nas mãos uma maioria absoluta socialista no Parlamento. A decisão foi tomada depois de um comunicado da Procuradoria-Geral da República que envolveu o nome de António Costa num inquérito relacionado com suspeitas em torno de projetos de exploração de lítio e negócios de hidrogénio.
O socialista, agora aos comandos do Conselho Europeu, ainda tentou evitar a ida às urnas, sugerindo outros nomes, como o de Mário Centeno, para chefiar um novo Executivo PS, mas o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recusou e dissolveu a Assembleia da República.
Dos mais de 10,8 milhões de eleitores inscritos, em território nacional e no estrangeiro, cerca de 6,5 milhões decidiram votar, elevando a taxa de participação para 59,84%, a mais alta desde 1995.
A coligação da Aliança Democrática (AD), formada por PSD, CDS e PPM, obteve pouco mais de 28% dos votos, elegendo 80 deputados, 78 do PSD e dois do CDS; o PS ficou em segundo lugar, taco a taco com a AD, com 28%, e alcançou 78 cadeiras no Parlamento. E o Chega afirmou-se como terceira força política, conseguindo, pela primeira vez, 18,07% dos boletins, o que lhe permitiu eleger 50 deputados.
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