“Devíamos subir o preço e não banalizar o vinho do Porto”
Irreverente, Dirk que não é enólogo de formação, conquistou o mundo do vinho. Das suas mãos saem alguns dos melhores vinhos de mesa do Douro. E a Niepoort, a empresa que gere, continua a crescer.
Chega à Quinta de Nápoles, em Armamar, em pleno coração do Douro, acompanhado pela irmã, Verena, também ela a trabalhar na empresa desde 2005, como diretora executiva. Dirk Niepoort, 52 anos, é o homem forte da empresa familiar — já vai na quinta geração — e um dos mais populares e considerados produtores de vinho do Douro. Curiosamente não tem formação em enologia. Mas respira vinho por todos os poros.
Mal sai do carro já na Quinta que faz parte da família, debaixo de uns escaldantes 38 graus de temperatura, Dirk começa a falar da qualidade das uvas que foi vendo ao longo do trajeto. “Nunca vi uvas tão pintadas em julho”. Um sinal de que a vindima será, este ano, mais cedo do que o normal. Até para ele, que já por si, gosta de antecipar a colheita da uva. Mas esta antecipação da natureza não o vai apanhar desprevenido. “Já antecipámos as férias por causa disso”, afirma. É antecipando a vindima que Dirk consegue fazer vinhos com mais acidez e frescura, um dos traços característicos dos vinhos com a marca Niepoort.
O vinho de mesa no vale do Douro é ‘invenção’ sua: dantes, na região, apenas o vinho do Porto concentrava as atenções dos vitivinicultores. Dirk ainda recorda o dia em que se virou para o pai, hoje com 90 anos, e lhe disse que ia fazer um “vinho de mesa fino e elegante”. O pai riu-se, mas nem isso o fez desistir. Hoje, diz orgulhoso: “Já produzo vinho fino e elegante”.
O primeiro vinho com a mão de Dirk foi batizado de Robustos. Era um vinho pesado, tinha 14 graus. Um “brutamontes”, como gosta de dizer o herdeiro dos Niepoort. Por essa altura Dirk foi para a Austrália fazer um estágio e recebe um telefonema do pai, Eduard Rudolph Niepoort, a dizer que o vinho cheirava mal. Não contente com isso, o pai de Dirk ainda deu três a quatro pipas desse vinho ao pessoal. Dirk ficou frustrado e proibiu toda a gente de mexer no que restava. O tempo veio a dar-lhe razão e hoje, Dirk não tem dúvidas que o Robustos “está muito, muito bom”.
"É o meu lado irrequieto que acredita que, fazendo coisas paralelas e diferentes, vamos melhorar o coração que é o Douro.”
O mote estava dado: irreverente por natureza, Dirk é hoje um homem reconhecido no mundo dos vinhos. A inquietude que o caracteriza levou-o primeiro a fazer vinhos de mesa, e agora a diversificar as atenções. À do Douro juntou a aquisição de mais duas quintas, uma no Dão, outra na Bairrada. E diz que, contrariamente ao que diria o diretor-geral da Niepoort, José Teles, ex-quadro do grupo Amorim, não há uma estratégia delineada nestas aquisições. “É o meu lado irrequieto, aquele que acredita que, fazendo coisas paralelas e diferentes, vamos melhorar o coração que é o Douro”, afirma, para acrescentar: “O facto de estarmos a fazer vinhos na Bairrada e no Dão está a ajudar muito a perceber melhor o Douro”.
Mas a curiosidade deste homem com origens holandesas não fica por aqui. Dirk confessa que “há outra região em que gostava de meter o dedo”. “Ainda não sei… Vinho Verde de certeza que vamos fazer, mas não temos a perspetiva de comprar nada, é mais fazer experiências e ir brincando”.
Do Porto para o mundo
“Há assim umas ideias bastante concretas na minha cabeça, mas primeiro tenho de experimentar e ir vendo”, admite o presidente da Niepoort.
A paixão pelo Douro sempre presente. Dirk diz que há quem diga que “aquilo que faço é sempre para ganhar dinheiro, mas eu acho que não é essa a minha lógica e que nunca foi. Normalmente as coisas até funcionam e nós ganhamos dinheiro, mas não é esse o objetivo”.
Mas se é verdade que a Niepoort, cuja faturação ronda os 12 milhões de euros, está a diversificar, não deixa de ser verdade que o foco do grupo há de ser sempre o Douro. “O vinho do Porto e o Douro são as raízes da empresa, por isso há de ser sempre a região mais importante”. Ainda que o Douro seja a região mais importante em termos de produção, em termos de mercados a Niepoort quer conquistar o mundo. Para já exporta 80% do que produz para cerca de 70 países. Os principais mercados são a Alemanha, a Suíça, Noruega, Estados Unidos e Inglaterra. E claro, Portugal.
No dia em que o ECO visitou a Quinta de Nápoles, realizava-se o almoço de lavradores: os Niepoort juntam todos os lavradores da região com quem mantêm relações comerciais para estarem juntos na empresa. No total são mais de 200 lavradores que aparecem para, juntamente com Dirk, provarem e aprovarem diversos vinhos. Muitos trazem as suas garrafas e, orgulhosos, esperam que o presidente da Niepoort lhes dê o seu aval. É desta proximidade que se faz muito da história do vinho, em geral. E do Douro, em particular. E Dirk sabe-o.
O vinho e o Douro
Quando em 1987, Dirk Niepoort começou a trabalhar não havia quase nada no Douro. “Naquela altura havia vinho do Porto, havia o Barca Velha e o Quinta do Cotto e, quando eu apareci, diziam todos que eu era maluco, inclusive o meu pai. Mas acreditei sempre no potencial do Douro, pela qualidade e pela diversidade de ‘terroir’. O facto de não ser uma região homogénea torna este vale numa coisa muito interessante”.
“O Douro é provavelmente a região vitivinícola mais bonita do mundo. Há muitas coisas bonitas — eu conheço muitas — mas não conheço nenhuma que tenha este tamanho e esta dimensão”, remata, com uma ponta de orgulho.
O facto de não ser uma região homogénea torna este vale numa coisa muito interessante.
Apesar de a Niepoort também produzir vinho do Porto, Dirk diz não compreender as casas de vinho do Porto. O produtor reconhece a importância do vinho do Porto, mas admite que “o importante era mudar a conversa”.
“Mais do que falar do vinho do Porto, devíamos falar da região do Douro e criar condições para a região sobreviver. Ou melhor, tornar-se uma região muito apelativa tanto para o turismo e para os vinhos de mesa, como para o vinho do Porto”, adianta Dirk, para quem o vinho do Porto devia tornar-se “mais snob”.
Dirk confessa sem receios que “devíamos aceitar que o vinho do Porto não é para todos nem é para todas as ocasiões, é algo especial pelo que devíamos subir o preço e não banalizar o vinho do Porto nos supermercados“. “Devia criar-se uma marca Porto forte não barata, para vinhos tintos e brancos. Fazer vinhos de garagem para mostrar ao mundo que nós somos tão bons como as outras regiões do mundo, devíamos aproveitar as várias sinergias desta região e combiná-las positivamente”.
A “onda de turismo” que se vive em Portugal não é uma ajuda a esta ideia?
A resposta sai rápida e desconcertante. “Obviamente que sim. Agora, não podemos é ser aqueles portuguesinhos que somos e só aproveitar a onda e estragar tudo”, refere.
“Temos de aproveitar a onda positivamente, investindo na qualidade, tratando bem os turistas, fazendo bons vinhos e não vendendo gato por lebre. Para daqui a cinco anos não ser uma onda mas ser uma verdade”.
Para Dirk, os maiores problemas do setor do vinho “somos nós, os portugueses”. “Somos um país pequenino, mas com uma riqueza fantástica. Temos regiões totalmente diferentes umas das outras, vinhos interessantes com caráteres diferentes, temos castas que já não existem no mundo inteiro, temos vinhas velhas, temos tradições, temos hábitos, uma costa fantástica, temos uma comida que é muito boa. Logo, o que devíamos fazer era apostar em coisas simples como a fruta, os legumes, o peixe, a carne, com tudo o que temos aqui na mão”.
Para este homem de origem holandesa, “Portugal tem muitas virtudes e o facto de estarmos aqui longe, escondidos acaba por ser mais uma vantagem do que uma desvantagem. Agora só temos de tirar partido e, se soubermos juntar as várias vertentes, criamos coisas fantásticas”.
E Dirk prossegue. “Juntar o turismo, os vinhos, a música… se juntarmos tudo isto criamos condições para as pessoas virem cá, por um lado, e muitas razões para exportarmos”.
O problema do “made in Portugal”
“Depende do país, mas é. Numa Alemanha, Portugal não aquece, nem arrefece. Já em Inglaterra o vinho português para ser consumido tem que ser barato, ou seja, temos que combater uma imagem negativa que existe e que é culpa nossa”.
Para Dirk, Portugal podia ter uma imagem excelente no Brasil — onde a Niepoort participou recentemente num evento denominado Vinhos de Portugal no Rio, uma iniciativa do jornal Público em parceria com a Globo e a ViniPortugal — mas não tem. Dirk adianta que “não levámos o mercado brasileiro a sério, achávamos que éramos superiores e isto não funciona assim. O mercado brasileiro é enorme e tem um grande potencial”.
Para Dirk não há dúvida: “Portugal pode competir com qualquer um — franceses, australianos, qualquer um — desde que tenhamos identidade“. Ainda assim, acrescenta: “Gostava que fizéssemos muito melhor do que fazemos, gostava que os portugueses acreditassem muito mais naquilo que temos, e fossemos mais cabeça dura para seguir o nosso caminho. Gostava que déssemos um passo muito maior na nossa individualidade”.
E vêm o exemplo da Bairrada, a nova menina bonita do homem forte da Niepoort. “A Bairrada é sempre considerada a pior região de Portugal, é a única região em Portugal em que metade das pessoas dizem que não gostam dos vinhos da Bairrada. Ninguém diz ‘não gosto do Douro’ ou ‘não gosto do Alentejo’. Porque é que é assim? A resposta é simples: 80% dos vinhos da Bairrada são muito maus e eles insistem em fazer porcaria, e em não se adaptar”.
Mas, depois das críticas vêm os elogios. “No entanto, é uma região que faz hoje e sempre fez alguns dos melhores vinhos portugueses. O que se vê neste momento é que aparecem dez artigos por semana a falar bem da Bairrada e, num mercado como o inglês — em que o vinho português tem má imagem –, a Bairrada está a ser uma moda fantástica”.
“E isto porque as pessoas estão a provar o vinho bom da Bairrada e estão a provar coisas com muito caráter e com muita personalidade, com um caminho próprio que só pode ser português”, afirma.
Movimentações do setor
Dirk tem uma perspetiva própria sobre o futuro do setor em Portugal. Para ele, “a globalização é cada vez mais forte, os grandes serão cada vez maiores e os pequeninos tenderão a desaparecer. A distribuição vai controlar os produtores de modo que terá de existir uma concentração destes”.
E a Niepoort como fica no futuro? “Vamos ficar entalados no meio, somos pequenos de mais para sobrevivermos no meio dos grandes e somos grandes de mais para estarmos no meio dos pequeninos”, afirma, convicto. Apesar desta visão, o homem forte da Niepoort diz que “a ideia não é ir adquirir pequenos produtores, mas é certo que vão existir movimentações no setor“.
Dirk dá o exemplo do que se passa em Londres e em toda a Inglaterra. “Há um movimento engraçado que se vê em Nova Iorque e em Londres, e que tem a ver com as pessoas estarem a ficar cansadas de restaurantes estrelas Michelin, o que leva cozinheiros importantes a pendurarem os aventais e a fazerem restaurantes mais básicos, mas com muita qualidade e a irem buscar vinhos especiais para clientes especiais. São vinhos com menos madeira, menos grau, mas vinhos que dão gozo beber”.
Neste aspeto, Portugal em geral, e a Niepoort em particular, têm muito a ganhar. “São exatamente os vinhos que eu acho que as pessoas querem. Há 20/30 anos eu insistia em vender vinhos portugueses, de castas portuguesas, com nomes portugueses. Hoje, apesar de as pessoas poderem não conseguir dizer o nome, associam-nos a algo exótico e isso começa a ser uma mais-valia”.
Mas Portugal ainda não é reconhecido internacionalmente pelo vinho? “Não, estamos a anos-luz. Infelizmente vamos a uma loja longe daqui e encontramos os nossos vinhos na prateleira de baixo dos vinhos portugueses. O vinho do Porto aparece, mas os vinhos de mesa só agora começam a existir”.
O Douro como um todo, e não o Douro apenas “pai” do vinho do Porto. É assim que Dirk insiste em que deve ser vista e encarada a região. Até porque, adianta, “o Governo português sempre achou que o vinho do Porto era uma coisa para os estrangeiros e nunca associou o vinho do Porto a um vinho português, é pena. O vinho de mesa ganha muito com o vinho do Porto, mas o vinho do Porto também ganha muito com o vinho de mesa“.
Apesar disso, Dirk que também produz vinho do Porto reconhece que: “o vinho do Porto é uma coisa à parte, mas eu insisto que deve deixar de ser à parte, vamos deixar de falar do vinho do Porto e vamos falar do vinho do Douro, e isto tudo junto vai criar uma mais-valia. Há um crescimento claro e notório do vinho português”.
15 mil euros por uma garrafa de Madeira
Do passado de Dirk há uma história curiosa. Um dia, estava na Suíça, onde estagiava, e decidiu ir a uma loja próxima para comprar uma boa garrafa de vinho. Tinha para isso posto de parte 25 francos. Mas se o orçamento era magro, a ambição era grande. Pediu um Château Petrus. Um garrafa custava na altura entre 800 a 1200 francos (hoje, entre 120 a 180 euros). Ficou boquiaberto. Mas quanto já pagou Dirk por uma garrafa?
Olha meio envergonhado e confessa: “Já paguei mil euros, mas não fui só eu, era a dividir. Foi para beber, e não para guardar, e posso dizer que valeu a experiência“.
Diz que “foi importante ter provado aquele vinho, mas mil euros não é todos os dias que se gastam. Era um vinho velho”. A extravagância não se fica por aqui. Dirk está a comprar uma garrafa de vinho Madeira, datada de 1715, que custa 15 mil euros. “Não é para mim, é para uma amiga que quer oferecer ao marido, mas estou à espera que abram aquilo comigo”, diz entre risos.
A aposta no chá
Se produzir vinho de mesa numa região que até então só produzia vinho do Porto foi visto como uma ousadia, o que dizer da mais recente paixão de DIrk Niepoort, o chá?
Dirk e a mulher, a alemã, Nina Gruntkowski, são produtores de chá em Portugal. Para já, o resultado da primeira colheita são apenas 2,5 kg, mas isso não impede Dick de garantir que o futuro passa por aí, a tal ponto que augura que daqui a 20 anos “metade da faturação do grupo Niepoort vai ser chá“.
Depois de terem feito um pequena plantação no jardim de casa, no Porto, mudaram as cerca de 200 plantas para um terreno perto de Vila do Conde e hoje têm 6.500 plantas, em cerca de meio hectare de terreno. Este ano fizeram a primeira colheita, que só pode acontecer cinco anos após a plantação. Dirk diz que “tudo começou como uma brincadeira, mas o vinho também começou assim”.
Para o ano, “já devemos fazer mais e, daqui a três anos, quando já estivermos a produzir a sério, faremos 50 quilos”.
O processo, garante Dirk, é lento e trabalhoso, mas o “nosso chá tem muita qualidade”. Aproveitando o facto de ser produtor de vinho do Porto, Dirk está a envelhecer chá Oolong — um chá meio caminho entre o verde e o preto — em pipas de vinho do Porto e diz que o resultado não podia ser melhor. “Demos a provar a um expert e ele ficou maluco com aquilo. Há aqui uma boa sinergia”, diz.
Para já, para produzir este chá verde de inspiração japonesa, têm a ajuda do casal Morimoto — produtores de chá verde biológico japonês que Nina e Dirk vendem em Portugal.
Correção: A reportagem com Dirk Niepoort foi publicada no ECO com o título original “Niepoort: O vinho de mesa no vale do Douro é invenção sua”. O título gerou algumas críticas de leitores porque estava descontextualizado e induzia no erro de se pensar que Dirk Niepoort era o único inventor, quando no texto o que se pretendia sublinhar era a sua importância e o seu papel como uns dos pioneiros na promoção do vinho de mesa no vale do Douro.
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