A saída do Reino Unido da União Europeia e as eleições norte-americanas vistas por quem vive hoje em Londres e viveu antes nos Estados Unidos.
Professor na London School of Economics, Ricardo Reis revela-se preocupado com o Brexit. Pelos efeitos que poderá ter no curto prazo mas também pelo impacto que terá na dinâmica europeia. Antecipa uma União Europeia mais centralizada que é desfavorável para os países periféricos como Portugal.
Sobre as eleições nos Estados Unidos vale a pensa seguir a reflexão que faz sobre o facto de darmos as democracias como regimes adquiridos e considerarmos que os políticos são todos iguais. Não são, alerta. Donald Trump é “verdadeiramente perigoso”.
Vive no Reino Unido. Está preocupado com o Brexit?Muito preocupado.
Quais são os efeitos que antecipa? Pessoalmente poderá ter algum problema?Trabalho na indústria da educação superior que, no Reino Unido é uma enorme exportadora. Recebemos alunos de toda a Europa, assim como de todo o mundo, que vêm estudar sobretudo em Mestrados. A partir do momento em que o Reino Unido toma uma opção cortar mais no comércio internacional, através da saída da União Europeia e da restrição à mobilidade das pessoas, está a dizer que quer menos mobilidade. Ora, a minha mercadoria é vender esta mobilidade de pessoas, que vêm para Inglaterra estudar para depois irem arranjar emprego noutro sítio na União Europeia. Por isso, pessoalmente, afeta-me muito.
Haverá efeitos de retração nesse setor da educação?Com certeza. Mas aqui está uma boa oportunidade para Portugal. Já vejo algumas universidades portuguesas competitivas no mercado dos mestrados, que é altamente concorrencial na Europa, neste momento. E, às tantas, algumas universidades aqui em Lisboa ou no Porto vão beneficiar, recebendo alunos que costumavam ir estudar para a Universidade de Bath ou para Surrey. Vai ser uma perda de Inglaterra e um ganho para Portugal numa indústria exportadora como essa.
Pensa que no Brexit os efeitos serão mais positivos do que negativos para Portugal? Isso é impossível, não é?O Brexit tenderá a criar ‘uma UE mais ambiciosa em termos de um Estado Federal, muito regulamentado a partir de Berlim, Frankfurt ou Bruxelas. Para países periféricos, como nós, acaba por ser pior’.
Penso que são negativos. Em primeiro lugar, porque o Reino Unido é um importante parceiro comercial português e, portanto, este movimento antiglobalização, anti comércio internacional, anti mobilidade das pessoas, afeta todos os parceiros da Inglaterra e nós somos um parceiro importante. Há um segundo efeito do Brexit que me preocupa e que, por vezes, é menos apontado na Europa. Tem a ver com o que são os debates nas instituições europeias. Portugal faz hoje parte de uma União Europeia na qual há um equilíbrio entre os argumentos dos alemães, dos ingleses, dos franceses, dos holandeses, dos italianos, dos portugueses… Que têm por vezes perspetivas muito diferentes do que deve ser a União, do que deve ser a intervenção do Estado, do que deve ser o papel dos mercados livres, do que deve ser a regulação financeira, para voltar ao tema inicial desta nossa conversa. A saída de Inglaterra tem um efeito, a meu ver, muito negativo no que é a União Europeia. A Inglaterra trazia, dentro do seu grande ceticismo em relação às politicas europeias, uma dose importante de humildade aos democratas europeus, de receio de intervenção excessiva estatal, uma dose importante de respeito pelos mercados livres e pela liberdade individual. Sem a Inglaterra nas mesas do Conselho Europeu, sem os burocratas e os tecnocratas ingleses em todos os diferentes órgãos da União Europeia, receio que a UE derive um pouco mais para um modelo mais próximo do que temos na Europa Central. O que não é para mim claro que seja o melhor para Portugal ou mesmo para a Europa, uma UE muito mais regulamentada e interventiva.
E com isso podemos correr o risco de um colapso da União Europeia?Um colapso não. Calma. Parece-me claro que haverá um reequilíbrio mais para a Europa Central, que passa a ter muito mais poder em relação a países periféricos como Portugal e como a Inglaterra, que era periférica ao centro da Europa.
Simplificando, a Europa vai virar à esquerda no sentido de maior intervencionismo, de maior regulamentação e de menos liberdade de iniciativa e de mercado.Não identificaria isso com esquerda ou direita, identificaria antes com o centro da Europa, no qual há esquerda e direita. Identificaria mais com um Estado maior e com uma UE mais ambiciosa em termos de um Estado Federal, muito regulamentado a partir de Berlim, Frankfurt ou Bruxelas. Para países periféricos, como nós, acaba por ser pior. Agora se essa maior regulação, maior músculo, maior centralização, maior federalismo vem mais de ideias de direita ou de esquerda, isso tenho muito menos certeza. O facto é que nós somos um país periférico e a centralização de poder que, acho que vai acontecer, prejudica-nos. A Inglaterra, porque era também um país relativamente periférico em termos dos seus interesses, acabava por nos ajudar muito com o seu poder.
Antecipa alguma instabilidade financeira na sequência da saída do Reino Unido da UE?O Banco de Inglaterra reagiu extraordinariamente bem a esta crise, tal como a Reserva Federal e o BCE reagiram extraordinariamente bem à crise financeira entre 2008 e 2010, no sentido em que, garantiram que os mercados não colapsassem, como aconteceu na Grande Depressão e como tinha acontecido nas crises financeiras do século XIX em Inglaterra, para dar apenas um exemplo. De facto, não faltou uma libra numa caixa, não caiu nenhum banco, nenhum inglês no estrangeiro teve dificuldade em arranjar moeda para voltar a apanhar um avião para casa depois do referendo. Agora, olhando para a frente, falei do setor da educação, mas há outro que exporta ainda mais, o setor financeiro. É o maior exportador. Sem o setor financeiro, neste momento, a Inglaterra tinha um saldo externo muito pior do que o português no pico da crise, qualquer coisa como menos 13 ou menos 15%. O setor financeiro é vital e vai ser afetado negativamente. Não falaria num colapso. Falaria numa diminuição lenta desse setor. Vai ser claramente afetado.
Os políticos são todos iguais? Não é verdade. Donald Trump é verdadeiramente perigoso.
Viveu muitos anos nos Estados Unidos, como é que explica o sucesso de Donald Trump?
Um enorme susto. Mas de facto há um conjunto de votantes que são, simplesmente, racistas, anti-imigrantes, anti mexicanos e ele atrai esses eleitores. Em segundo lugar, há outro setor, dentro da polarização e do que tem sido a política americana e já agora portuguesa, que vota nos republicanos independentemente de quem seja o candidato. Por muito incompetente e assustador que ele seja. Em terceiro lugar, temos, de facto, este falhanço do estado social, que é tão forte na Europa como também no Reino Unido. Há uma grande percentagem da população que perdeu o emprego, que tem poucos rendimentos, que está desapontada com o sistema, que vê que os seus rendimentos não aumentaram muito e que vota em protesto.
Por fim, há uma certa complacência que é muito verdadeira também aqui em Portugal, na Europa toda e nos Estados Unidos. Nós estamos tão habituados a viver com prosperidade, com os enormes benefícios dos mercados livres e do capitalismo, com o qual vivemos há tantas décadas, que achamos que seja quem for o político que seja eleito a liberdade económica, pessoal, política vão continuar. É algo que tomamos como garantido e que achamos que vir este ou vir aquele Primeiro-Ministro ou Presidente, esses [princípios e valores] não vão ser afetados. Tomamos isso como garantido e não percebemos que, nas eleições, quando votamos num louco, num racista ou numa pessoa perigosa para o poder, a democracia liberal, capitalista, rica, de economia de mercado, com a qual gozamos há muitas décadas, pode verdadeiramente acabar. O discurso segundo o qual “os políticos são todos iguais” não é verdadeiro, há uns que são mesmo muito maus e muito perigosos, Donald Trump é um deles. Mesmo em Portugal vemos que as pessoas, que há 30 anos tremiam de medo com a possibilidade de ter forças de extrema-esquerda no Governo, hoje em dia acham que não são assim tão más, não são assim tão diferentes. Nós já nos esquecemos do que foi a luta contra o comunismo em Portugal no final dos anos 70 e o quão grave e quão importante era essa luta para a liberdade.
Donald Trump é uma ameaça para os Estados Unidos?Nas eleições, quando votamos num louco, num racista ou numa pessoa perigosa para o poder, a democracia liberal, capitalista, rica, de economia de mercado, pode verdadeiramente acabar.
Uma enorme ameaça, não só para os Estados Unidos, mas para o mundo inteiro. Estamos a falar de um homem verdadeiramente perigoso. E a democracia liberal como nós a conhecemos, o capitalismo como nós o conhecemos, a prosperidade enorme, que apesar da nossa crise, nós temos beneficiado nos últimos 50 anos, ou em Portugal nos últimos 30 anos, estão claramente em risco com a eleição do Donald Trump.
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Ricardo Reis: Sem o Reino Unido a UE será mais centralizadora
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