Entre sondagens e “batotas”, quem supervisiona as eleições?
Conheça a história de uma sondagem encomendada, divulgada, desmentida e controversa até ao fim. Com todos os receios, afinal em Angola quem monitoriza as urnas? Um novo movimento quer dar resposta.
As eleições angolanas aproximam-se e os principais candidatos já procuram perceber, através de sondagens, onde estão nas preferências dos eleitores que esta quarta-feira, 23 de agosto, vão deitar os boletins nas urnas.
No entanto, alguns ativistas veem as eleições com ceticismo e anteveem “batota” se o MPLA, atual partido do poder pelo qual concorre o escolhido de José Eduardo dos Santos, João Lourenço, for bem-sucedido apesar da grande contestação popular que se tem feito sentir. As sondagens contraditórias não ajudam. Abaixo, o ECO explica como vai funcionar a fiscalização das eleições angolanas, incluindo por um movimento popular que chama os próprios eleitores para que guardem as suas urnas.
A sondagem desmentida (falsamente?)
Começou com uma sondagem divulgada pelo site apoiado pelo ativista Rafael Marques, já anteriormente detido pelo regime de José Eduardo dos Santos, o Maka Angola. A sondagem, que teria sido encomendada pela Presidência da República, dava ao MPLA apenas 38% dos votos. A oposição, em conjunto, ultrapassava assim o partido do Governo, e a UNITA, que nesta sondagem juntava 32% das intenções de voto, já declarou a sua vontade de fazer uma coligação com a CASA-CE, que se via com 26% das intenções de voto. O Maka Angola escrevia ter tido acesso aos resultados da sondagem, realizada pela empresa brasileira Sensus, Pesquisa e Consultoria.
Também desta sondagem constaria a informação ainda mais danosa para o regime de José Eduardo dos Santos: “uns esmagadores 91% dos inquiridos consideram que os dirigentes, nos seus atos governativos, apenas atribuem prioridade aos seus interesses pessoais”.
A resposta não tardou. O Jornal de Angola, frequentemente associado ao Governo de Luanda, publicou um desmentido feito pelo Consórcio Markepoll Consulting, uma empresa angolana que teria trabalhado com a brasileira Sensus, para dizer que a sondagem veiculada pelo Maka Angola “nunca” tinha sido realizada, sendo os dados “falsos”. O Jornal de Angola divulgaria, pouco depois, uma outra sondagem que dizia ser real, realizada por essas empresas e que dava a vitória ao MPLA com 68% dos votos.
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O Maka Angola, por sua vez, veio procurar desmentir o desmentido, explicando as origens da empresa Marketpoll, que diz estar ligada ao regime angolano e não à sondagem inicial a que tinha tido acesso. “Sejamos muito claros: esta Marketpoll é MPLA. (…) Os seus desmentidos nem valem o papel em que foram escritos”, lia-se no site.
É um facto que os números publicados na primeira sondagem divulgada pelo Maka Angola eram muito baixos para o MPLA, que em 2008 venceu as eleições com 82% dos votos e, com 72%, em 2012. Uma sondagem divulgada pela Deutsche Welle lusófona, do Instituto Superior Politécnico Jean Piaget de Benguela, em parceria com o Instituto Superior Politécnico Sol Nascente do Huambo e o apoio da Universidade Católica Portuguesa, já dava a João Lourenço cerca de 60% das intenções de voto.
Mas os ativistas desconfiam que o MPLA consiga ser bem-sucedido em muitas das províncias angolanas devido ao crescente descontentamento popular com as políticas de José Eduardo dos Santos, em conjunto com o pouco carisma do seu suposto sucessor João Lourenço. “Nas condições atuais — com corrupção, desemprego, pobreza — o MPLA não ganha. Se o MPLA ganhar, é um problema de batota”, defendeu o ativista Marcos Mavungo à Deutsche Welle. Mas como são fiscalizadas as eleições angolanas, e o que é feito no terreno?
O que se faz para evitar essa “batota”?
Tudo começa com a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) angolana, que tem como tarefa certificar-se de que o processo eleitoral é transparente e fiável. A CNE deve garantir que os votos são contados nas assembleias de voto e as urnas são posteriormente transportadas para as comissões municipais eleitorais, com os resultados a serem enviados por fax para a própria CNE.
Mas o ativista angolano Manuel Nito Alves, que foi processado por calúnia e difamação contra o Presidente da República, tem estado a organizar um Movimento Revolucionário através das redes sociais, no qual apela aos cidadãos que, depois de votarem, fiquem junto das assembleias de voto para ajudar a garantir que as urnas não entram nem saem enquanto os votos não sejam contados. “Quanto terminar [o voto], queremos o resultado das eleições. Não podemos deixar que as urnas saiam dali. A contagem deve ser no mesmo local”, defende Nito Alves, citado pela Deutsche Welle lusófona. A ideia destes ativistas, que colocam em causa a transparência que deveria ser garantida pela CNE, é que os eleitores permaneçam a cerca de 20 metros da urna para poderem controlá-la em conjunto.
Também há observadores internacionais na eleição angolana, como é habitualmente o caso em países cuja transição democrática foi relativamente recente. Mas mesmo aqui tem havido controvérsia. Embora a União Europeia tenha sido uma das entidades convidadas pela CNE angolana para observar as eleições, Luanda não quis assinar um memorando de entendimento para cumprir as exigências da União Europeia, que queria proteção e meios para se deslocar pelas 18 províncias do país. “Quem quiser vir, vem e quem não quiser, pode não vir”, disse o ministro das Relações Exteriores de Angola Georges Chikoti, citado no Jornal de Angola.
“As únicas instituições com as quais Angola assinou tratados específicos para a observação das eleições são a União africana e a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, às quais pertencemos”, acrescentou o ministro, que disse ainda que Angola não aceita “lições” de ninguém.
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