Execução dos fundos em alerta vermelho. Governo desdramatiza

A 31 de dezembro, Portugal tem de ter despesa validada pelas autoridades de gestão e certificada por Bruxelas no valor de 3,56 mil milhões de euros. O Governo diz que só faltam 132 milhões.

Portugal ainda tem de certificar junto de Bruxelas 132 milhões de euros de despesas do Portugal 2020, para não perder verbas do atual quadro comunitário. De acordo com o Público (acesso condicionado) em risco podem estar 1,7 mil milhões de euros. No entanto, o secretário de Estado do Desenvolvimento garantiu esta quarta-feira que até ao final do ano será certificada a despesa em falta, pelo que Portugal não perderá “um único euro” de dinheiro comunitário.

“A meta que temos de cumprir este ano de 2017 é de cerca de 2,8 mil milhões de euros e globalmente o valor até está ultrapassado. O que sucede é que as regras obrigam a fazer também o apuramento por programa operacional e, dentro do programa, por fundo [comunitário]. Por fundo, existe ainda 5% que neste momento falta cumprir, mas ainda temos quase quatro meses à frente”, afirmou à Lusa Nelson de Souza, numa reação à notícia avançada esta quarta-feira pelo Público. No entanto não especificou quais os programas e fundos em que ainda falta certificar despesa.

O Público noticia que Portugal arrisca perder 1,7 mil milhões de euros em fundos comunitários por falta de execução, usando por base os dados públicos da execução do Portugal 2020 referentes a 30 junho de 2017. De acordo com as regras comunitárias, neste período de programação financeira, os países têm três anos para certificar as despesas em Bruxelas — e não dois como acontecia no quadro anterior, uma alteração que resultou dos atrasos nas negociações a nível comunitário e que ditaram que, em 2014, muito poucos países tinham aprovados os acordos de parceria e os respetivos programas operacionais. Portugal foi um deles. Para compensar até 2020 todos os Estados membros têm três anos para executar.

Assim, a 31 de dezembro de 2017, Portugal tem de ter despesa validada pelas autoridades de gestão e certificada por Bruxelas no valor de 3,56 mil milhões de euros. Um valor que resulta da divisão da dotação de fundos comunitários que Portugal tem para usufruir até 2020 pelos sete anos do quadro. Este exercício tem de ser feito para cada Programa Operacional, mas também por cada fundo financiador (Fundo Social Europeu, Feder ou Fundo de Coesão). E as diferenças que surgem entre os valores avançados pelo Público e os agora revelados pelo Executivo resultam não só do momento de comparação — Nelson Souza faz a avaliação usando já dados de 31 de agosto — mas também da metodologia usada.

De acordo com fonte oficial do gabinete do secretário de Estado, nas contas além da despesa certificada por Bruxelas, devem ser contabilizados também as verbas referentes aos adiantamentos feitos aos promotores (o dinheiro que se avança à cabeça antes mesmo de serem apresentadas quaisquer faturas), mas também a reserva de desempenho. “De acordo com o regulamento comunitário, a meta N+3 para 2017 obtém-se a partir do orçamento de 2014, deduzido da reserva de desempenho. No apuramento da execução, para além dos PPI apresentados à Comissão, são igualmente tidos em conta os pré-financiamentos atribuídos pela Comissão Europeia”, explicita fonte oficial.

Esta nuance faz toda a diferença porque baixa a fasquia para 132 milhões de euros a certificar até ao final do ano.

Fórmula de cálculo à parte, tem sido feito um esforço para aumentar a execução. Com dados referentes ao final de junho (sem ter em conta os adiantamentos) estariam em risco 1,7 mil milhões, mas no final de julho, segundo os dados a que o ECO teve acesso, esse valor baixa para 1,45 mil milhões de euros, ou seja, no espaço de um mês foram certificados cerca de 300 milhões de euros.

Se Portugal não conseguir que Bruxelas valide os 3,56 mil milhões referentes à anuidade de 2014, então perde o dinheiro que faltar. É aliás esse dinheiro que ajuda alimentar o Orçamento da União Europeia. São muitos os países que têm dificuldades de execução. O problema é que Portugal nunca teve de devolver dinheiro destes três fundos (Feder, FSE e Coesão). No passado, as devoluções foram sempre feitas ao nível dos fundos para a agricultura e para as pescas. Politicamente seria um golpe para o Executivo ter de devolver verbas a Bruxelas que a direita não deixaria de explorar.

O problema reside no facto de o exercício ter de ser feito para os diferentes programas operacionais, mas também para os fundos financiadores (cada PO pode ser financiados por vários fundos). Assim, o Executivo pode vir a ser obrigado a fazer “algumas habilidades administrativas” em termos de certificação de despesa, explicou ao ECO fonte conhecedora dos dossiers.

Gestores em alerta

Mas antes de recorrer a soluções mais radicais, o Executivo lançou um alerta aos gestores dos vários programas operacionais. Aproveitando a reunião realizada em Santarém, a semana passada, para discutir o pós-Portugal 2020, o ministro do Planeamento e Infraestruturas, Pedro Marques, que tem a tutela dos fundos comunitários, chamou a atenção dos gestores para a necessidade de acelerar a execução dos fundos.

Desde o início do verão que o Executivo começou a manifestar sinais de preocupação face aos baixos níveis de execução do Portugal 2020. Recorde-se que no próprio encontro anual dos fundos, em Coimbra, o secretário de Estado Nelson Souza, perante uma plateia repleta com “a máquina” dos fundos lançou a ideia de penalizar atrasos na execução dos fundos. Depois do esforço de aumentar as taxas de aprovação das candidaturas (taxa de compromisso) agora a fase seguinte é acelerar a execução — um esforço no qual se inseriu por exemplo a criação do acelerador de investimento, que visou ajudar a colmatar a quebra do investimento registada em 2016.

Tal como o ECO avançou, o Executivo tem previsto enviar cartas para todos os promotores — públicos e privados — que estejam a derrapar nos prazos de execução do projetos. Para já, a ordem foi os gestores olharem para as suas carteiras de projetos e tentar acelerar. O ECO apurou, junto de várias fontes, que desde a primeira de setembro está a ser feito um levantamento do ponto de situação de todos os projetos e os respetivos promotores a ser chamados para perceber as razões dos atrasos e tentar desbloquear as situações possíveis.

Mas quando não é possível os projetos são convidados a fazer uma reprogramação financeira. É o caso do Museu de Bragança da Língua portuguesa que entrou em incumprimento ao não fazer o primeiro pedido de pagamento de verbas seis meses depois da assinatura do chamado “termo de aceitação”. O financiamento comunitário foi oficializado há mais de um ano, em junho de 2016, e o Museu ainda não tem projeto. Em causa está financiamento comunitário de 6,5 milhões de euros, avançou a atividade gestora à Lusa, a semana passada.

Situação preocupante

Apesar de o Executivo garantir que está tudo sob controlo há quem veja sinais preocupantes. É o caso do ex-presidente da Agência da Coesão, José Soeiro. “A situação é preocupante”, disse ao ECO. “Estamos a três ou quatro meses de atingir a meta e nunca estivemos tão longe de atingir a meta de execução mínima anual. Não tenho memória de alguma vez ter estado tão atrasado”, disse o responsável que trabalhou toda uma vida em torno dos fundos comunitários.

Estamos a três ou quatro meses de atingir a meta e nunca estivemos tão longe de atingir a meta de execução mínima anual. Não tenho memória de alguma vez ter estado tão atrasado.

José Soeiro

Ex-presidente da AdC

Ainda assim, José Soeiro considera que a situação “é reversível” e “pode ser corrigido, a ponto de evitar perda de fundos”. “Seria a primeira vez”, lembra.

O secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, em declarações à Lusa, defende que “olhando para números, está tudo de acordo com o programado e a cumprir integralmente em todos os programas os compromissos de execução”. “Não ficaremos sem um único euro ou cêntimo de fundos estruturais”, afirmou.

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