Famalicão: Exportações são motor do concelho e dominam campanha
Algumas das mais importantes indústrias e empresas nacionais estão sediadas em Famalicão e fazem do concelho o terceiro maior exportador nacional. O ECO foi tentar perceber o que é que Famalicão tem.
A história remonta a 1938 e envolve condes e cardeais e uma região particularmente pobre, Lousado, no concelho de Famalicão. O Cardeal Cerejeira, natural da região, resolve pedir ao amigo abonado, Júlio de Quental Calheiros, conde da Covilhã, para “investir” na freguesia algo que fosse criador de emprego. O conde da Covilhã, que no entretanto casara com Maria Borges, descendente da família Borges e dona do Banco Borges & Irmão, tinha grandes amizades com a empresa americana General Tire.
Está dado o mote para a criação da Mabor, uma fábrica de pneus, uma indústria que não existia em Portugal e que viria a inaugurar em abril de 1946. Os americanos ficam detentores de 14% do capital e forneciam a tecnologia e maquinaria necessárias. Anos mais tarde, a gigante alemã Continental compra os americanos e descobre, por acaso, que detém 14% de uma pequena fábrica em Famalicão. É o primeiro passo de um investimento que é conhecido. A Continental Mabor fatura 830 milhões de euros e assume-se como principal motor da economia de Famalicão. Num concelho onde a indústria automóvel começa também ela a despontar.
Mas o sucesso do terceiro concelho mais exportador do país, atrás de Lisboa e de Palmela, e o segundo com melhor excedente comercial — com um volume de exportações que ronda os 1,9 mil milhões de euros, e uma saldo líquido da balança comercial de 901 milhões de euros, segundo dados do INE referentes a 2016 — não se pode dissociar do espírito empreendedor das gentes da região. Vila Nova de Famalicão alberga mais de 12 mil empresas, responsáveis por um volume de negócios de 4,3 mil milhões de euros, de múltiplos setores de atividade, e tem algumas das principais empresas, quer seja do setor têxtil, metalomecânica ou agroalimentar.
Ainda ao nível das exportações, os dados mais recentes do INE, referentes ao período entre janeiro e julho, apontam para valores do comércio internacional de 1,18 mil milhões de euros, um aumento de 1,84% ou 21 milhões de euros face ao período homólogo de 2016.
No têxtil, um dos setores mais importantes do concelho, responsável por 805 milhões de euros de volume de negócios, e algumas das maiores e mais tradicionais empresas do setor, Famalicão dá cartas. Repartido por um raio de 60 quilómetros, estão as grandes marcas, as grandes produtoras e as infraestruturas tecnológicas e de produção. Famílias tradicionais, como os Gonçalves, da Têxtil Manuel Gonçalves, ou os Oliveiras da Riopele devem ter aqui uma quota-parte de responsabilidade.
José Alexandre Oliveira, presidente da Riopele, empresa quase a celebrar 90 anos, explica ao ECO as origens de uma das maiores têxteis nacionais. “A Riopele foi fundada pelo meu avô, e numa altura em que o concelho não era ainda muito industrializado fomos um importante empregador na região”.
A Riopele, cujo volume de faturação atingiu, em 2016, 71 milhões de euros, emprega hoje 1.100 pessoas, mas, em 1979, chegou a ter quatro mil trabalhadores. “Quando cá cheguei em 1979, tínhamos quatro mil trabalhadores. Tínhamos e continuamos a ter uma grande responsabilidade social. A Riopele era uma grande empregadora da região”, afirma o presidente da têxtil.
Com todo o respeito pelas outras atividades, o têxtil deve ter sido das primeira indústrias deste concelho, aliás muitas das empresas que hoje existem no setor nasceram dentro das grandes empresas do setor.
Como homem do têxtil que é, José Alexandre Oliveira enaltece a sua “dama”. “Com todo o respeito pelas outras atividades, o têxtil deve ter sido das primeira industrias deste concelho, aliás muitas das empresas que hoje existem no setor nasceram dentro das grandes empresas do setor”.
Sobre o concelho, José Alexandre Oliveira, diz: “Desde que estou na empresa, o poder local tem ao longo de todos estes anos mostrado vontade de colaborar na expansão de Famalicão, e isso não é trabalho de um só presidente. Temos sabido atrair investimento estrangeiro e isso é mérito dos presidentes que nos últimos anos estiveram à frente da Câmara, e que fizeram quase todos dois mandatos”.
O espírito empreendedor a despontar entre os familicenses, e sobretudo a afirmar-se pela transversalidade a todos os setores.
D. Olívia Ramos Norte que o diga. Com sete filhos e o marido emigrado, D. Olívia olhou para o porco que costumava salgar para ter carne para sustento dos filhos com outros olhos. Em vez de salgar o porco, pegou numa cesta e foi de porta a porta vender a carne de porco. A necessidade faz o engenho, já diz o ditado. Quando regressou a casa, a D. Olívia tinha dinheiro para… dois porcos. Estavam dados os primeiros passos para um novo negócio e uma nova indústria. Ciente de que era preciso crescer, D. Olívia mete-se a caminho do Porto, numa carroça, para ir a feiras e mercados divulgar o seu produto. Um dos filhos, que entretanto trabalhava noutra área para ajudar nas contas da família, começa a fazer contas à vida e resolve seguir as pisadas da mãe. Estava assim criada a Primor, uma empresa que hoje fatura 164 milhões de euros e é umas das mais importantes dentro do setor do agroalimentar.
“A minha avó descobriu o filão e soube explorá-lo. O meu pai entretanto pensou em criar uma rede de talhos para expandir o negócio. Depois do sucesso dessa rede de talhos, resolveu tomar uma posição e desligou-se da empresa da mãe e criou a Primor”, explica Pedro Pinto, presidente executivo da Primor.
A minha avó descobriu o filão e soube explorá-lo. O meu pai, entretanto, pensou em criar uma rede de talhos para expandir o negócio. -Depois do sucesso dessa rede de talhos, resolveu tomar uma posição e desligou-se da empresa da mãe e criou a Primor.
O setor que em Famalicão fatura 361 milhões de euros, repartidos por 165 empresas, e emprega 2.777 pessoas, segundo dados do INE referentes a 2014, está a assumir uma importância relevante dentro da cidade, que a autarquia se viu na “obrigação” de definir como prioridade do plano estratégico 2014-2025 a criação de um centro de competências do agroalimentar, para o setor da carnes, para permitir o desenvolvimento de áreas como a transformação de carnes verdes e pré-cozinhados.
Outro dos cluster que se tem vindo a impor-se é o metalúrgico. A indústria metalúrgica, a mais forte a nível nacional em termos de exportações, tem também aqui no concelho um peso significativo. Empresas com tecnologia de vanguarda e de reconhecida reputação mundial produzindo produtos inovadores têm-se vindo a afirmar. É o caso da AMOB, líder mundial no fabrico de equipamentos para a indústria metalomecânica e que produz para as maiores empresas do setor automóvel, energia, indústria naval entre outras.
No total, o setor da metalomecânica no concelho é responsável por um volume de faturação de 216 milhões de euros, 65 empresas e mais de 2300 pessoas.
Investimento estrangeiro, sobretudo alemão…
A região, seja por motivos mais ou menos históricos e casuísticos como é o caso da Continental, seja pelas características próprias soube juntamente com este espírito empreendedor, conquistar e atrair investimento estrangeiro. A somar à Continental, outra empresa de capital alemão tem captado as atenções em Famalicão. Foi ainda antes do 25 de abril, que a Leica, uma espécie de ‘Rolls Royce’ dentro do mundo da fotografia se instalou em Portugal. Famalicão captou a atenção dos alemães devido à experiência na indústria relojoeira, nomeadamente com a Boa Reguladora, uma empresa fundada em 1892, a mais antiga da Península Ibérica.
“A vinda da Leica para Famalicão teve muito a ver com a oferta da região, nomeadamente na mecânica fina, como a relojoaria e também com a abundância de mão-de-obra especializada, trabalho manual devido ao têxtil”, diz Paulo Maravalhas, diretor de Recursos Humanos da Leica.
A vinda da Leica para Famalicão teve muito a ver com a oferta da região, nomeadamente na mecânica fina, como a relojoaria e também com a abundância de mão-de-obra especializada, trabalho manual devido ao têxtil.
A Leica tem ao longo da sua história em Portugal estabelecido uma grande proximidade com a Universidade do Minho, para identificar potencial humano e estabelecer também parcerias ao nível de investigação e desenvolvimento (I&D).
Mas o que é que Famalicão tem?
Com 133 mil habitantes (segundo dados do INE, referentes a 2015) e uma área de 202 quilómetros quadrados Famalicão deve à sua localização estratégica, eventualmente, muito do seu sucesso industrial. A cidade está próxima de outras importantes cidades do Norte de Portugal, como sejam desde logo o Porto e Braga, mas também de Guimarães, Barcelos ou Santo Tirso, sem esquecer, a Galiza. O que implica um mercado (euro-região Galiza e Norte de Portugal) de 6,5 milhões de habitantes.
Mas Famalicão beneficia ainda de uma completa rede de infraestruturas de transporte e comunicações (aeroporto Sá Carneiro, Porto de Leixões, autoestradas). Ao nível das autoestradas, Famalicão é servido pela A3 (Porto- Valença), A7 (Guimarães-Póvoa do Varzim), já ao nível ferroviário existem ligações diretas a Braga, Guimarães, Porto, Vigo, Coimbra, Lisboa e Algarve.
A par das acessibilidades, o concelho conta com a Universidade Lusíada, o CESPU – Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário e ainda com o Centro Tecnológico da Indústria Têxtil e do Vestuário (CITEVE), uma referência a nível nacional e internacional dentro do setor e ainda com o CENTI (Centro de Nanotecnologia, materiais técnicos, funcionais e inteligentes) cujo objetivo é a investigação e o desenvolvimento de novos produtos de elevado valor acrescentado para a indústria têxtil e do vestuário.
Ainda a nível de instituições, destacar o Famalicão Made In, uma iniciativa da Câmara Municipal que arrancou em 2014 e que visa a atração de investimento, o apoio à criação de novas empresas e a promoção do tecido empresarial. O Famalicão Made In tem associada uma incubadora de empresas, que nos últimos dois anos, apoiou a criação de 87 empresas, 65 dos quais novos negócios e 22 empresas que se deslocaram para o concelho, num investimento global de 113,7 milhões de euros.
Propostas eleitorais
Em época de eleições — as autárquicas realizam-se no próximo domingo — as promessas são a tónica dominante das campanhas. Em Famalicão a tradição ainda é que o era nesta matéria. Paulo Cunha, atual presidente da Câmara e candidato pela coligação “Mais Ação. Mais Famalicão” suportado pelo PSD e CDS-PP, que luta pelo seu segundo mandato, tem como desafio para a área económica criar “mais e melhor emprego“. Para isso o candidato promete criar um pelouro da economia, empreendedorismo e inovação. A taxa de desemprego, segundo dados do INE referentes ao fim de 2016, era de 8,52%. Como o desemprego tem vindo a cair, a exemplo do que acontece no resto do país, o atual presidente põe a tónica do discurso “na qualificação dos recursos humanos, de empresas mais eficientes, em virtude de um tecido empresarial coeso e comprometido e servido por infraestruturas públicas mais capazes”.
E a oposição o que diz sobre esta matéria? O candidato pelo PS, por exemplo, defende a criação do “Espaço Interact Famalicão Inova como fórum permanente de inovação e desenvolvimento económico com empresários, trabalhadores, instituições de ensino, centro de emprego e centros tecnológicos de investigação, fazendo acompanhamento e diálogo permanentes, nomeadamente para monitorizar oportunidades de investimento e necessidades de mão-de-obra qualificada“. Nuno Sá defende ainda uma maior proximidade e “interligação entre o meio escolar de nível técnico-profissional e superior, as instituições e as empresas familicenses”, bem como “apoios municipais à instalação de empresas condicionados à qualidade do emprego”.
Já o Bloco de Esquerda, cujo candidato é José Luís Araújo, põe a tónica no trabalho, pelo que defende a “atração de investimentos que permitam criar emprego com direitos, combater o desemprego e a precariedade protegendo todos os que nada têm, além da sua força de trabalho”.
Ainda a nível económico, Paulo Cunha quer manter o Famalicão Made IN como “imagem da marca da autarquia, evoluindo contudo para novos desafios, particularmente ao nível da inovação, investigação e desenvolvimento (I&D) e da internacionalização do concelho e das suas empresas, através da promoção e participação em redes e eventos de cooperação institucional e empresarial internacionais, de modo a valorizar a imagem do concelho e elevar os índices de exportação das PME”.
O candidato do PS, ainda no âmbito da economia defende a elaboração de um plano estratégico de desenvolvimento industrial — Famalicão Líder, e o desenvolvimento de ações de diplomacia económica para atração de investimento português e estrangeiro e de potencial humano de conhecimento e inovação.
Nuno Sá diz ainda que, caso vença as eleições, irá devolver 2% do IRS aos familicenses, reduzir a derrama e a taxa de IMI.
O candidato do Bloco de Esquerda frisa que muitas das promessas do atual presidente da Câmara ficaram por cumprir e, entre outras medidas, propõe-se “divulgar produtos originários do concelho, em condições de afirmação nos mercados externos”, assim como “incentivar as associações empresariais e os centros tecnológicos e de formação locais e promover a cooperação entre eles tendo em vista o reforço da capacidade técnica, de serviços e de investigação aplicada e qualificação de recursos humanos”.
O ECO pediu também ao candidato à Câmara pela CDU, Domingos Costa as suas propostas económicas para o concelho, mas até à publicação deste artigo não obteve qualquer resposta.
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