Governo tem nas mãos margem de 980 milhões no Orçamento de 2017
A execução orçamental segue a bom ritmo. Mesmo descontando os impactos negativos esperados por Mário Centeno para o segundo semestre, há neste momento margem de 0,5% do PIB.
A julgar pelos números da execução orçamental, e pelas explicações do próprio Governo sobre o andamento das contas, o Executivo tem neste momento nas mãos uma margem de 980 milhões de euros face ao que estava desenhado no Orçamento do Estado deste ano. Acreditando nos números iniciais, e se não se verificarem derrapagens nos últimos quatro meses do ano (pressupostos que não são 100% seguros), o défice no final do ano até pode ficar bem abaixo da meta de 1,5% do PIB.
Mário Centeno, ministro das Finanças, tem demonstrado forte confiança no cumprimento da meta do défice deste ano. Isto apesar de, nos últimos dois meses, ter vindo a sublinhar que há 1.500 milhões de euros de impactos negativos nas contas que só se vão verificar nos últimos meses de 2017. Porque é que o ministro está assim tão confortável com os números?
Os dados da execução orçamental que têm vindo a ser publicados pela Direção-Geral do Orçamento justificam, por enquanto, bastante confiança. E podem até dar gás ao BE e ao PCP nas reivindicações que fazem para o Orçamento do Estado de 2018 — o documento está neste momento a ser negociado, e um dos principais pontos de discórdia, o alívio do IRS, está preso por uma diferença de 400 milhões de euros.
Mas vamos por partes. Quando Mário Centeno desenhou o Orçamento do Estado para 2017, projetou um défice em contabilidade de caixa de 4.763,4 milhões de euros. Este valor era compatível com a meta de défice de 1,6% do PIB, a primeira a ser apresentada para 2017. Mais tarde, a meta foi revista para 1,5%.
Face a 2016, os números do Orçamento pressupunham uma degradação do défice em contas públicas na ordem dos 581 milhões de euros. Ou seja: na ótica de caixa, o défice até pode aumentar, que isso corresponde a um défice na contabilidade que interessa a Bruxelas (ótica de compromisso) mais baixo do que o verificado no ano passado. Em termos simples, a diferença entre a ótica de caixa e a de compromisso é que a primeira regista as receitas e as despesas no momento em que os fluxos saem, ou entram, de caixa. Enquanto a ótica de compromissos regista os valores no momento em que o compromisso é assumido, independentemente de ser pago logo no mesmo momento, ou mais tarde. Pode ler mais sobre os vários tipos de défice aqui.
O que dizem os dados da execução orçamental entre janeiro e agosto? Mostram uma melhoria face a 2016 na ordem dos 1.900 milhões. Isto é, em vez de o saldo orçamental em contas públicas se estar a degradar, como estava implícito no OE2017, está a melhorar.
Perante estes dados, o ministro das Finanças deixou um aviso: há 1.500 milhões de euros que vão prejudicar as contas nos últimos quatro meses do ano. Este impacto deve-se, fundamentalmente, a três razões:
- O pagamento do subsídio de Natal aos funcionários públicos está a ser feito de forma diferente face a 2016. Agora apenas 50% é pago em duodécimos, sendo o resto pago em novembro. Isto alivia a despesa com pessoal durante dez meses, mas há-de pesar depois. O ministro não referiu, mas a situação repete-se com os pensionistas, que recebem 50% do subsídio de Natal entre novembro e dezembro.
- Ao contrário do que aconteceu em 2016, este ano não se vai verificar o impacto positivo da receita do PERES (Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado) que foi considerado one-off. Estão em causa quase 392 milhões de euros, segundo números do OE2017.
- E também não se vai verificar o impacto positivo da devolução das pre paid margins da União Europeia, no valor de 264 milhões de euros.
Ora, há que subtrair estes 1.500 milhões de euros à melhoria de 1.900 milhões de euros que a execução revela até agosto. Feita a conta, a melhoria ‘real’ passa para apenas 400 milhões de euros face ao ano passado.
Contudo, é preciso não esquecer que Centeno esperava que o défice em contas públicas, na verdade, subisse (nos tais 581 milhões de euros). Introduzindo este elemento, chega-se a uma margem atual na ordem dos 980 milhões de euros.
O que é que esta margem significa?
Esta ‘margem’ de 980 milhões de euros é o mesmo que dizer que há uma ‘folga’ no Orçamento? Não necessariamente — e é por isso que este artigo se refere a ‘margem’, e não a ‘folga’.
O ECO contactou três peritos — que preferiram não ser identificados — para validar as contas. Todos validaram o exercício, desde que os pressupostos estejam corretos. Isto é: para que os números sejam estes, é preciso assumir que o défice em contas públicas apresentado no OE2017 corresponde à meta definida perante os portugueses e a Comissão Europeia de 1,5% do PIB (ou 1,6%, como inicialmente). É preciso assumir que não houve rubricas suborçamentadas, que os ajustamentos entre a contabilidade de caixa e a de compromisso se mantêm constantes, e que os 1.500 milhões de euros de impactos negativos identificados pelo Executivo estão corretos.
Mas dois dos especialistas — ambos com experiência na análise de resultados orçamentais — deixaram um alerta: são raros os orçamentos com folgas. É mais comum haver rubricas suborçamentadas que, ao longo do ano, acabam por anular os desvios positivos. Daí que considerem prudente não assumir já metas mais exigentes do que 1,5%, sob risco de o que agora parece um desvio positivo acabar por se transformar na tábua de salvação da execução orçamental lá para o final do ano.
Há também que contar com o potencial impacto da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. A forma de contabilização da injeção de capitais públicos ainda está a ser discutida entre o Instituto Nacional de Estatística e o Eurostat, mas o efeito negativo no défice pode chegar aos 2,1 pontos percentuais. O que significa que se Centeno cumprir a meta definida, o resultado final do défice salta para 3,6% do PIB (um desvio considerado significativo por Bruxelas face ao limite dos 3%). Mas basta o valor do défice antes do efeito CGD ficar uma décima abaixo da meta para que o desvio fique dentro do limite aceitável (0,5 pontos percentuais).
Além disso, quanto mais baixo for o défice deste ano, mais difícil se torna o exercício orçamental de 2018 — que tem de continuar a consolidar para cumprir as regras europeias, lembrou um perito da equipa das Finanças ao ECO. Mais: politicamente é difícil para o Governo justificar perante o BE e o PCP porque é que os serviços públicos continuam com tantas restrições orçamentais (ou porque é que o IRS não pode descer mais depressa, ou porque é que o descongelamento de carreiras tem de ser faseado, etc.) se o défice está já tão baixo. Daí que o Executivo possa optar por usar parte desta margem para aliviar a pressão junto dos serviços. Mas ter essa “opção” não deixa de ser uma novidade face aos anos anteriores.
Contactado, o Governo não quis comentar os números do ECO. “O Ministério das Finanças não se vai pronunciar sobre essa questão. Além dos comentários do comunicado de imprensa de ontem, mantêm-se neste momento as previsões contidas no Programa de Estabilidade,” respondeu fonte oficial. Em baixo pode ver as previsões do Programa de Estabilidade.
Previsões do Programa de Estabilidade
Fonte: Programa de Estabilidade 2017-2021
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