Autárquicas baralham negociações do OE? Não chegam a tempo
No imediato, o impacto do resultado das autárquicas deverá ser contido: ninguém quer dar um passo em falso. Mas no médio prazo o PCP vai ter de tomar opções, dizem politólogos.
Pode uma criatura com três pernas continuar a caminhar como se nada fosse, quando uma das pernas sofre um golpe? Pode, mas não por muito tempo. Perante os resultados das eleições autárquicas deste domingo, a expectativa é a de que as negociações para o Orçamento do Estado para 2018 (OE2018) — que estão em curso e têm de permitir chegar a uma proposta até 13 de outubro — não sejam afetadas. Mas no médio prazo os efeitos vão chegar.
Foi Carlos César, presidente do PS, quem sentiu a necessidade de reforçar esta segunda-feira a ideia de que os resultados eleitorais não vão afetar a relação entre socialistas, bloquistas e comunistas. “Estes resultados não só não têm a ver com o processo negocial em curso para a aprovação da lei do OE2018, como não afetam o bom relacionamento dos partidos que apoiam o Governo,” defendeu. Mas será mesmo assim?
O impacto será sempre provavelmente mais a médio prazo do que imediato.
“O impacto será sempre provavelmente mais a médio prazo do que imediato,” responde António Costa Pinto, investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, ao ECO. Porquê? Pelas características da perna que sofreu o golpe.
O resultado que está em causa, explica o professor, é sobretudo o do PCP. Com a perda de 10 câmaras, os comunistas têm sido apontados como os segundos derrotados da noite eleitoral — só o resultado do PSD supera, pela negativa, o do PCP. Mas os comunistas têm “internamente, ao contrário do se pode pensar, uma grande racionalidade,” argumenta.
Costa Pinto antevê que o PCP vá estudar à lupa os resultados: que casos se podem justificar por dinâmicas locais, onde poderá ter havido perda de votos para os socialistas, e que relação poderá ter esse fluxo de eleitores com os acordos firmados pelo PCP e pelo partido Os Verdes. Mas fazer esta ‘digestão’ leva tempo — mais do que as duas semanas que faltam para o Governo apresentar a sua proposta de OE2018 na Assembleia da República.
“Poderá eventualmente dar-se uma outra tensão reivindicativa por parte do PCP. Mas não são de prever grandes crises,” remata Costa Pinto.
Não me parece que este PCP de Jerónimo de Sousa se sinta inclinado a qualquer manobra que possa ser interpretada como um ressentimento pelo resultado das eleições.
Viriato Soromenho Marques faz uma leitura semelhante. O professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa nota que “as negociações já estão muito adiantadas” e antecipa que os compromissos fundamentais já estejam próximo de estar fechados, sendo preciso agora chegar a entendimento nos detalhes. “Não me parece que este PCP de Jerónimo de Sousa se sinta inclinado a qualquer manobra que possa ser interpretada como um ressentimento pelo resultado das eleições,” defende.
Ao mesmo tempo, Soromenho Marques não antecipa qualquer endurecimento da postura negocial por parte do PS. “Temos que reconhecer que os três partidos têm revelado uma maturidade superior ao esperado,” diz. “Estamos na Europa, um barco que se está a afundar,” frisa, referindo-se aos acontecimentos deste domingo na Catalunha, “convém não aumentar a confusão,” soma.
O professor argumenta ainda que o próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, “não permitiria uma crise política.”
O PCP vai ser mais aguerrido já neste Orçamento do Estado. As pessoas votam em quem lhes dá o dinheiro.
Já João Duque, economista do ISEG, antecipa que a pressão dos comunistas comece a subir mais depressa. Entende que o PCP está particularmente pressionado — “não atrai jovens, está envelhecido,” nota — e que por isso será forçado a ser “mais aguerrido já neste Orçamento do Estado.” E sublinha: “As pessoas votam em quem lhes dá o dinheiro.”
Por enquanto, o próprio primeiro-ministro tem procurado suavizar a derrota dos comunistas, apontando os holofotes aos resultados dos social-democratas: “Há claramente um derrotado nestas eleições e é o PSD. Procurar outros derrotados é procurar disfarçar a leitura essencial que há a retirar destas eleições,” disse António Costa, na noite eleitoral.
Até porque os socialistas sabem que provocar eleições antecipadas seria um tiro no pé. “Quem quer que provoque uma crise política em Portugal vai pagar muito caro”, defendeu Augusto Santos Silva, numa entrevista à Bloomberg, no final de agosto. “O atual Governo está completa e profundamente comprometido com o cumprimento do seu mandato. A estabilidade política é uma das chaves do sucesso português,” frisou.
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