O alemão escolhido para liderar a Startup Portugal, a estratégia nacional para o empreendedorismo, faz um balanço de 12 meses de um crescimento que julgava ir ser muito mais lento.
Desde a primeira conversa do ECO com o alemão Simon Schaefer, líder da Startup Portugal — a estratégia nacional para o empreendedorismo — passou um ano. Anunciaram-se programas, foram conhecidas iniciativas, criou-se uma rede para agregar incubadoras e aceleradoras em todo o país. Em vésperas de abrir dois novos escritórios, o segundo em Lisboa e o primeiro no Porto, Simon Shaefer falou ao ECO sobre o que mudou em Lisboa, no país e na vida do alemão num ano de história.
Falámos há um ano. Que balanço faz destes primeiros doze meses de Startup Portugal?
Como correu? Diria que a um estilo startup clássico: entre altos e baixos. Começámos com uma equipa muito pequena [no início eram quatro pessoas, agora nove e a Startup Portugal quer contratar mais dez até ao final de 2018] e demorou-me algum tempo a compreender, também a dimensão política. Penso que subestimei, no início.
Porquê?
Sobretudo na relevância e no sentido em que as medidas eram importantes para o Governo atual. O João [Vasconcelos, ex-secretário de Estado da Indústria que convidou Schaefer para liderar a estratégia nacional para o empreendedorismo] estava sempre em xeque e passámos a ser nós a fazer as coisas nessa altura. Então, durante os primeiros meses estivemos mais a reagir do que a agir, que é coisa de que eu realmente não gosto. Mas agora, podemos dizer que temos tração — falando a linguagem das startups –, conseguimos levantar a nossa Series A, e estamos a crescer.
A Startup Portugal nasceu como projeto do Governo mas agora não é só isso…
Trabalhamos ainda muito perto dos Ministérios e do Governo. Mas, da perspetiva do financiamento, somos uma associação independente e isso estava planeado desde o início. O desafio, quando se trata de uma organização completamente financiada pelo Governo é que, a cada mudança no Governo, tudo muda. E a ideia e a perspetiva da Startup Portugal era que fosse uma coisa independente porque precisava de ser forte. A relevância dentro do Governo desde que o João Vasconcelos foi embora já mudou. A Ana [Lehmann, nova secretária de Estado da Indústria] não é tanto uma pessoa ligada às startups, está muito mais próxima da indústria, e acho que isso é muito bom no sentido em que somos necessários. Temos uma palavra a dizer.
Da perspetiva do trabalho, temos muito mais a fazer, porque somos uma associação e é tudo muito mais burocrático. Mas em termos de colaboração, estamos muito próximos do Ministério da Economia, é um processo em construção permanente. O João Vasconcelos sabia exatamente quando e como fazer e agora estamos envolvidos e somos envolvidos noutras coisas, noutras dimensões. Mais estrategicamente falando. A cada dois dias visito a cidade com investidores, muitas grandes empresas baseadas nos Estados Unidos e na Europa, empresas tech, procuram-me, procuram-nos para explicarmos e mostrarmos o que temos para lhes oferecer em Portugal. Essa é uma tarefa muito relevante e acho que, para ela, os políticos não seriam tão credíveis no seu desempenho. Precisamos de uma ponte entre a política e as empresas. Esse é o papel que podemos desempenhar e com o qual estamos comprometidos.
"Precisamos de uma ponte entre a política e as empresas. Esse é o papel que podemos desempenhar e com o qual estamos comprometidos.”
Que tipo de pessoas são as que estão interessadas em Lisboa?
Muito diferentes. Vemos pessoas com altos níveis de investimento, enquanto individuais: pessoas com muito dinheiro que não sabem nem onde nem em que hão de investir. Para eles é mais real estate e não tanto startups. Depois, vemos mais institucionais, alguns fundos de investimento na área do imobiliário e que visitam a cidade para tentarem perceber por que toda a gente fala dela. E, claro, venture capitals (VC)de todo o mundo, que querem ver o que é Portugal, o que é Lisboa e os bons investimentos que podem fazer por cá. No fim de contas, um VC, se queres rondas Series B ou C, tens de saber manter a relação com o investidor.
Antes de um bom investimento de um VC, é preciso construir uma relação de confiança. E isso passa por falar com muitos investidores, eles vêm aqui, querem conhecer empreendedores. Claro que estão interessados em ter a visão de um estrangeiro a viver na cidade. Vêm cá e eu apresento, falo da experiência em chegar a um novo país e instalar-me, não há só coisas boas a dizer sobre isso mas temos de lidar com a burocracia, é possível fazer mais noutras línguas e muita coisa pode ser simplificada e estar online. Temos algum budget para traduções, até agora ninguém tratava disso.
Olhando para o que é hoje a Startup Portugal, é aquilo que pensava que ia ser?
A principal coisa é a cena internacional: queremos manter os laços com Bruxelas — é muito importante para mim — e há muito a vir desse lado, toda a gente quer saber o que estamos a fazer. Há muitas outras em que gostava de trabalhar mas para as quais ainda não vou fazer um grande esforço: leis empresariais, financiamento, são temas difíceis que não envolvem apenas o Ministério da Economia, envolvem muitos mais Ministérios e outras entidades, por isso tratam-se de esforços a mais longo prazo.
Em termos da implementação concreta de programas como o Startup Momentum, Startup Voucher ou Vale de incubação, são todas medidas que estão a andar, a implementar-se e que, agora, estamos a ver se funcionam ou se vale a pena fazermos alterações: temos coisas a curto prazo para as quais temos de pôr mãos à obra, e outras mais a longo prazo que são mais estratégicas.
Mas nunca esperei que Lisboa e Portugal mudassem tão depressa em apenas um ano.
O que mudou num ano?
O nível de atenção do exterior, o nível de conhecimento e de interesse do exterior face a Portugal. Toda a gente diz: “Estás em Portugal? Deve ser tão entusiasmante!” E eu: Sim! De alguma forma eu tenho sorte com os sítios. A maior alteração foi mudar-me para cá e toda a gente me perguntar: “porquê Portugal?” Porque está a crescer, com sucesso. Portugal chegou a um ponto em que se torna mais e mais entusiasmante.
E acha que este buzz que existe em torno da cidade e do país é consistente?
Sim. Tive esta conversa muitas vezes nos últimos dias. Uma das coisas que prova que é consistente é que demora muito mais do que pensamos. Em Berlim, é uma coisa que começou há anos — nos anos 90 –, e que ainda dura. Esse processo dura para sempre. Têm sido muitos anos desde que algumas grandes empresas decidiram mudar-se para lá, e isso não aconteceu durante muito tempo apesar de já ser esperado há anos. O boom só aconteceu há pouco.
A mudança tem a ver com a nossa própria perceção de que as coisas estão a acontecer. E com a perceção externa de como as coisas vão. Internamente, trabalhámos muito para as coisas estarem como estão hoje. E ainda vai demorar tempo para que seja sustentável. Mas mais e mais vai acontecer, não tenho dúvidas disso.
Back to basics
Em relação à Startup Portugal, quais são as principais novidades?
Crescer. Vamos ter dois novos escritórios, mais um em Lisboa e o primeiro no Porto. Estamos a crescer: vamos contratar, conseguimos a primeira ronda de financiamento Series A — ou seja, menos de 10 e mais de dois milhões. O financiamento é de privados e públicos, de programas como o Portugal 2020 e outros.
Estamos bem equipados agora ao nível de financiamento e queremos fazer algumas missões empresariais ao estrangeiro, levar empreendedores a Londres para participarem em eventos, contarem as histórias a jornalistas internacionais. Queremos recriar soft landing spots nos nossos escritórios, para que os estrangeiros possam vir, chegar e trabalhar, conhecer o ecossistema de Lisboa e do Porto. A principal coisa é que queremos focar-nos no pitch. Pensámos na melhor maneira de gastar este dinheiro depois de conseguirmos a ronda de investimento e o nosso MVP [Minimum Viable Product], a coisa com que mais nos preocupamos, é com o pitch.
O pitch?
Sim, o pitch. O pitch é a coisa mais importante e os melhores fazem pitch até morrerem. Toda a gente precisa de o saber fazer, se quer fazer negócio. Estamos a construir pitch boots que permitem aos empreendedores gravarem os seus pitch. No final, selecionamos os 20 melhores que podem conseguir formação e coaching dados por pessoas de nível top internacionalmente. Planeamos fazer estes workshops um pouco por todo o país.
Quem são esses mentores?
Portugueses e internacionais. Num dos nossos programas vamos trazer mentores internacionais para darem estes workshops, formações. Para aumentar o nível de treino e de conhecimento. É difícil não comparar e não estabelecer um paralelo com Berlim, que agora é muito bem sucedido. E, olhando uns anos para trás, reconheço a mesma missão, consigo ver muitas semelhanças. Uma coisa é o pitch: vi muitos empreendedores com produtos muito interessantes mas cujo pitch não conseguiu defendê-los. Nos últimos anos, toda a gente treinou o pitch. E isso é transição: de uma situação de não fazer ideia de como se faz um pitch para uma situação de se saber exatamente como o fazer para conseguir financiamento. Esse é um longo caminho até ser um ecossistema maduro. Grandes pitch e bons produtos são sinais de ecossistemas mais maduros. Temos de treinar os pitch perfeitos.
Qual seria o pitch perfeito para a Startup Portugal?
O meu pitch perfeito é: onde é que queres começar a tua empresa? Há três escolhas naturais, a nível global. Estados Unidos? Londres? Alemanha? A Alemanha é demasiado rica. Berlim costumava ser barato mas já não é: contratar é muito complicado, o custo dos escritórios é alto, Berlim já não é a escolha perfeita. Londres tem o problema do Brexit. E os Estados Unidos têm um CEO terrível. Então, para onde vamos? Podemos ir para a Estónia, muito inovadora em termos de lei corporativa, mas está mesmo ao lado do regime de Putin e… é absurdamente fria. Podes ir para Itália que tem provavelmente a melhor comida do mundo — desculpa mas tinha de dizer — mas é muito complexo. Portugal tem tantas coisas para ser a escolha perfeita. Para onde quer que vás, escolhe Portugal porque tens as condições perfeitas, tal como Berlim há dez anos mas com melhor tempo e melhor comida.
Para onde quer que vás, escolhe Portugal porque tens as condições perfeitas, tal como Berlim há dez anos mas com melhor tempo e melhor comida.
Como uma criança numa loja de doces
Lisboa será a Berlim dos próximos 10 anos?
Não acredito porque cada cidade é diferente e… ainda bem. Isso não seria desejável, ser como Berlim. Mas têm coisas em comum: ambas atraem a multidão. Berlim sempre atraiu os tipos de Brooklyn à procura de oportunidades de negócio, e Lisboa está assim. Não conheço cidade nenhuma que tenha uma vibe tão interessante como a que tem Lisboa atualmente. E isso é algo que as pessoas me perguntam. As pessoas querem saber como podem replicar estas características. Mas não é possível, por isso nem tentes. Encontra a tua própria coisa.
Mas quando Portugal começou a pensar nisto do ecossistema empreendedor, queria replicar algo…
Mas é mais difícil. Outro paralelo entre Berlim e Lisboa é que Berlim era uma cidade inteira a precisar de ser recuperada, de ser mudada. O que é muito parecido ao que aconteceu aqui: a maior parte da parte velha de Lisboa tem sido recuperada, redescoberta. Mas o que acontece ao mesmo tempo é que os bairros vão-se desenvolvendo em termos sociais e de demografia. E isso é algo que é muito interessante porque mistura as pessoas: há velhas senhoras misturadas com programadores que trabalham nos escritórios da Google. E isso é uma mistura muito interessante, que não se força. Acontece. Em Paris há o bairro dos hipsters, o dos ingleses, o dos paquistaneses, China Town. Aqui não há isso: os hipsters estão em todo o lado. Em Berlim era isso que acontecia também. E é isso que esta vibe global cria: é tão entusiasmante e não é um bairro apenas. O entusiasmo está em todo o lado. E por isso precisamos de mais Lisboas e mais Berlins na Europa.
Vir para Lisboa foi a melhor decisão da minha vida. Sou livre. A diferença é mesmo essa. Eu trabalho todos os dias da semana, incluindo fins de semana. O meu trabalho é interessante, é divertido, não tenho um problema em trabalhar tanto. Mas quando eu volto à Alemanha sinto-me tão confinado a um espaço, parece que toda a gente se mexe dentro de caixas. Na Alemanha é tudo tão claro: a maneira como conduzem na estrada, tudo está estruturado e é aquilo mesmo, tal e qual. E aqui há muito mais liberdade: não é tão aborrecido e previsível. Estou super feliz aqui, não vou a lado nenhum em breve.
E a Factory? Como vai?
É o Jeremy Bamberg [CEO da Factory Lisbon] que está a coordenar o processo. Mas estamos na fase da execução — que é a última fase do planeamento — e esperamos conseguir começar a construção até ao final deste ano. Sejamos honestos: o negócio real estate de escritórios em Lisboa é um pesadelo. Não há sítios onde se consiga encontrar escritórios. Desenvolver o projeto de um edifício super cool é muito entusiasmante. Vai ter preços competitivos. É uma matemática fácil: bom produto, boa localização e bom preço. Os transportes também estão a mudar, estou completamente descansado em relação a isso. Algumas empresas de transportes estão envolvidas mas preocupadas… e eu só digo: é uma oportunidade! É ótimo quando tens a oportunidade de reparar alguma coisa, de mudar o que existe para melhor. É um verdadeiro playground.
E se contamos com um apoio da autarquia, que também está muito envolvida no projeto, essa parte da cidade vai tornar-se mais importante, e muito mais relevante.
É como uma criança numa loja de doces. Em que cidade do mundo tens milhares de metros quadrados em frente ao rio, com vista rio, a poucos quilómetros do centro da cidade? Estou entusiasmado com esse processo porque é algo que queremos continuar a fazer em mais cidades, mas o trabalho com a Startup Portugal tem sido algo muito diferente, mais estratégico, menos capitalista, tenho estado muito envolvido. E, num certo sentido, é mais desafiante.
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Simon Schaefer: “Precisamos de uma ponte entre política e empresas”
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