O que quis dizer Marcelo: menor devolução de rendimentos e mais prevenção contra incêndios?
"Se houver margens orçamentais, que se dê prioridade à floresta e à prevenção". Quis o Presidente dizer para se desacelerar a devolução de rendimentos? Fomos ouvir politólogos e economistas.
O Presidente da República deixou uma mensagem ao ministro das Finanças e aos partidos que apoiam o Governo no discurso desta terça-feira: “Se houver margens orçamentais, que se dê prioridade à floresta e à prevenção dos fogos”. Quis Marcelo Rebelo de Sousa dizer a Centeno para desacelerar a devolução de rendimentos e aumentar os gastos na prevenção e combate aos incêndios? Os politólogos contactados pelo ECO argumentam que uma coisa não impede a outra e que Marcelo quis introduzir a prioridade, deixando para os partidos a forma de lá chegar.
Marcelo quer atos e não palavras. Neste ponto os cinco politólogos questionados pelo ECO estão de acordo. “Só podemos especular, mas creio que o intuito central é que o compromisso de evitar novas tragédias só é assinalável com atos e não palavras”, responde Carlos Jalali, professor de Ciência Política da Universidade de Aveiro, argumentando que “é difícil assegurar boas políticas sem gastar dinheiro“, ainda que não seja causa-efeito. Tal, no entanto, não tem de implicar “derrapagens orçamentais”, considera.
Marina Costa Lobo, doutorada em Ciência Política, refere que o Presidente quis pressionar o Governo a dar prioridade ao problema dos incêndios também no Orçamento. De que forma? “Através de consensos com o PCP e o BE, mas sem pôr em causa o resto, tal como as metas de Bruxelas“, considera. E sem desacelerar a devolução de rendimentos, aponta João Cardoso Rosas: “O Presidente esteve sempre próximo do Governo nessa matéria”. O professor da Universidade do Minho admite que possa haver uma sugestão a uma menor redução do défice, mas não a mudanças no alívio fiscal — “São coisas separadas”, sintetiza.
“Quando olhamos para as palavras do Presidente da República, podemos antecipar que há necessidade de fazer agora uma revisão de fundo no Orçamento olhando de uma forma mais focada para o problema dos incêndios“, considera, ao ECO, Paula do Espírito Santo, professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, acautelando que “o OE tem limites” e, por isso, terá de existir um “reequilíbrio”. “O que ele está a dizer é que o problema pode e deve começar a resolver-se agora. Já devia ter existido essa atenção especial, mas ainda vai a tempo”, aponta.
A politóloga duvida que seja por causa de maiores gastos no combate aos incêndios que o “défice possa resvalar”, mas admite que a interpretação de que Marcelo quererá uma desaceleração da devolução de rendimentos é “válida”. “O ministro das Finanças faz previsões que ficam aquém e consegue sempre superá-las”, recorda. “Apesar do que aconteceu em Pedrógão, a atenção que foi dada por via do OE é inferior àquilo que o Presidente da República considera que devia ser”, afirma Paula de Espírito Santo, face ao caráter “trágico” e de “urgência” do assunto.
Já Viriato Soromenho Marques reconhece que existe uma crítica implícita no discurso de Marcelo “à pouca atenção dada à política florestal”, mas recusa a ideia de que daí se possa extrair a conclusão de que Marcelo está a criticar a devolução de rendimentos. O professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa interpreta as palavras do Presidente como um aviso ao Governo para acompanhar “a intenção com atos”, o que “tem de ter um reflexo orçamental”.
“O que se percebe neste Orçamento é que não há grande perspetiva de mudança”, interpreta Viriato Soromenho Marques. “Não é possível dizer-se por um lado que se vai mudar tudo na política de combate aos incêndios e depois isso não ter impacto orçamental”, argumenta o professor catedrático, referindo que “a verdade de uma declaração política mede-se num Orçamento”. A forma de lá chegar está entregue aos partidos, consideram os politólogos, recusando fazer conclusões mais finas: “Só se estivéssemos na cabeça do Presidente”, sugere um dos politólogos.
Mas a mudança orçamental terá de esperar pelo próximo ano?
Os politólogos consideram que Marcelo quer uma mudança mais urgente. O próprio referiu que se “pode e deve dizer que reformar a pensar no médio e longo prazo, não significa termos de conviver com novas tragédias, até lá chegarmos”. Marina Costa Lobo reconhece que há urgência nas palavras do Presidente, que quer medidas “o mais depressa possível”. “Marcelo quer que esta seja uma fase de inversão num assunto que é sempre notícia em Portugal”, remata Paula do Espírito Santo.
Para Viriato Soromenho Marques esta mensagem de Marcelo é clara: há coisas que não se podem repetir e, por isso, após Pedrógão e o 15 de outubro, “não há uma terceira oportunidade”. “O Presidente da República fez um discurso útil, oportuno, equilibrado e salvou a honra do Estado“, conclui o professor catedrático, relembrando que os portugueses viveram, nos últimos dias, “numa situação sem Estado, sem lei, nem ordem, nem instituições”.
No mesmo discurso, Marcelo Rebelo de Sousa pediu ainda ao Governo para olhar “para estas gentes (…) com maior atenção ainda do que aquela que merecem os que têm os poderes de manifestação pública em Lisboa”.
Que margem orçamental é esta?
Se a execução orçamental deste ano continuar no mesmo rumo, o Executivo pode ter nas mãos uma margem orçamental de 980 milhões de euros, face às metas definidas no Orçamento do Estado para 2017. Na ausência de derrapagens, o défice pode ser inferior aos 1,4%, a meta atualizada na proposta do OE2018. Um dos principais contributos positivo vem da própria economia: em vez dos 1,8% inicialmente previstos, o Governo prevê que o PIB suba 2,6% este ano.
E no próximo ano? Para conclusões semelhantes terá de se esperar pela execução orçamental. Ainda assim, através da proposta do Orçamento do Estado para 2018, é possível concluir que o ciclo económico vai dar uma ajuda de 0,5% do PIB, ou seja, cerca de 970 milhões de euros (considerando um PIB nominal de 199,4 mil milhões de euros). Essa ajuda é superior à que o Governo espera em 2017 (0,2%).
Questionado pelo ECO, o economista João Duque é pessimista quanto à existência de margens orçamentais. Apesar de classificar as previsões de 2018 do Ministério das Finanças de “razoáveis”, o professor do ISEG recorda que “tudo depende da evolução da economia”, a qual está significativamente depende de fatores externos. A economia tem impacto na evolução das receitas — nomeadamente do IVA, onde identifica uma estimativa “otimista”. Já as despesas “são muito rígidas”.
João Duque admite, apesar de ter dúvidas, que possa haver alguma flexibilização na alocação do investimento público, uma área onde o Governo prevê uma subida de 40,4% no próximo ano, mais de mil milhões de euros face ao esperado para 2017. Por outro lado, o economista duvida que o Executivo tenha já verbas para “compensar” e “reabilitar” as pessoas e as áreas afetadas — o que fará com que o esforço orçamental seja maior –, mas admite que o nível de cativações ajude a acomodar estas despesas na execução orçamental do próximo ano.
Mas há um dado novo, introduzido esta quinta-feira: Bruxelas abriu a porta à não contabilização no défice das despesas relativas a incêndios. Apesar de ainda não ser certo, esta é uma posição defendida pelo comissário europeu dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici: “Parece-me absolutamente natural que, da mesma forma que considerámos circunstâncias excecionais a ameaça terrorista em certos países da União Europeia ou tremores de terra, como foi o caso em Itália, tenhamos uma abordagem inteligente e humana face às despesas públicas das autoridades portuguesas para fazer face aos incêndios, e que sejam consideradas circunstâncias excecionais no quadro de avaliação do orçamento”. Esta possibilidade permitiria que Centeno executasse mais despesa com os incêndios, mas forçariam uma nova discussão com Bruxelas.
O Partido Socialista esta quarta-feira já mostrou disponibilidade para aprovar alterações no OE2018 de forma a autorizar a execução de despesa relativa às vítimas dos incêndios.
Além disso, o PCP argumentou, no mesmo debate, que “as pessoas têm de estar primeiro que o défice” e, por isso, António Costa deveria gastar mais na floresta “considerar as metas de défice perdidas”. A mesma tese foi defendida pelos Verdes: Heloísa Apolónia pressionou o primeiro-ministro para dar prioridade à floresta quer haja ou quer não haja folgas orçamentais.
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