Em Portugal, sobretaxa é um custo; em Bruxelas é receita

  • Margarida Peixoto
  • 18 Outubro 2016

O resultado final é o mesmo, mas Centeno adotou duas óticas diferentes na identificação das medidas de consolidação, consoante fala para a Comissão Europeia, ou para o Parlamento português.

Para quem vai ler o relatório do Orçamento do Estado para 2017, o faseamento da sobretaxa de IRS ao longo do próximo ano vai custar 200 milhões de euros aos cofres do Estado. É receita a menos que o Fisco arrecada — faz sentido. Mas quem for ler o Draft Budgetary Report, o esboço desta mesma proposta de Orçamento que o Governo enviou para Bruxelas, fica a saber que a sobretaxa de IRS permite arrecadar cerca de 200 milhões de euros em 2017. Afinal, no que ficamos? Centeno está a dizer exatamente o mesmo, mas para a Comissão explicou o copo meio cheio, para Portugal o copo meio vazio.

A diferença está nas tabelas onde são identificadas as medidas discricionárias de política orçamental que o Executivo prevê implementar em 2017. Os dois documentos têm esta tabela — é um guia fundamental para quem acompanha política orçamental porque permite avaliar o impacto da ação do Governo nas finanças públicas. Mas ela não é exatamente igual nos dois documentos.

Na que consta do Draft Budgetary Plan, o esboço da proposta de OE/2017 que o ministro das Finanças submeteu esta segunda-feira à Comissão Europeia, a eliminação da sobretaxa de IRS é incluída no cenário de políticas invariantes. Por outras palavras, isto é o mesmo que assumir que o Governo já tinha previsto terminar a sobretaxa logo em janeiro (tal como, de facto, tinha, nesta lei) e que, por isso, o cenário de políticas invariantes implicaria perder quase 400 milhões de euros na receita de 2017.

Assim, na tabela para Bruxelas, o ministro identifica a retirada faseada da sobretaxa como uma medida que permite arrecadar 200 milhões de euros, em vez de perder os tais 400 milhões.

Já no relatório do OE/2017 entregue na Assembleia da República, a mesma medida é contabilizada como uma perda de 200 milhões de euros na receita. Isto porque, na tabela, o Governo não assume a retirada da sobretaxa na sua totalidade como parte do seu cenário de políticas invariantes. É por isso que, face a 2016, o faseamento da eliminação da sobretaxa custará este valor.

Na prática, o ministro está a dizer o mesmo no palco interno e no palco externo: a medida vale 200 milhões; significa menos 200 face a 2016, e mais 200 face ao plano inicial de eliminação total. Mas está a sublinhar óticas de análise diferentes nos dois documentos.

O mesmo acontece na medida que prevê o pagamento de salários, sem qualquer corte, aos funcionários públicos. No palco nacional, o ministro inscreve a medida como provocando um aumento de 257 milhões de euros na despesa com salários. Frisa a dimensão da devolução dos rendimentos, face a 2016.

Mas para a Comissão, o Executivo diz que a medida custa zero, porque já estava prevista no cenário de políticas invariantes.

Contactada, fonte oficial do Ministério das Finanças explicou que “a estrutura do Projeto de Plano Orçamental respeita o modelo definido pela Comissão Europeia.” Além disso, adiantou, “o Projeto de Plano Orçamental é, por natureza, um documento sintético”, enquanto “o Projeto de Orçamento do Estado, entregue na Assembleia da República, apresenta a mesma informação de forma mais completa e detalhada, seguindo a estrutura habitual deste tipo de documento.”

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