Eurogrupo: Centeno ainda não decidiu se vai a jogo. Porquê?
Liderar o Eurogrupo não teria só vantagens para o ministro português. E também ainda não é certo que Centeno tenha o apoio unido dos socialistas europeus.
A 48 horas de terminar o prazo de entrega de uma candidatura formal à presidência do Eurogrupo, o Governo português ainda não decidiu se Mário Centeno vai a jogo. Ao que o ECO apurou, a questão passa por pesar dois fatores considerados fundamentais: primeiro, tem Mário Centeno condições para conciliar a tarefa doméstica com a liderança de um dos grupos chave à escala europeia? E segundo, o ministro português reúne, pelo menos, o apoio unido dos socialistas europeus?
Se Mário Centeno quiser concorrer ao lugar de Jeröen Dijsselblöem tem de se manifestar por escrito até dia 30 deste mês, quinta-feira. Uma candidatura vitoriosa tem consequências políticas e de substância significativas. Mas uma derrota também. Por isso, os prós e os contras têm de ser cuidadosamente colocados dos dois lados da balança.
Há desde logo uma questão interna. Liderar o Eurogrupo é “entrar no inner circle da União Europeia”, lembra Viriato Soromenho Marques, professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. E isso vem com uma responsabilidade pesada. “A atenção do ministro à política financeira do nosso país não poderia continuar a ser a mesma, não é possível”, defende o politólogo, para quem uma remodelação governamental seria, nesse caso, altamente expectável. “Teria de ser nomeado mais um secretário de Estado para a equipa das Finanças, para fortalecer”, sugere.
A atenção do ministro à política financeira do nosso país não poderia continuar a ser a mesma, não é possível.
Além disso, uma eventual vitória teria potencial para “aumentar o atrito no Parlamento com os dois parceiros que apoiam o Governo, BE e PCP”, adianta. “Os partidos de esquerda exigiriam que Centeno não fosse o Dijsselblöem número dois”, garante, recordando contudo que, ao mesmo tempo, o presidente do Eurogupo tem de ser o porta-voz das regras orçamentais comunitárias.
O ministro das Finanças português seria ainda o alvo preferencial das críticas à lentidão da reforma europeia e do aprofundamento da união monetária. “Com o ritmo da Europa devagar, devagarinho,” concentrar essas críticas não será um papel simpático de desempenhar, conclui, notando que no curto prazo vê mais o “ónus do que as vantagens” de uma eventual vitória. Depois, no longo prazo, o lugar poderia trazer benefícios: ganhos de credibilidade, seria estar “no tabuleiro certo” e ter poder de influência nas decisões europeias, explica.
O eleitorado de esquerda é desconfiado da ortodoxia fiscal da União Europeia. Já o eleitorado à direita acharia curioso.
E para o eleitorado? Centeno ficaria beneficiado com uma vitória? “O eleitorado de esquerda é desconfiado da ortodoxia fiscal da União Europeia”, diz António Costa Pinto, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e professor do ISCTE. “Já o eleitorado à direita acharia curioso”, soma, argumentando que “para um governo PS apoiado pelos partidos à sua esquerda ser eleito presidente do Eurogrupo representaria um ponto de demarcação em relação à natural imagem que a oposição de centro direita lhe tende a atribuir”.
Costa Pinto conclui por isso que, em termos de imagem política Centeno tem mais a ganhar do que a perder numa eventual candidatura à liderança do Eurogrupo. “Perder tem consequências muito pequenas, não estamos a falar de uma organização como as Nações Unidas”, defende. “Estar na short list dos potenciais vencedores já é um ganho simbólico”, concorda Soromenho Marques, ressalvando, ainda assim, que seria importante assegurar apoios suficientes para garantir, pelo menos, uma derrota honrosa.
Que apoios tem Centeno?
Para dar o passo de entrar oficialmente na corrida à liderança do Eurogrupo, Centeno não precisa de ter a garantia prévia de que vai ganhar mas, tal como os restantes ministros das Finanças, o governante português só quer avançar se sentir conforto suficiente de que terá pelo menos uma candidatura forte.
Desde logo, a decisão final só deverá ser tomada depois de haver uma discussão ao nível do Partido Socialista Europeu. No que depender de Portugal, só fará sentido avançar se houver a perceção de que pelo menos os socialistas estão unidos em torno do mesmo candidato. E esta união ainda não está garantida: apesar das notícias que deram conta de um afastamento de Pier Carlo Padoan da corrida, o ECO sabe que o governante italiano continua a fazer contactos.
Por um lado, há a convicção de que a candidatura de Padoan tem a dificuldade de representar a entrega de mais um cargo de topo para Itália — já tem Mario Draghi à frente do Banco Central Europeu. Mas por outro lado, Padoan é dos ministros mais respeitados. Ainda esta segunda-feira, em entrevista à TSF, o comissário Pierre Moscovici trouxe o nome de Padoan para a ribalta.
Quem quer que se torne presidente, gostaria que em princípio fosse apenas para um curto período, até ao momento que tenhamos uma nova comissão, o mais tardar.
“Gostaria de poder trabalhar com o Mário, [mas também com] Pier Carlo [Padoan] ou com quem quer que seja o presidente do Eurogrupo”, disse o comissário para os Assuntos Económicos e Financeiros. E ainda sublinhou: “Quem quer que se torne presidente, gostaria que em princípio fosse apenas para um curto período, até ao momento que tenhamos uma nova comissão, o mais tardar.” Outro dos pontos negativos que tem sido apontado a uma eventual candidatura de Padoan é que Itália vai a eleições em 2018, o que poderia colocar Padoan a prazo no cargo. Mas este facto não parece ser um problema aos olhos de Moscovici.
Entre os socialistas, a corrida parece ser entre Padoan e Centeno — ao que o ECO apurou, França simpatiza com a candidatura portuguesa mas a Alemanha ainda não está decidida e tem poder de influência suficiente para virar o barco, seja a favor de Itália, seja de um candidato não socialista.
Até porque as restantes famílias políticas também estão a fazer o seu trabalho de casa: na semana passada, a Reuters dava como certo o apoio do Partido Popular Europeu ao austríaco Joerg Schelling, desde que se mantenha no cargo de ministro das Finanças, no novo governo que está a ser formado.
O ministro das Finanças do Luxemburgo, o liberal Pierre Gramegna, também está disponível e a ministra letã, Dana Reizniece-Ozola tem igualmente sido referida como potencial candidata.
Esta quarta e quinta-feira os primeiros-ministros europeus terão uma nova oportunidade para fazer contactos: está agendada a 5.ª Cimeira da União Africana-UE, em Abidjã, na Costa do Marfim. Certo é que até ao final do dia 30, Centeno tem de estar decidido. Os nomes dos candidatos oficiais serão tornados públicos no dia seguinte, 1 de dezembro, e a eleição está marcada para a reunião do Eurogrupo de dia 4 de dezembro, a próxima segunda-feira.
O ECO contactou o Ministério das Finanças sobre uma potencial candidatura à liderança do Eurogrupo, mas o Governo não quer comentar, para já, o assunto.
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