Capital Certo, 5 em 5… Produtos à venda no Montepio são seguros?
A Associação Mutualista quer financiar-se em 970 milhões de euros através de produtos que, não sendo tradicionais, são vendidos aos balcões do Montepio. O montante é considerado demasiado elevado.
A Montepio Geral – Associação Mutualista quer financiar-se, este ano, com 970 milhões de euros captados através de produtos de capitalização. O financiamento dos bancos através de produtos desta natureza não é estranho, mas há vários senãos. Desde logo, a Mutualista não é um banco e, portanto, não é supervisionada por reguladores do setor financeiro; mas é um banco que vai vender estes produtos — a Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), controlada a 100% pela Mutualista. Por outro lado, o objetivo de 970 milhões que se pretende alcançar é considerado elevado, o que poderá levar os funcionários do Montepio a sentirem pressão para cumprirem esse objetivo; e isso é especialmente questionável se se tiver em conta o risco que estes produtos acarretam.
Que produtos são estes?
O produto em que a Associação Mutualista mais está a apostar é o Montepio Capital Certo. Todos os meses, a Associação Mutualista disponibiliza uma nova série deste produto, que tem uma maturidade de cinco anos. Neste momento, está a decorrer a campanha para a 1ª série do período de subscrição 2018-2023. Na página que publicita este produto, pode ler-se: “Aplique o seu capital de uma vez e receba capital + rendimento daqui a cinco anos. A modalidade mutualista Capital Certo não é um depósito, mas tem a proteção do património da Associação Mutualista Montepio”.
Significa isto que o produto é de capital garantido, isto é, o montante investido será sempre recuperado, para além de se garantir uma remuneração que começa em 1% no primeiro ano de subscrição e que chega aos 2% no quinto ano. Contudo, neste caso, sempre não é sempre. Como explica o próprio Montepio, este produto “não é um depósito, mas tem a proteção do património da Associação Mutualista Montepio”. Ou seja: o produto não está abrangido pelo Fundo de Garantia de Depósitos e a garantia que é anunciada está, na verdade, dependente da solvabilidade da Associação Mutualista. Importa lembrar que, em 2015, último ano para o qual há dados disponíveis, a Associação Mutualista tinha capitais próprios negativos de 107,53 milhões de euros.
A subscrição do Capital Certo é feita através de uma entrega única, com o mínimo de 150 euros e máximo de 500 mil euros, e só pode ser feita por associados da mutualista.
Só depois de perguntar ao potencial cliente se está “pronto para começar?” é que o Montepio avisa, em letras pequenas:
“A Associação Mutualista Montepio adverte que as séries emitidas ao abrigo da modalidade mutualista Capital Certo não são depósitos bancários, não se encontrando abrangidas pelo Fundo de Garantia de Depósitos, nem são seguros ou fundos de investimento ou PPR, e que a sua subscrição aos balcões da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), ou através da utilização de outros canais da mesma, advém apenas da utilização desta entidade como rede de distribuição, sendo ambas as entidades independentes, com natureza e regime jurídicos diferentes (…)”.
Há outras soluções oferecidas pela Associação Mutualista que se enquadram no leque de produtos que a instituição quer vender para se financiar. É o caso do Proteção 5 em 5, outro plano mutualista que permite ao seu subscritor receber o capital subscrito, acrescido das respetivas melhorias que forem atribuídas, em frações de cinco em cinco anos, durante o prazo escolhido.
Nenhum destes dois produtos está abrangido pela supervisão do Banco de Portugal ou da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. Isto porque, apesar de serem vendidos aos balcões do Caixa Económica Montepio Geral — uma prática, aliás, já condenada pelo Banco de Portugal, que exige que haja uma distinção clara entre as marcas Associação Mutualista e Caixa Económica e respetivos produtos –, estes produtos são, na verdade, da Associação Mutualista. Esta é tutelada apenas pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que já admitiu que não tem “vocação” para assumir esta supervisão.
Qual é o objetivo da Associação Mutualista?
No Programa de Ação e Orçamento para 2018, a Associação Mutualista define como objetivo captar 970 milhões através de produtos de capitalização. Este montante “incorpora o pressuposto de reaplicação da quase totalidade dos 370 milhões de euros das séries Capital Certo que vão vencer” ao longo deste ano. Quanto ao restante montante, o objetivo passa por captar “cerca de 50 milhões de euros de novas poupanças por mês”, o que equivale a 600 milhões de euros no conjunto do ano.
Ao Público, Álvaro Ricardo, diretor do Sindicato dos Bancários do Norte, diz que “o objetivo fixado não é impossível de atingir, mas é muito difícil” e mostra-se preocupado com “a pressão que vai ser exercida sobre os funcionários para cumprir o objetivo fixado”.
Nas contas, o Montepio não revela os montantes captados neste tipo de produtos, mas, analisando os montantes captados nos depósitos de clientes, não é difícil compreender a preocupação do bancário. No primeiro trimestre do ano passado — numa altura em que os associados da mutualista se preparavam para decidir sobre a passagem do banco a sociedade anónima e no mesmo período em que se soube que a Associação Mutualista tinha capitais próprios negativos de 107 milhões nas contas –, o Montepio Geral totalizava 11,5 mil milhões de euros em depósitos de clientes, uma redução de 4% em relação ao final do último trimestre de 2016. Ou seja, em três meses, perdeu 876 milhões de euros em depósitos.
No segundo trimestre, o banco conseguiu recuperar e, em três meses, captou 36 milhões de euros em depósitos. Já no conjunto de julho a setembro, um período em que grande parte dos portugueses recebe subsídio de férias, o banco captou 251 milhões de euros em depósitos. Recuando ainda mais, no conjunto do ano de 2016, o montante total de depósitos no Montepio reduziu-se em 72 milhões de euros.
O que dizem os especialistas?
Um dos maiores problemas do Capital Certo é a falta de clareza com que este produto é apresentado aos clientes. “A verdade é que estes planos mutualistas são apresentados ao balcão como uma alternativa aos depósitos. Os depósitos, neste momento, rendem praticamente zero, enquanto esses produtos têm um rendimento acima de 1%. Portanto, se são apresentados com garantia de capital, as pessoas optam por esses produtos e, às vezes, até pensam que é um depósito”, explicou ao ECO, no ano passado, António Ribeiro, economista da Deco.
Um ex-funcionário do Caixa Económica, que não quis ser identificado, admitiu ao Público que “os funcionários vão ser instados a não dar a informação toda, nomeadamente a de que não se trata de um depósito bancário”, quando venderem estes produtos. Mais, para tranquilizar os clientes quanto à segurança dos produtos, deverão argumentar que “a associação tem muitos bens, nomeadamente imóveis que garantem o capital investido”.
A Deco alerta também para a penalização em caso de resgate antecipado. O resgate do capital acumulado pode ser feito em qualquer altura, mas tem penalizações que diferem a cada ano: no primeiro ano, não tem rendimento; no segundo, perde 75% do rendimento; no terceiro, perde 50% do rendimento; no quarto, perde 40% do rendimento; só se o resgate antecipado for feito no último ano é que o investidor não sofre qualquer perda.
Apesar de comercializados aos balcões do Montepio (banco), são produtos da associação mutualista. E estes são tutelados pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, coisa inédita na regulação dos produtos financeiros, sendo claramente insuficiente.
Quanto à fiabilidade do produto, a associação de defesa dos consumidores também é clara. “É uma categoria que não nos deixa tranquilos. Apesar de comercializados aos balcões do Montepio (banco), são produtos da associação mutualista. E estes são tutelados pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, coisa inédita na regulação dos produtos financeiros, sendo claramente insuficiente em nossa opinião”.
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