Peace & Love & Russos
Há aqui um "deixa andar" tão embriagante que o difícil é não ficar. Incenso e bom senso nunca andaram de mãos dadas.
Sim, é verdade. Goa tem qualquer coisa cósmica que inflama o Hippie que há em nós e nos faz acreditar que champô e responsabilidades são bens de última necessidade. Aliás, há aqui um “deixa andar” tão embriagante que o difícil é não ficar.
Quando se viram livres dos portugueses, nos anos 60, mal imaginaram os indianos a tribo que ia chegar. Os Beatles faziam retiros de meditação em Rishiquesh e abriram as portas a toda uma geração de inocentes que encontrou, nestas praias, o Nirvana prometido (não confundir com a banda noventeira que era absolutamente o oposto).
O que terá passado pela cabeça desta gente, ao ver ocidentais em pelota, uns em cima dos outros, a fumar erva e a a dançar música psicadélica deve ter roçado a loucura. Mas se há país onde tudo é possível, é este. Incenso e bom senso nunca andaram de mãos dadas.
Com o tempo, as drogas e a música ficaram mais pesadas e Goa passou a ser sinónimo de raves e batidas trance. Só quem nunca acordou a meio da noite com uma festa destas à porta da barraca, cheia de israelitas excitados, pode manter o shanti no sítio. São eles com LSD e nós com Valium.
Hoje em dia é uma rebaldaria. E as praias de Goa são um pot-pourri de humanidade difícil de encontrar noutras coordenadas. Ele é tanta personagem que dava para fazer o lado B da capa do “Sergeant pepper lonely hearts club band”. A receita seria qualquer coisa do género: numa colónia russa, adicione um litro de pessoas que só conhecem Portugal pelo festival Boom, 50dl de malabaristas e 30dl de Hare Krishnas. Unte o recipiente com 20g de malta do Yoga, polvilhe com israelitas pós serviço militar e tempere com alguns gurus de ocasião. Leve a mistura ao forno, pela hora sagrada do pôr-do-sol e enfeite com variadíssimos grupos de homens indianos munidos de telemóvel em modo câmara. A isto pode ainda juntar vacas, cães e palmeiras à vontade.
Mas não avancem já com os sais de fruta, a verdade é que, felizmente, nem todas as praias são assim. E as que são, não são assim o ano todo. O segredo é evitar dezembro e janeiro.
Madrem, no norte, e Agonda, no sul, fazem as delícias dos turistas que já ganham para o champô. Palolem, com jeitinho, também encaixa. Elas são arroz para o picante de Arambol e Anjuna (onde ainda se encontra a espécie do hippie-macramé no gigantesco mercado das quartas-feiras). Há que provar os dois para degustar Goa.
A verdade é que, mesmo passados 60 anos, é fácil querer cá ficar pelos próximos 60. Se a iluminação for a motivação, sugiro que façam como os apóstolos John, Paul, George e Ringo e migrem a Norte mas para conseguir escapar de Goa devagarinho, Gokarna é o caminho. Umas praínhas deliciosas com mais calma que Karma.
Adeus Algarve da Índia. A aventura começa aqui.
Crónicas indianas são impressões, detalhes e apontamentos de viagem da autora e viajante Mami Pereira. Durante quatro meses, o ECO publica as melhores histórias da viagem à Índia. Pode ir acompanhando todos os passos aqui e aqui.
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