Neste Natal, o ECO convida-o a conhecer melhor uma das companhias na noite da consoada: o bacalhau. A Riberalves abriu as portas da fábrica da Moita, onde processa o bacalhau seco e o ultracongelado.
As leis que regem a amizade são feitas de muitos provérbios e ditados populares. “Amigos, amigos, negócios à parte”, “amigo do meu amigo, meu amigo é”, “amigo não empata amigo”, entre tantos outros. Mas há uma relação de amizade do povo português que também está gravada na pedra. É com o seu fiel amigo, o bacalhau.
Anos passam, Governos passam, passam crises. Mas a fidelidade que une os portugueses e este peixe não se desfaz. E os números provam isso, do cenário geral para o particular. Cerca de um quarto do bacalhau pescado em todo o mundo tem como destino o nosso país, sendo que nove em cada dez famílias portuguesas compram bacalhau pelo menos uma vez por ano. Em termos individuais, cada um de nós consome, em média, 6,5 quilogramas de bacalhau por ano.
E ainda que o tenhamos habitualmente no nosso prato — e, com quase toda a certeza, na nossa mesa da consoada –, o bacalhau é aquele nosso próximo com quem estamos todos os dias, mas sobre o qual pouco conhecemos. Sabemos que ele vem de longe, que é competente e fiel, versátil e confiável, mas ficamos por aqui. Até entrarmos pelas portas de uma fábrica como a da Riberalves.
“O português não tem conhecimento dos processos produtivos e do trabalho que dá até que o bacalhau chegue ao prato”, conta Ricardo Alves, administrador da empresa, ao ECO. “Desde que o peixe é pescado até chegar ao consumidor nunca temos menos de três meses de processos produtivos. E isto é o mínimo“.
“Em Portugal, o bacalhau tem séculos de história e chama-se ‘fiel amigo’ porque, na altura em que passámos por crises e pela ditadura, nunca faltou na mesa dos portugueses”, clarifica, orgulhoso, Ricardo. É também o fiel amigo do negócio fundado pelo seu pai, João Alves, em 1985, e dos 450 colaboradores que emprega.
Um imigrante que vem do norte
A maioria do bacalhau consumido em Portugal é capturado nos mares do Norte, entre a Islândia, a Noruega e a Rússia, sendo a última uma origem muitas vezes desconhecida dos consumidores, mas que contribui tanto para o volume de produção como o país estrela, a Noruega. Segue então para Portugal em duas formas — salgado verde ou congelado –, entrando para a Riberalves pelas portas das fábricas da Moita ou de Torres Vedras.
No caso do bacalhau que chega congelado, o percurso da fábrica da Moita — que conta com uma área coberta de 40 mil metros quadrados — começa com as máquinas de escalar, onde o peixe é limpo e se retiram dois terços da espinha. É depois coberto e envolto numa cama de sal, onde fica em descanso entre três semanas a um ano. “Sabem quantos quilos de sal gastamos por ano?”, pergunta à comitiva Ricardo Alves, enquanto um nevão de sal cai sobre o bacalhau. Perante a falta de palpites, o administrador responde: “São 15 mil toneladas de sal de Olhão por ano”.
Entre fases de produção encontramos Natividade, uma veterana da indústria do bacalhau. Mudou-se de Viseu para a margem sul durante a juventude para trabalhar na fábrica da antiga Comimba, comprada pela Riberalves em 2003. Volvidos 45 anos, Natividade recorda um processo tão antigo que se mistura com a identidade portuguesa.
“Antes era tudo à mão, íamos buscar o bacalhau aos barcos no Barreiro e vinha de lancha até à fábrica”, elenca a trabalhadora. “Era escalado pelos homens, que tinham mais força”. Quando Natividade se afasta, Ricardo comenta: “Aprendemos mais com ela quando chegámos do que ela connosco”.
Depois da salga, o bacalhau segue para as câmaras de secagem, onde permanece 80 horas exposto à circulação de ar forçado e da ação de evaporadores. Antes de ser embalado, é separado por tamanho e tipo. Com caixas fechadas e paletes carregadas, o bacalhau salgado seco segue para a grande distribuição e para a exportação. E ainda que seja nesta forma que os portugueses estão mais habituados a ver o fiel amigo, ela deixou de ser a mais popular.
Em águas de bacalhau. Mas por pouco tempo
“Já viram o que é comprar uma peça de bacalhau seco, cortar, ter de demolhar durante dois dias, ter de mudar a água a cada oito horas…” O cenário proposto pelo administrador da Riberalves era comum nas casas portuguesas até há pouco tempo. “… e o cheiro que deita, o espaço que é preciso no frigorífico”, pinta Ricardo Alves. “Hoje em dia, a praticidade é o valor a ter em conta”, explica, apontando a maior modificação que a indústria já sofreu.
Estamos a viver um momento histórico no mercado bacalhau em Portugal, as novas exigências dos consumidores fizeram com que as famílias valorizem o lado prático.
Fala da introdução do bacalhau demolhado ultracongelado que, no caso da empresa de Torres Vedras, se deu em 2000. E que é já o produto mais vendido da marca. “Estamos a viver um momento histórico no mercado bacalhau em Portugal, as novas exigências dos consumidores fizeram com que as famílias valorizem o lado prático”, explica o administrador ao ECO. Em 2017, a empresa prevê que o Bacalhau Pronto a Cozinhar represente mais de 60% das vendas.
Mas, se o processo facilita a vida às famílias, implica mais tempo e investimento para a Riberalves, começando pelo facto de, como afirma Ricardo, o “melhor bacalhau” ir sempre para demolhar. O bacalhau que chega à fábrica salgado verde é o que é cortado em 26 cortes diferentes e posto a demolhar, tendo em conta a sua grossura.
Ao contrário do que acontece nas nossas casas, o tempo de demolha difere entre 30 horas se se tratar de um rabo, ou mais de 100 se se tratar de lombos. A temperatura dos dois tanques olímpicos de demolha mantém-se sempre nos sete graus Celsius. “As pessoas têm reticências em relação ao peixe congelado mas a verdade é que os restaurantes só nos compram deste, visto que é melhor e podem escolher os cortes que querem”, aponta Ricardo Alves.
Depois de ficarem em ‘águas de bacalhau’ as postas seguem para a câmara de congelação onde são ultracongeladas a temperaturas que rondam os 30 graus Celsius negativos — sendo que nesta altura do percurso até os membros superiores e superiores estavam à beira do ultracongelamento. São ainda seladas através da vidragem, ou seja, um banho de água gelada que faz com que o produto se mantenha congelado sem perder água e ganhe uma aspeto mais atrativo.
Segue-se o embalamento, feito em nove linhas diferentes, para depois o produto seguir não só para o mercado nacional como para os mais de 20 países para onde a empresa exporta. Em 2016, as exportações de bacalhau em Portugal totalizaram os 100 milhões de euros, sendo que a Riberalves contribuiu com 43 milhões para este número, ou seja, quase metade.
A amizade não tem preço. Principalmente no Natal
Se o consumo de bacalhau não tem um calendário específico, o da produção está bem delineado. As empresas de bacalhau têm de comprar 85% o seu produto até à Páscoa, isto porque a partir daí começa a desova. Ou seja, nos cinco primeiros meses do ano, a Riberalves gasta 85 milhões de euros para comprar a matéria-prima que vai vender durante os restantes meses.
Para além desta sazonalidade nas despesas, e embora o consumo seja relativamente constante, é no quarto trimestre do ano que a empresa vende cerca de 33% da sua produção. A culpa é do Natal e do Ano Novo. Desta forma, a empresa tem de se precaver com outras estratégias. “A exportação é muito importante para nós nas épocas em que o consumo nacional baixa. As exportações para o Brasil, onde na Páscoa se consome muito bacalhau, são muito fortes, principalmente na zona de São Paulo”, aponta Ricardo Alves. O Brasil é, assim, o segundo maior mercado da empresa, valendo 22% das vendas.
Aliás, o mercado brasileiro é o espelho do sucesso do bacalhau pronto a cozinhar, visto que neste país não sabiam demolhar ou confecionar o produto. Ainda assim, e mesmo que as vendas avancem significativamente durante a época de Natal, Portugal é, para a Riberalves, um mercado estável e que mantém a fidelidade mesmo que os preços aumentem, algo que pode acontecer nos próximos tempo, visto que as quotas de pesca de bacalhau irão descer.
“Para o ano a quota de pesca vai baixar 13%. Isto vai influenciar o preço, visto que vai haver menos disponibilidade, não sabemos exatamente quanto”, explica ao ECO o empresário. “Mas ao contrário de outros países que começam agora a comer bacalhau, como Espanha, França ou Inglaterra, em Portugal um aumento do custo do bacalhau não faz retrair o consumo.”
Novo ano, novos investimentos
Chega o fim do ano e com ele o tempo de fazer balanços e pensar no futuro. Ricardo Alves aponta para que a faturação de 2017 se mantenha em linha com a registada no ano passado, ou seja, perto dos 150 milhões de euros. Para 2018, está previsto um crescimento a dois dígitos das vendas do bacalhau pronto a cozinhar, impulsionado por um investimento de cinco milhões de euros.
“Em 2018, vamos investir cerca de cinco milhões de euros para aumentar a capacidade produtiva e também a armazenagem de produto acabado e matéria-prima”, conta, ao ECO, Ricardo Alves. A inovação nos produtos e nas técnicas será também um ponto a ter em conta durante os próximos 365 dias. “Por ser um mercado tão tradicional e existir tanta concorrência, o caminho a seguir é a inovação”, acrescenta.
E, em vésperas de Natal, por entre salgado seco e pronto a cozinhar, qual vai ser a escolha da família Alves para a noite da consoada? “Seja no jantar da consoada ou não, nas nossas refeições de bacalhau consumimos sempre bacalhau pronto a cozinhar. É o melhor bacalhau que conseguimos ter na nossa mesa, porque sabemos que é peixe de excelente origem, sabemos por quanto tempo foi curado e sabemos que foi demolhado de forma perfeita”, argumenta Ricardo Alves. “No jantar de Natal costumamos ter uns lombos e uns cachaços cozidos, na tradicional receita de Bacalhau com Todos.”
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Do barco à mesa da consoada, conheça a viagem do fiel amigo do Natal
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