Cerdeira, nas Aldeias de Xisto, tem sido recuperada por vários investidores. Hoje, mais do que um turismo rural tem atraído artistas a visitar e fixarem-se por lá.
No caminho, se feito à noite, com alguma sorte veem-se javalis e veados. De dia, há menos animais à vista mas muito verde e uma estrada sinuosa e estreia de onde se avista todo o vale. Na estrada, o telefone toca. “Boa noite, ainda demoram?”, pergunta Adriana. “Muito bem, não há problema, a chave fica na fechadura da Casa da Árvore”, garante.
Não passa mais de um carro no caminho quando, na estrada principal, se vira à esquerda respeitando a placa da Cerdeira. Sobe-se, estaciona-se, para-se a contemplar. O vale, em plena Serra da Lousã, é imenso para não merecer uma paragem à medida. E basta caminhar poucos metros, passar uma pequena ponte de madeira e olhar em volta para perceber que a antiga aldeia da Cerdeira está bem e recomenda-se. A reconstrução, contam ao ECO no café da aldeia, “não foi uma oportunidade mas… natural”.
Da recuperação fazem atualmente parte oito famílias –– algumas das quais a viver no local. Com nove casas recuperadas, um café, uma pequena biblioteca, ateliês e residências para artistas, a aldeia percorre-se subindo e descendo degraus de xisto, sempre com vista para o vale.
Explorar as residências para atrair e fixar artistas foi uma opção estratégica para a Cerdeira. “Existem muitas aldeias de xisto, todas elas muito bonitas. No fundo, é uma opção de diferenciação da nossa aldeia. A aldeia da Cerdeira é, já há alguns anos, um local de contemplação e criação artística. Para além da vontade pessoal, decorrente do facto de Kerstin ser artista plástica, a ideia foi aproveitar a envolvente natural da aldeia e o seu potencial de inspiração e de afastamento de um grande centro urbano”, conta ao ECO Catarina Serra, responsável pela comunicação do projeto Cerdeira Village.
A recuperação da aldeia da Cerdeira surgiu da vontade de Kerstin Thomas de se instalar ali, depois de perceber que não existiam ainda infraestruturas necessárias para uma vida confortável. Em 1988, com 24 anos e a estudar em Coimbra, Kerstin procurava um local para instalar o seu ateliê quando se apaixonou pela Cerdeira. “A reconstrução desta aldeia é a história de uma grande amizade”, conta Kerstin Thomas, artista plástica e responsável pelo projeto artístico da Cerdeira Village. Foi nesse momento que foi iniciando um processo de reabilitação. “Quando chegámos, percebemos que as pessoas tinham fugido daqui porque não havia condições de vida. Não havia eletricidade, saneamento básico ou acessos fáceis à aldeia. A Cerdeira estava abandonada. Sentimos de imediato uma grande vontade de voltar a dar vida à aldeia e trazer até ela uma comunidade de artes”, afirma Kerstin Thomas.
Não havia eletricidade, saneamento básico ou acessos fáceis à aldeia. A Cerdeira estava abandonada. Sentimos de imediato uma grande vontade de voltar a dar vida à aldeia e trazer até ela uma comunidade de artes.
Mais do que um sítio para viver
Mudou-se para a Cerdeira nesse mesmo ano, quando a aldeia já tinha sido abandonada. Desde 1988 que Kerstin Thomas e Bernard Langer foram recuperando algumas das casas da Cerdeira. Mais tarde, em 2000, Natália e José Serra, amigos que tinham conhecido ainda em Coimbra, juntaram-se no esforço de recuperação. Aos poucos, o projeto foi ganhando forma. E, rapidamente e, Kerstin rapidamente percebeu que seria o sítio ideal para fazer mais: daí a criação de mais ateliês e dos espaços para residência artística e, a partir de 2006, começa a ser organizado o primeiro festival de artes “Elementos à Solta – Art Meets Nature”, um festival único no seu género em Portugal, com exposições, workshops, palestras, conversas e música, com a presença de artistas portugueses e estrangeiros. Em 2012, arranca o projeto Cerdeira Village do qual, atualmente, fazem parte oito famílias.
“Na aldeia temos alojamento de qualidade e uma vasta oferta de roteiros para conhecer toda a região envolvente. Também organizamos experiências criativas, tanto na área da cerâmica e da madeira, como na confeção de pratos típicos ou atividades para os mais novos. Isto porque, mais do que trazer visitantes à aldeia, a Cerdeira Village é um projeto que convida as pessoas a viverem a região centro, ao mesmo tempo que aprendem ou desenvolvem o seu lado mais criativo, aproveitando a envolvente relaxante que só este cenário proporciona. O objetivo é ter um espaço com todo o conforto, mas também sustentável, com uma ligação próxima da natureza, que permita às pessoas relaxarem”, esclarece Catarina.
E se a aldeia vai recebendo visitantes portugueses e também estrangeiros, a renovação vai também no sentido de criar condições para haver mais e novos habitantes, explicam os responsáveis ao ECO. Quanto às residências, “inicialmente mais utilizadas por jovens artistas com estadias de duas semanas, a tendência é de ter um público de artistas mais maduros e estadias mais prolongadas de quatro semanas”.
A vertente alojamento emprega 12 pessoas, que constituem apenas uma pequena parte da equipa total que conta também com todos os colaboradores da parte artística. “Com eles somos muito mais”, assegura Catarina.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Cerdeira Village: a aldeia que virou hotel e residência de artistas
{{ noCommentsLabel }}