Ouvir uma canção no Spotify vale 0,005€. Mas isso é muito ou pouco?
Quanto recebe um artista de cada vez que alguém ouve as canções que escreveu? E quais são as plataformas mais favoráveis para as pequenas editoras e artistas independentes? Saiba tudo aqui.
A maior parte das pessoas ainda se lembra de quando o valor da música era inseparável de um objeto físico: o artista gravava um disco, os fãs compravam-no numa loja e algum dinheiro voltava ao artista para ele poder gravar mais discos.
A possibilidade de copiar e partilhar música através da Internet veio abanar a indústria da música até às suas fundações, mas após uma fase difícil de ajustamento parece que as coisas se estão a compor. Compram-se e vendem-se álbuns digitais e, ouvindo música através de serviços de streaming como o Spotify, até já é possível apoiar os artistas financeiramente sem ter de pagar nada. Certo? Mais ou menos.
Quanto vale carregar no play?
A resposta curta é que é muito difícil saber. Ao contrário do que se pensa, a reprodução de uma canção não gera sempre o mesmo pagamento para cada músico.
No final de cada mês há um bolo de receitas totais da plataforma, tanto de publicidade como das subscrições dos utilizadores. Desses lucros, a plataforma de streaming fica com uma parte. O Spotify, por exemplo, fica com 30% dos lucros gerados.
O resto do bolo é dividido pelas editoras e distribuidoras que estão na plataforma conforme a sua popularidade nesse mês: quanto mais ouvidos tiverem sido os artistas que representam, maior a percentagem dos lucros que recebem. Na divisão também são tomados em conta os países onde aconteceram as reproduções de cada canção e se os utilizadores que ouviram a música tinham contas pagas ou não. O “pagamento por cada play” resulta, na verdade, de uma média de muitos valores diferentes.
Fala-se frequentemente de um pagamento de meio cêntimo de dólar por reprodução. Foi o valor referido, por exemplo, pela banda norte-americana Vulfpeck quando fez o seu maior golpe publicitário: o álbum Sleepify.
“Quando ouves uma canção dos Vulfpeck, o Spotify paga-nos meio cêntimo”, explica o músico Jack Stratton no vídeo promocional do Sleepify, um álbum composto por 10 faixas de silêncio. “Por isso se ouvires o Sleepify a noite toda em repeat, receberíamos quatro dólares”. O objetivo? Juntar dinheiro para fazer uma digressão sem ter de cobrar entradas nos concertos, financiada apenas pelos lucros das reproduções deste disco totalmente silencioso que os fãs podiam ouvir enquanto dormiam. O Spotify não gostou muito da estratégia, acabou por retirar o álbum da plataforma e impediu futuras ações semelhantes, mas antes disso os Vulfpeck conseguiram angariar quase 18 mil euros.
O meio cêntimo referido pelos Vulfpeck é, no entanto, uma aproximação grosseira. Na verdade, cada reprodução gera uma remuneração um pouco diferente para cada artista, dependendo da plataforma e do utilizador que ouviu a canção.
O Spotify, a plataforma mais transparente relativamente aos pagamentos que faz aos artistas, divulga que paga uma média por reprodução de entre 0,006 e 0,0084 dólares, ou pouco mais de 0,005 e 0,0074 euros.
A Apple Music, que não divulga pormenores dos seus pagamentos, pagará cerca de 0,005$ por reprodução, segundo dados que chegaram à Digital Music News.
O Tidal, uma plataforma fundada especificamente com o objetivo de aumentar os ganhos para os músicos, também mantém segredo relativamente às percentagens pagas aos artistas e ao valor médio de uma reprodução de uma canção. Valores não oficiais divulgados pela Digital Music News apontam para uma média de cerca de 0,01$ por reprodução — a confirmar-se, seria quase o dobro do que a Apple Music e o Spotify pagam em média.
“Rapidamente percebi que os valores médios são insignificantes”
No entanto, as médias podem não refletir a realidade para a grande maioria dos artistas. O músico britânico Tom Burton apercebeu-se disso quando começou o projeto Music Streaming Index, no qual reúne os dados de pagamento por reprodução que ele e outros músicos amigos recebiam cada mês.
“Comecei por calcular as médias de cada plataforma mas rapidamente percebi que os valores médios são insignificantes”, explica Tom ao ECO. As médias, afirma, escondem a enorme variação que se regista de país para país e de mês para mês, e acabam por não representar nada em particular. Agora o Music Streaming Index divulga dados de receitas por reprodução em quase todas as plataformas e está atento às subtilezas que influenciam os resultados.
Num dos gráficos divulgados por Tom Burton é possível ver como, no mesmo mês, a reprodução de uma faixa no Spotify valia 0,012$ na Holanda se fosse ouvida por um utilizador com conta paga, mas menos de 0,004$ se fosse escutada por um utilizador com conta gratuita no Chile. Esta diferença drástica ilustra a dificuldade de comparar os pagamentos entre plataformas – os números são muito fluidos e as médias podem ser enganadoras.
0,005 é muito ou pouco? Depende a quem se pergunta
Para os grandes artistas à escala de Adele, os pequenos valores por reprodução podem resultar em pagamentos avultados. A título de exemplo, a canção Hello já foi ouvida mais de 500 milhões de vezes apenas no Spotify. Presumindo que a empresa lhe pagou o valor médio por stream que publicita, esta canção já arrecadou três milhões de euros só nessa plataforma. No Tidal, a pagar quase um cêntimo completo, 500 milhões de streams valeriam 4,5 milhões.
Se se for uma editora com muitos artistas populares e alguns êxitos esmagadores, os serviços de streaming podem ser bastante lucrativos. Para os músicos menos conhecidos e as editoras de pequena dimensão, as contas já são diferentes. É por isso que a importância das plataformas de streaming é vista de forma muito diferente dos dois lados da indústria musical – e os problemas enfrentados também são díspares.
Na tabela abaixo é possível perceber como os streams dão enormes lucros aos grandes artistas — os que esgotam arenas como Adele, ou como os Coldplay, cuja canção Fix You, por exemplo, foi ouvida 200 milhões de vezes no Spotify (com um rendimento, a confiar nos valores médios, de 1,2 milhões de euros).
Lucros por magnitude de streams por plataforma
Mas também dá para ver como os músicos menos conhecidos já sentem na pele as diferenças nos valores pagos pelas várias plataformas, que podem parecer pequenas. A canção Makeup, de AGIR, foi ouvida um milhão de vezes no Spotify. Presumindo que recebe o valor médio, a editora de AGIR recebeu seis mil euros do Spotify. No Tidal, o mesmo número de reproduções já valeria nove mil euros.
Um pouco abaixo na tabela, 400 mil streams (como é o número de reproduções de Kiss Me de David Fonseca, por exemplo) podem valer entre 1600 e 3600 euros. E uma banda portuguesa como os Glockenwise, com três álbuns lançados e passagem por todos os festivais nacionais, tem pouca esperança de vir a viver dos streams, com a sua canção mais reproduzida no Spotify, Heat, a render 240 euros nessa plataforma para a sua editora, a Lovers & Lollypops.
Para quem o pagamento por reprodução não funciona
Para as pequenas editoras como a Lovers, a utilidade principal dos serviços de streaming não é o lucro. “Os ganhos nessas plataformas são residuais”, resume ao ECO o responsável da editora barcelense Lovers & Lollypops, Joaquim Durães. “Enquadramo-nos nelas de forma a permitir que os nossos artistas cheguem a um número mais alargado de ouvintes, e não como forma pura e dura de rentabilidade”.
O catálogo da Lovers & Lollypops está espalhado por plataformas como o Spotify, a Apple Music, a Amazon e a Google Play através de um acordo com uma distribuidora digital, no caso, a AWAL. Existem inúmeras distribuidoras diferentes que trabalham com artistas independentes e com editoras pequenas — apenas as maiores editoras conseguem ter acordos feitos diretamente com as várias plataformas. Dependendo da distribuidora, pode haver custos iniciais de acesso e acordos mais ou menos favoráveis de divisão dos lucros.
Descrever a Lovers & Lollypops apenas como uma editora pequena é desvalorizar mais de 10 anos de trabalho, mais de 50 discos lançados, nove edições do festival Milhões de Festa, e a edição e divulgação de bandas indispensáveis da cena alternativa portuguesa como os Glockenwise, os Black Bombaim ou os Equations. É neste contexto que Joaquim Durães delineia a estratégia da editora nas plataformas de streaming: “Todas estas plataformas, mas principalmente o Spotify, a Apple Music, o Bandcamp ou o Soundcloud surgem-nos como plataformas ideais para a promoção dos nossos discos, por um lado pela quantidade de utilizadores das plataformas e por outro por uma atividade mais focada da nossa parte”, explica. As receitas, por sua vez, são mínimas.
No Bandcamp ouve-se de graça, mas vendem-se álbuns completos
E a plataforma favorita da editora? É o Bandcamp, que não paga aos artistas por reprodução. No Bandcamp, o utilizador pode ouvir álbuns completos em streaming gratuitamente e essas reproduções não geram qualquer receita – no entanto, se gostar do álbum pode comprá-lo digitalmente ou mesmo em formato físico, caso exista, na loja da editora que está presente na mesma plataforma.
É possível comprar faixas isoladas, mas no Bandcamp vendem-se cinco vezes mais álbuns inteiros do que canções únicas – uma estatística que é o oposto vertical do resto das vendas de música, onde se vendem 16 vezes mais canções isoladas do que álbuns, declara o serviço. Desde a fundação do Bandcamp, os fãs já deram mais de 169 milhões de dólares, segundo escreve a empresa, e 4,4 milhões de dólares apenas nos últimos trinta dias.
Não vai encontrar muitos gigantes do mundo da música no Bandcamp, mas a plataforma é do tamanho ideal para a Lovers & Lollypops.
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