Kerala, há que Querê-la!
O problema do mundo é que não há quem consiga manter um segredo. Assim que a Beleza é mapeada, torna-se comercial.
Se há coisa que dez anos de viagens me ensinaram, é que não vale a pena ser caturra! Mais depressa abro um coco com a cabeça que ganho um braço de ferro a um cliché. Aos idealistas e rebeldes aventureiros, permitam-me um conselho que jamais seguirão: Rendam-se ao turismo! Vão poupar uma data de tempo, dinheiro, agruras, fomes e nódoas negras.
O problema do mundo é que não há quem consiga manter um segredo. Assim que a Beleza é mapeada, torna-se comercial. Explorar é descobrir mas também é prostituir. E já nem a Lua se pode gabar de ser donzela.
Todos queremos ver os sítios “verdadeiros”, à la Descobridor mas o smartphone é bússola, guia e catana. Um canivete suíço digital num mundo cheio de utilizadores em busca do “autêntico”.
Mas, quer seja de autocarro com ar condicionado ou seguindo o condor, pela Rota do Inca, ambos, turista e trekker chegam a Machu Picchu, mais ou menos suados e quase sempre desiludidos quando percebem que não são os únicos a cortejar a rodada maravilha.
Bom, Kerala sofre do mesmo problema. Ou por outra, somos nós que sofremos com ela. Porque Kerala não é aquela Índia impossível, inalcançável e virgem à espera de ser conquistada por quem de direito. Kerala é o contrário: é linda de morrer e fácil como tudo. Kerala não nos faz sentir especiais, Kerala tem 10 milhões de apaixonados por ano. Em Kerala não vale a pena ser Indiana Jones, Kerala quer Don Giovannis.
Eu achava que Goa era a melhor coisa da Índia. Mas depois cheguei a Kerala (isto provavelmente leva aspas porque já deve ter sido dito por uma data de gente). Kerala é tão abençoada que é chamada de “God’s Own Country’. Além disso Kerala é comunista, camaradas! Sim, comunista e crente, ao mesmo tempo e sem complexos.
Não é utopia: aqui o comunismo não foi instaurado dramaticamente, foi eleito democraticamente. E isso, mais uma data de cocos, fez de Kerala o estado da Índia com o maior nível de desenvolvimento humano, alfabetização, esperança média de vida, acesso a cuidados médicos, segurança social e jornais.
Não só tem o menor índice de mortalidade infantil e de homicídios como é o estado mais seguro e limpo da Índia. Além disso, é o único estado que tem mais mulheres do que homens (mas que “coincidênciazinha” tão saborosa) e onde os homens andam de saia (pano chamado mundu). Kerala mostra o caminho.
A nível geográfico, é escandalosa. Fica ensanduichada entre a Costa do Malabar e a cordilheira dos Gates Ocidentais, e é onde as chuvas chegam primeiro e duram mais tempo. Ou seja, em linguagem turística: praias enormes, uma Amazónia com 44 rios, florestas tropicais, montanhas de chá e arrozais. Além disso, ainda há Kochi (antiga Conchim), deliciosa cidadezinha colonial onde Vasco da Gama decidiu viver para sempre e com toda a razão.
Em Kerala queremos ser turistas. Ficar pelos cafés a beber chá de Munnar e a discutir política com os locais, passar uma noite romântica num barco-casa pelos verdes canais de Allepey, levar massagens de óleo e fazer terapias Ayurveda, comer bom peixe temperado com estas especiarias que mudaram o mundo há 500 anos, aprender a dançar só com os olhos, com o indescritível Kathakali, tomar banho em cascatas e fazer safaris espetaculares.
A sério, deixem lá a Índia. Venham a Kerala.
Sim, todos ao mesmo tempo, para fazer as mesmas coisas. Sem penas nem peneiras. Já dizia Marx: “Viajantes de todo o mundo, uni-vos. Não têm outra hipótese!”
Há coisas bem piores.
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