• Entrevista por:
  • Helena Garrido

Vítor Gaspar: Crise financeira e dívida pública elevada geram recessões mais prolongadas e profundas

O baixo crescimento nominal é a principal explicação para o aumento do peso da dívida nas economias europeias, afirma Vítor Gaspar.

Numa entrevista que tem como referência o último relatório do Fundo, o Fiscal Monitor, o atual diretor do departamento de assuntos orçamentais do FMI e ex-ministro das Finanças escusa-se a responder a questões sobre Portugal, porque os funcionários do Fundo estão impedidos de falar sobre os seus países de origem. Mas destaca, por exemplo, que países que registaram uma acumulação rápida de divida têm maior probabilidade de enfrentarem uma crise financeira e se forem apanhados com uma dívida pública elevada, a recessão que registam é mais profunda e prolongada. Uma entrevista a ler pensando, ao mesmo tempo, no quadro atual e passado da economia.

A dimensão da dívida global foi o tema escolhido pelo FMI no Fiscal Monitor do Outono deste ano. Podemos começar por fazer um retrato da distribuição geográfica desta dívida?

A dívida global está em cerca de 225% do PIB mundial. Nunca a dívida mundial esteve tão elevada. O ritmo de crescimento, depois do início da crise financeira, abrandou, mas a dívida não parou de crescer. O que também documentamos é que a dívida está concentrada nas economias avançadas e em algumas emergentes, com destaque para a China. Nos países em desenvolvimento, o crescimento da dívida tem estado associado a fenómenos de inclusão financeira e a inovações tecnológicas, como a banca eletrónica ou a micro-finança.

(…) se a crise financeira e a recessão que a acompanha, estiverem associadas a dívidas públicas elevadas, as consequências são uma recessão ainda mais prolongada e ainda mais profunda [do que numa situação em que a dívida pública é mais baixa].

Vítor Gaspar

Diretor do departamento de assuntos orçamentais do FMI

O que é que explicou esta dinâmica da dívida? A desregulamentação do setor financeiro, a inovação…

Nas economias avançadas, o fator que mais pesou para a dinâmica do crescimento da dívida foi o baixo crescimento do produto nominal. Ou seja, um crescimento real mais baixo do que o previsto, acompanhado por uma inflação também abaixo da norma de estabilidade de preços ou do objetivo de inflação. Quando comparamos a dinâmica da dívida na área do euro com a dos Estados Unidos ou Reino Unido – onde a queda do rácio de dívida se aproxima de outros episódios de desalavancagem – , o principal fator explicativo é a diferença de crescimento do produto nominal desde 2008.

Devemos então pedir que exista mais inflação?

Isso leva-nos a pedir que exista mais crescimento do produto nominal. E aí há duas componentes, igualmente importantes. Uma é o aumento do dinamismo do crescimento real, em particular do produto potencial. Daí a importância das reformas estruturais, para reforçar a competitividade das economias. Mas também é importante regressar à estabilidade de preços, de acordo com os objetivos dos bancos centrais.

Os bancos centrais devem manter o mesmo objetivo de inflação ou deveriam aumentá-lo?

Os bancos centrais tiveram uma história muito prolongada de credibilização das suas metas de inflação. Essa credibilidade é um ativo extraordinariamente importante. Parece-me paradoxal que, num momento em que os bancos centrais, particularmente nas economias avançadas, estão com dificuldades em conseguir atingir as suas metas de inflação que a solução pudesse passar pelo aumento dessas mesmas metas. O que me parece importante é prosseguir políticas para atingir objetivos de crescimento nominal do produto.

Nas economias avançadas, o fator que mais pesou para a dinâmica do crescimento da dívida foi o baixo crescimento do produto nominal.

Vítor Gaspar

Diretor do departamento de assuntos orçamentais do FMI

Quais as consequências desta dimensão de dívida, se nada for feito?

Não me parece que tenha grande utilidade especular sobre essa questão em geral. O que fazemos no Fiscal Monitor é olhar para episódios passados e documentar factos estilizados. O que verificamos é que, em primeiro lugar, quando existe um aumento elevado da dívida privada, e essa acumulação é rápida, a probabilidade de existir uma crise financeira aumenta muito significativamente. Em segundo lugar, verifica-se que as recessões associadas a crises financeiras são mais profundas e mais prolongadas do que as normais. Em terceiro lugar, embora a dívida pública não seja uma variável com uma capacidade elevada para previsão de crises financeiras, o que acontece é que, se a crise financeira e a recessão que a acompanha, estiverem associadas a dívidas públicas elevadas, as consequências são uma recessão ainda mais prolongada e ainda mais profunda.

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Mas o que está a descrever foi o que nos aconteceu, a Portugal … e vai acontecer

O Fiscal Monitor tem uma base de dados que olha para um conjunto muito amplo de crises financeiras que abrange não só economias avançadas de mercado e emergentes. Estes factos que enunciei são baseados num conjunto muito amplo de casos, que vão muito para além da área do euro.

  • Helena Garrido

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