Salários mais altos? Empresários querem que o exemplo venha de cima e pedem contrapartidas

António Costa defende salários mais altos para o setor privado. Empresários dizem que tudo depende dos ganhos de produtividade e apontam o dedo à demagogia política.

António Costa no Congresso Nacional do partido Socialista, na BatalhaPAULO CUNHA/LUSA

No encerramento do 22º congresso do Partido Socialista, que teve lugar este fim de semana na Batalha, António Costa defendeu salários mais altos no setor privado. Depois do aumento do salário mínimo, o primeiro-ministro volta-se agora para os salários médios e deixou a ideia de que este é um debate que é preciso ter “com o tecido empresarial”.

As declarações de António Costa surgem numa altura em que o Governo ainda não deu sinais sobre o descongelamento salarial na Função Pública. Já este mês António Costa tinha defendido que era mais importante contratar funcionários públicos do que aumentar salários.

E as empresas, o que pensam desta pretensão de António Costa? O ECO foi ouvir empresários e perceber se a ideia é ou não compatível com o balanço das empresas. Em teoria, todos defendem salários mais altos e uma maior convergência com a União Europeia, mas — e há sempre um “mas” — os empresários alertam que nesta equação “tudo tem que ser articulado” e sobretudo não se pode entrar em demagogias eleitoralistas.

João Miranda, presidente da Frulact, não tem dúvidas. “Na teoria a ideia é excelente, mas na prática todos sabemos que não é bem assim. A solução não pode partir apenas dos empresários, tem que ser algo articulado”.

Para João Miranda, “temos que conseguir ganhos de produtividade, de todos os fatores de produção, são necessários ganhos de escala, tudo isto funciona em cascata e não podemos mexer apenas numa das variáveis da equação”. “O que é necessário perceber é se as empresas estão a ganhar muito dinheiro. Eu acho que não é essa a realidade. As empresas são feitas para ganhar dinheiro, para remunerarem os acionistas, e continuarem a investir e, para isso, é preciso que os custos de exploração baixem”, continua Miranda.

João Miranda, CEO da Frulact.D.R.

A elevada carga fiscal a que as empresas estão sujeitas é também alvo do discurso do presidente da Frulact. “Não podemos pensar em aumentar salários apenas, é preciso olhar para a conta de exploração e perceber que ao nível dos custos de contexto é preciso também agir. Se a carga fiscal não aliviar não conseguimos partilhar riqueza”.

Salários pagos em Portugal são baixos?

Mas serão os salários médios pagos nas empresas ainda baixos? Manuel Tarré, presidente da Gelpeixe, diz que as “empresas nacionais, sobretudo as que estão viradas para o futuro, já pagam salários muito próximos do que acontece por essa Europa fora”.

Tarré faz questão de frisar que na Gelpeixe os “salários são acima da média que se pratica em Portugal“, mas ainda assim não considera normal que o Governo exija mais sacrifícios às empresas nacionais. Tarré considera a situação tanto mais inadmissível, quanto o Estado tem uma Função Pública “onde é preciso fazer reformas profundas e não as faz”. Para o presidente da Gelpeixe, “os exemplos têm que vir de cima”. “António Costa tem toda a legitimidade de pedir mais esforços às empresas, mas ele próprio e quem o acompanha têm que dar o exemplo”, sublinha.

Manuel Tarré, presidente da Gelpeixe.Paula Nunes / ECO

Seja na metalomecânica, no agroalimentar ou no setor da construção, todos parecem estar de acordo: só com ganhos de competitividade é possível aumentar salários.

A Frezite de José Manuel Fernandes defende que “o indexante dos salários tem que acontecer naturalmente e resulta dos ganhos de produtividade”. Para José Manuel Fernandes, “os salários têm que acompanhar o padrão internacional porque os ganhos de competitividade das empresas são também cada vez mais globais”.

Já António Rodrigues, presidente da construtora Casais, diz que “é óbvio que é preciso aumentar salários, mas as empresas têm que ter balanço para isso e para investir”. O presidente da Casais lembra as especificidades do setor da construção e sobretudo os grandes constrangimentos que o setor viveu nos últimos anos onde não houve investimentos. “É preciso investir para ter aumentos de produtividade e são estes que implicam salários mais altos”.

E entra em campo outra variável: “mais investimento implica equipamentos mais produtivos que, por sua vez, requerem pessoas mais qualificadas”. António Rodrigues lembra que “tudo isto implica um grande alinhamento estratégico, o que não tem havido. Podemos estar a falar de mão-de-obra qualificada que não existe em Portugal, porque não se apostou na formação e aí temos que ir procurá-la fora de portas, o que torna todo o processo mais dispendioso”, acrescenta.

José Manuel Fernandes, CEO da Frezite.Henrique Casinhas 31 Janeiro, 2018

Ao nível das confederações, o discurso não é muito diferente. João Vieira Lopes não questiona as intenções de Costa, mas alerta: “a ideia de que as empresas não aumentam os salários porque não querem não tem cabimento”.

Para o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), “os baixos salários em Portugal têm origem na baixa produtividade e, portanto, qualquer acordo desses tem que equilibrar o crescimento da produtividade, com o número de horas de trabalho e com o salário”.

Caso não haja “esse mix adequado, caímos num certo voluntarismo que acaba por inviabilizar muitas empresas e tira a competitividade a outras”, refere. “Como princípio, estamos todos de acordo, mas a subida artificial de salários sem ter em conta este mix económico, da nossa parte parece-nos que não tem viabilidade”, remata Vieira Lopes.

A CIP – Confederação Empresarial de Portugal, por seu turno, considera que “o salário médio tem vindo a aumentar”. António Saraiva diz que isto acontece porque “as empresas, atendendo à falta de trabalhadores qualificados, estão hoje com muita pressão salarial para contratar recursos humanos qualificados, tendo que os ir buscar às suas concorrentes, aumentando-lhes os salários”.

António Saraiva, presidente da CIP.Paula Nunes / ECO

O presidente da CIP relembra ainda: “sempre defendemos que deve haver uma política salarial, não apenas discutir anualmente o salário mínimo, mas existir uma indexação salarial a ganhos de produtividade, a índices de crescimento económico, matérias que temos insistido para que sejam contempladas numa discussão séria de política salarial e não apenas no âmbito do salário mínimo, de virmos encontrar esta ou aquela medida.”

No discurso de encerramento do congresso socialista, Costa deixou claro que a convergência com a União Europeia não pode ser apenas ao nível das finanças públicas, mas também ao nível salarial.

De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Segurança Social, em abril do ano passado, a remuneração base era de 970,88 euros.

Discurso eleitoralista

O que terá então levado Costa a defender o aumento dos salários no setor privado? Aqui não há grandes dúvidas nem discordâncias entre os empresários. “A medida é eleitoralista”, resumem.

João Miranda diz que “este é um discurso de esquerda, e sobretudo é um discurso irreal”. Para Miranda, “está misturar-se o melhor dos dois mundos, aumentos salariais com a carga fiscal que temos… É irreal”.

Uma ideia partilhada em toda a linha por Manuel Tarré. O presidente da Gelpeixe diz mesmo que “este é um discurso político”: “De um certo ponto de vista até me ofende que alguém com responsabilidades tenha este tipo de discurso, e ao mesmo tempo seja responsável por uma Autoridade Tributária que aplica coimas quando as empresas estão em incumprimento, mas quando é o Estado a ter que pagar às empresas fá-lo com mais de um ano de demora, mesmo quando as empresas estão em risco de falência”.

A este coro de críticas junta-se também José Manuel Fernandes. Para o patrão da Frezite, o discurso de Costa era sobretudo dirigido “para dentro do partido”. José Manuel Fernandes lembra que “os empresários são as primeira pessoas a querer ter os colaboradores motivados e a ter pessoas cada vez mais qualificadas” e para isso é preciso “pagar níveis de retribuição semelhantes à Europa”.

E mais uma vez a questão dos exemplos é abordada: “são precisas políticas públicas bem ajustadas às necessidades das empresas e da competitividade global”. José Manuel Fernandes diz ainda que Portugal é “o país que menos ajuda as suas empresas”.

Vieira da Silva quer acordo para a formação dos salários

O discurso do primeiro-ministro levou esta segunda-feira o ministro Vieira da Silva a pronunciar-se sobre a formação de salários em Portugal. Para o ministro do Trabalho, que falava no fórum da TSF, “seria muito interessante que em Portugal, como noutros países, houvesse a capacidade de discutir um acordo de médio prazo sobre a formação dos salários e a formação dos rendimentos, ligados à evolução da situação económica” e “da inflação”.

Vieira da Silva recordou que esses acordos existem em vários países, para além do salário mínimo. O ministro referiu ainda que a evolução dos salários tem sido positiva de uma forma geral e não apenas ao nível da contratação coletiva.

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