Freguesias de Lisboa afastam precários antes da abertura de concursos para regularização

Os executivos das juntas do Parque das Nações, Arroios e Penha de França não renovaram os contratos de prestação de serviços de trabalhadores que cumpriam os requisitos para integrar os quadros.

Depois de anos a trabalhar a recibos verdes para a mesma entidade, vários trabalhadores com vínculos precários que prestam serviços permanentes a freguesias da cidade de Lisboa estão a ver os executivos destas juntas a não renovar os seus contratos. Os atrasos na abertura de concursos para a regularização destas situações são comuns a várias entidades, mas há mesmo casos em que os executivos não renovam os contratos de trabalhadores que não só cumpriam os requisitos para integrar os quadros, como chegaram a entregar o requerimento para que isso acontecesse. Parque das Nações e Arroios são as freguesias com casos destes que foram identificadas pelo ECO. Já em Benfica, a presidente da junta recusa abrir concurso antes de a Câmara Municipal de Lisboa transferir as verbas que diz serem necessárias. Os executivos das juntas mantêm-se em silêncio.

Os relatos são feitos pelos próprios trabalhadores. Em novembro, o executivo do Parque das Nações, presidido pelo socialista Mário Patrício, decidiu não renovar os contratos de oito trabalhadores, das áreas de turismo, comunicação, desporto, sistemas de informação e ação social, cujos vínculos terminavam a 31 de dezembro de 2017. Desses, pelo menos três, das áreas do turismo e do desporto, entregaram o requerimento para integrar os quadros.

Após esta vaga de não renovações, continuaram na freguesia do Parque das Nações quase 80 trabalhadores precários, muitos com contrato até 30 de junho de 2018, outros até julho. São profissionais que desempenham atividades permanentes durante todo o ano, em áreas como a educação, desporto, ação social e cultura. Alguns temem também já não ver os contratos renovados. Primeiro, porque a junta não chegou a emitir, em janeiro deste ano, um aviso da abertura do período para a entrega dos requerimentos por parte de quem pretendesse entregar os quadros. “Aconselharam-nos a entregar na mesma o requerimento, para que, mais tarde, não viesse a ser alegado que não demonstrámos interesse”, conta uma das trabalhadoras.

Depois, porque foi sendo sempre adiada a elaboração e apresentação do mapa de pessoal, necessário para a posterior abertura de um concurso para a regularização dos precários. Finalmente, vários trabalhadores estão a ver os seus horários cada vez mais reduzidos. Se não trabalharem pelo menos 35 horas semanais, estas pessoas não cumprem os requisitos para serem integrados nos quadros.

Muitos destes trabalhadores desempenham atividades ligadas ao ano letivo. Todos os anos, os seus contratos cessam no final de julho, têm um mês de férias não remuneradas e voltam a ser contratados para setembro. Regra geral, em julho ou agosto já têm o novo contrato assinado. Não é o que esperam que aconteça este ano. “Os nossos contratos estão a terminar e não sabemos qual é o nosso futuro. O meu é ir embora“, diz uma trabalhadora, nesta junta de freguesia há mais de dez anos e a recibos verdes há 20. Este mês, cortaram-lhe grande parte do horário que costumava cumprir, com a redução de dois dias por semana, deixaram de lhe pagar os intervalos entre as aulas que leciona e não foi escalada para trabalhar em feriados. “Costumo ganhar 600 e tal euros e nem 400 euros trouxe para casa este mês”.

Os nossos contratos estão a terminar e não sabemos qual é o nosso futuro. O meu é ir embora.

Trabalhadora com vínculo precário da junta de freguesia do Parque das Nações

Noutros casos, apesar de não haver a indicação por parte do executivo de que o contrato não será renovado, também não há garantias de integração na categoria adequada. Ou seja, trabalhadores que, pelas suas qualificações académicas e pelo tipo de trabalho que desempenham, deveriam ser contratados como técnicos superiores, deverão ser integrados em categorias abaixo desta, como assistentes técnicos ou assistentes operacionais.

Estas decisões, de abrir vagas para categorias abaixo daquelas que são desempenhadas pelos trabalhadores precários, estão a ser tomadas apesar de a Comissão de Avaliação Bipartida (CAB) da freguesia do Parque das Nações ainda não se ter reunido e avaliado as situações dos trabalhadores.

Contactado, o executivo da junta do Parque das Nações não respondeu a nenhuma das questões colocadas pelo ECO, mas o eleito do PCP na assembleia desta freguesia, Jorge Alves, confirma estas informações. “Na primeira assembleia de freguesia, o presidente prometeu que iria tratar de toda esta situação durante o mês de janeiro. Não resolveu nada. Na assembleia de abril, voltámos a colocar a questão e ele disse que iria resolver o assunto numa assembleia extraordinária a realizar até 31 de maio. Não aconteceu. Prometeu-nos que iria, na semana de 18 de junho, promover uma nova assembleia extraordinária, para alterar o mapa de pessoal, com vista a lançar depois o concurso e regularizar estas situações”, relata ao ECO.

Jorge Alves confirma também que este executivo decidiu não renovar os contratos de alguns trabalhadores, alguns dos quais com direito a serem integrados. Mas ressalva: “A lei determina que todos os trabalhadores que, naquele período de referência, estivessem contratados com vínculos precários, poderiam, independentemente de a junta entretanto ter feito cessar o contrato, requerer o seu ingresso. Há, pelo menos, três situações destas” no Parque das Nações.

Juntas continuam a contratar recibos verdes

As vagas deixadas pelos trabalhadores cujos contratos não foram renovados pela junta do Parque das Nações não ficaram por ocupar. Este ano, este executivo já contratou vários trabalhadores para prestação de serviços, alguns dos quais para ocupar exatamente os mesmos postos que eram ocupados pelos trabalhadores que foram afastados. É o exemplo dos cargos de fotógrafo da junta e de diretor técnico da piscina do Oriente, cujos contratos, que terminavam em dezembro do ano passado, não foram renovados. Ambos foram substituídos, em janeiro e em março, respetivamente.

O Parque das Nações é apenas uma das muitas freguesias que continuam a contratar dezenas de trabalhadores a recibos verdes para ocupar postos de trabalho permanentes, mesmo depois de lançado o Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP).

No relatório que faz o levantamento dos vínculos precários na Administração Local, datado de novembro do ano passado, a Direção-Geral das Autarquias Locais (DGAL) contabiliza um total de 15.758 postos de trabalho ocupados com vínculo inadequado. Destes, 9.688 são nos municípios e 5.387 são nas juntas de freguesia. E o número deverá continuar a aumentar, pelo menos nas freguesias de Lisboa.

Tirando Alvalade, que não tem recibos verdes, todas as outras freguesias de Lisboa têm e algumas com tendência para aumentar. Avenidas Novas, por exemplo, contratou mais 15 a 20 trabalhadores a recibos verdes para a limpeza urbana”, diz Luís Dias, da direção do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa (STML).

Concursos atrasados e vagas insuficientes

A freguesia do Parque das Nações emprega 138 trabalhadores. Destes, 78 estão a recibos verdes, alguns dos quais há mais de dez anos. Só cerca de 20 entregaram o requerimento para integrar os quadros da junta. Os números oficiais apresentados pela junta são muito diferentes destes. No levantamento dos vínculos precários que entregou à DGAL, a que o ECO teve acesso, o executivo do Parque das Nações dá conta de apenas 18 trabalhadores com vínculos precários.

Na assembleia de freguesia que decorreu em abril deste ano, este executivo tentou mesmo fazer aprovar um mapa de pessoal que também não correspondia à realidade da junta. Nesta proposta de mapa de pessoal, que acabou por não ser aprovada por pressão da oposição, são contabilizados 138 postos de trabalho, entre os que estão já preenchidos (com trabalhadores no quadro) e os que estão por preencher (desempenhados por trabalhadores a recibos verdes). Contudo, nessa proposta, só eram contabilizados dez postos vagos, o que significa que, nessa altura, só teria sido aberto concurso para dez postos. O concurso para a regularização de todos estes precários só poderá ser aberto quando o mapa de pessoal for aprovado, o que ainda não aconteceu.

Como no Parque das Nações, as não renovações dos contratos de trabalhadores que cumprem os requisitos para integrar os quadros, os atrasos na abertura de concursos ou o número de vagas insuficientes para a regularização destas pessoas têm sido práticas comuns noutras juntas de freguesia. Os exemplos são vários:

  • Em fevereiro, o jornal O Corvo denunciou o caso de Penha de França, que não renovou os contratos de 24 trabalhadores a recibos verdes, alguns dos quais estavam na junta há mais de dez anos. A este jornal, a presidente da junta, Ana Sofia Dias, disse que os contratos em causa foram terminados com o acordo de ambas as partes, garantindo mesmo que alguns dos trabalhadores terão saído por vontade própria;
  • Em Arroios também houve contratos que não foram renovados, ainda que não se conheçam números. “Houve muita gente que não teve os contratos renovados. E eram pessoas que tinham direito a pedir a integração nos quadros”, refere o dirigente do STML ao ECO. Arroios chegou até a abrir um concurso para o preenchimento de 55 vagas, segundo os avisos que estão publicados no site da junta, mas este número não considerava todo o universo de trabalhadores com vínculo precário. O executivo socialista chegou posteriormente, no dia 27 de junho, a acordo com o Bloco de Esquerda para a integração de um total de 67 trabalhadores. O executivo da freguesia de Arroios não respondeu às questões que lhe foram enviadas. Contactada diretamente, a presidente desta junta, Margarida Martins, também não fez comentários;
  • Em Benfica, não há intenção de abertura de concurso para os mais de 200 precários. “A presidente da junta argumenta que só irá abrir os concursos quando a câmara transferir as verbas para sustentar esses mesmos concursos. Num universo de cerca de 400 trabalhadores, Benfica terá mais de metade com vínculo precário”, aponta Luís Dias. O executivo desta junta também não respondeu a nenhuma das perguntas que lhe foram remetidas;
  • Nos Olivais, abriu-se concurso para cerca de 60 vagas e concorreram cerca de 90 pessoas;
  • Belém também abriu concurso, e foi até alargado o número de vagas inicialmente abertas, mas também houve trabalhadores a ficar de fora;
  • Em Alcântara, “há um desconhecimento total, até porque o presidente da junta acha que este é um assunto que deve ser decidido a portas fechadas”, segundo o STML.

Benfica é um caso dos mais graves que existem na cidade. A presidente da junta argumenta que só irá abrir os concursos quando a câmara transferir as verbas para sustentar esses mesmos concursos.

Luís Dias

Dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa

O ECO procurou ainda ouvir a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), que também não quis fazer qualquer comentário. Contactado diretamente, o presidente desta associação, Pedro Cegonho, que é também o presidente da junta de Campo de Ourique, também recusou fazer comentários.

Para quem fica de fora dos concursos, a situação “é muito delicada”, considera Luís Dias. “A partir do momento em que não se regulariza um vínculo precário, assume-se que aquela pessoa não está com um vínculo precário e, portanto, não tem de ser regularizada”. O sindicato aconselha todos os precários que cumprem os requisitos para integrar os quadros mas que ficam de fora dos concursos a recorrerem à justiça, mas reconhece os limites desta solução. “A via judicial é uma possibilidade, mas sabemos que a justiça no nosso país não é ágil e, muitas vezes, quando chega a uma conclusão, não resolve o problema dessas pessoas”.

Juntas não estão a constituir comissões de avaliação

Para além das não renovações de contratos e dos atrasos na abertura dos concursos, há ainda um terceiro problema identificado pelo sindicato: as juntas não estão a constituir comissões de avaliação bipartidária (CAB), uma falha que se verifica mesmo entre as que já estão a avançar com os processos de regularização.

Estas CAB são compostas por representantes dos trabalhadores e das entidades empregadoras e têm como função avaliar os requerimentos de integração nos quadros entregues pelos precários, decidindo depois se deve ser aberto um concurso para o lugar em causa, para o qual pode concorrer qualquer pessoa que tenha estado na posição nos últimos três anos. Sem as CAB, os sindicatos ficam de fora desta avaliação, que passa assim a caber unicamente à entidade empregadora.

Até agora, de entre as 24 freguesias do concelho de Lisboa, a do Parque das Nações foi a única que já constituiu CAB, um passo que, ainda assim, não conforta nem trabalhadores, nem sindicatos, nem oposição. “Já vamos na terceira promessa. Será que é desta? Há uma ansiedade legítima por parte dos trabalhadores”, resume Jorge Alves.

No final de maio, as autarquias tinham aberto 2.306 procedimentos concursais, para 5.642 postos de trabalho (perto de apenas um terço do total de postos de trabalho com vínculos precários que foram identificados). Em abril, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, admitiu que, provavelmente, “nem todo o universo [de precários] será abrangido” pelos concursos.

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