Juros negativos no crédito da casa já são uma realidade. Saiba como vão funcionar

Esta quinta-feira entra em vigor a lei que obriga os bancos a refletirem a totalidade das taxas negativas da Euribor no crédito à habitação. Fique a conhecer como este novo regime vai funcionar.

Os bancos passam a partir desta quinta-feira a ser obrigados a refletir as taxas negativas das Euribor na totalidade sobre os contratos de crédito à habitação. A lei que entra em vigor chega às famílias, que vão beneficiar na totalidade do contexto de juros negativos proporcionado pela política monetária de Mario Draghi, algo que não acontecia até agora. A medida não é do agrado dos bancos, mas poderá representar para algumas famílias uma redução no valor das prestações mensais do crédito da casa. O ECO compilou, em cinco respostas, as principais alterações e implicações que esta nova lei vai trazer.

1. Porque estão as Euribor negativas?

Tudo começou em março de 2016, altura em que o Banco Central Europeu (BCE) colocou a taxa de depósitos em -0,4%, nível em que ainda se mantém. Esta taxa de juro é usada pela entidade liderada por Mario Draghi para remunerar ou onerar o dinheiro que os bancos comerciais da Zona Euro deixam nos seus cofres. Ao colocá-la nessa fasquia, o objetivo era desincentivar os bancos a aparcar dinheiro no BCE e, em vez disso, injetá-lo no mercado.

Essa realidade acabou por refletir-se na entrada também em terreno negativo das Euribor, taxas de juro que são definidas a partir da negociação entre um painel de bancos representativos da Zona Euro, e que servem de referência para o cálculo dos juros dos empréstimos da casa de taxa variável. A Euribor a três meses foi a primeira das três taxas de referência para o crédito à habitação concedido em Portugal a assumir valores negativos em abril de 2015. Seguiram-se as Euribor a seis e 12 meses.

2. O que está em causa com a nova lei?

O rumo descendente e a entrada em terreno negativo das Euribor beneficiou as famílias portuguesas que viram os encargos com juros e as prestações mensais da casa baixarem. Mas nem todos os clientes bancários viram totalmente refletido na prestação os valores negativos das Euribor. Sempre que a soma do spread contratado ao valor da Euribor resultasse numa taxa de juro negativa, os bancos assumiam uma taxa de 0%. A decisão dos bancos foi avalizada pelo próprio Banco de Portugal.

Um entendimento diferente tiveram os deputados. Todos os partidos à exceção do PSD, que se absteve, aprovaram a proposta conjunta do PS e do Bloco de Esquerda que veio fazer com que o crédito à habitação passe a ter de refletir na integra o resultado da soma entre o spread e a taxa de juro (a Euribor) mesmo que este seja negativo. É isto que está em causa com a lei que entrou em vigor nesta quinta-feira e que prevê ainda o estabelecimento de um crédito de juros a ser devolvido nas prestações futuras do crédito à habitação.

3. Quais os contratos do crédito abrangidos?

Todos os contratos de crédito à habitação de taxa variável, independentemente de serem novos ou antigos, são abrangidos pela nova lei. Contudo, a lei não se irá aplicar com efeitos retroativos. Ou seja, são apenas são consideradas as condições que vigorarem a partir de agora.

4. Quem beneficia com esta lei?

As famílias portuguesas são as grandes beneficiários da medida aprovada na Assembleia da República, ao verem a possibilidade de, no limite, vir a receber por uma dívida que têm perante a banca. Esta circunstância suscitou, aliás, críticas por parte do setor financeiro. Em maio, vários banqueiros consideraram que a lei, como foi aprovada, não era proporcional, enquanto Faria de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Bancos, afirmou estar perante o “princípio da irracionalidade económica”.

A Caixa Geral de Depósitos, porém, na voz de Paulo Macedo, considerou que, para a CGD, o impacto não seria particularmente significativo, já que só abrangeria “os melhores clientes”. Ou seja, aqueles clientes que conseguiram negociar com os bancos os níveis de spreads mais baixos. Mas para lá conseguirem chegar, entram na fórmula aspetos como os montantes de financiamento mais baixos face ao valor do imóvel, vínculos laborais estáveis ou a subscrição de produtos ou serviços financeiros do banco.

E neste puzzle os principais beneficiários da medida são aqueles clientes que fizeram crédito à habitação há mais de uma década, ocasião em que os bancos chegaram a disponibilizar spreads de 0,2% ou mesmo 0%. Esses é que poderão tirar partido do valor negativo das Euribor: -0,332% a três meses, -0,269% a seis meses e -0,179% a 12 meses. A realidade de quem vai ao banco fazer um empréstimo para a compra de casa hoje é muito diferente, não sendo possível encontrar instituições a oferecer spreads sequer inferiores a 1%.

Em termos práticos, um empréstimo de 100 mil euros por 30 anos contratado em 2007 com um spread de 0% associado à Euribor a três meses, estava até agora condicionado pelo teto mínimo de 0% no cálculo da respetiva taxa de juro. Com a lei que agora entra em vigor, a taxa de juro do crédito passa a ser de -0,332% (=0%-0,332%).

Assumindo esse cenário base, com o teto mínimo para a taxa de juro de 0% a prestação mensal da casa seria de 277,78 euros, valor correspondente apenas à amortização de capital. Com a aplicação da nova lei a prestação desce para 264,14 euros mensais, valor que resulta de uma amortização de capital mais elevada — 291,8 euros — e da devolução de 27,67 euros em juros.

5. Como será feita a devolução dos juros negativos?

A nova lei determina que, “quando do apuramento da taxa de juro resultar um valor negativo, deve este valor ser refletido nos contratos de crédito”, salientando que “o valor negativo apurado deve ser deduzido ao capital em dívida na prestação vincenda”.

Contudo, o novo enquadramento legal diz que o mutuante, ou seja, o banco que concedeu o crédito “pode optar pela constituição, a favor do cliente, de um crédito de montante idêntico aos valores negativos apurados (…) a deduzir aos juros vincendos, a partir do momento em que estes assumam valores positivos, sendo os juros vincendos abatidos ao crédito, até à extinção deste”, refere a lei.

Ou seja, os bancos não sã obrigados a descontar à atual prestação da casa o valor dos juros negativos. Podem fazê-lo mais tarde, descontando no valor da prestação em períodos de juros positivos. Trata-se de uma forma de proteger a sustentabilidade dos bancos.

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