Quatro anos perdidos na frente orçamental

Estes anos de geringonça foram quatro anos perdidos na frente orçamental, económica, em que os resultados são medíocres, bem como na frente pública, pois não houve reformas.

Quem me vai lendo por aqui sabe como tenho sido crítico da política económica e orçamental deste Governo. Tenho feito vários alertas:

  1. Que a redução do défice entre 2015 e 2019 é puramente nominal, não havendo consolidação estrutural;
  2. Que essa redução do défice assenta em fatores pontuais (redução despesa com juros e aumento dos dividendos do Banco de Portugal, ambos devido à politica do BCE) e uma conjuntura favorável, bem como na redução do investimento público e uma política muito agressiva de controlo da despesa com os serviços públicos, via cativações;
  3. Que o “dividendo orçamental” atrás referido, não servindo para uma consolidação estrutural, serviu, sobretudo em 2016 e 2017, para as medidas que permitiram ao Governo e ao PS manter a coligação que suporta a “geringonça”;
  4. Que já devíamos ter excedentes orçamentais, aproveitando esta conjuntura favorável para ter uma posição orçamental mais sustentável e que nos permitisse aguentar o próximo embate recessivo. Para isso bastaria não ter descido o IVA da restauração, ter mantido as 40h na Função Pública e ter feito uma reversão dos cortes salariais e da sobretaxa de IRS mais lenta, bem como ter continuado com as reformas estruturais;
  5. Que devíamos, em linha com o ponto anterior, ter reduzido a nossa dívida muito mais rapidamente, de forma a chegar o mais depressa possível a um valor abaixo dos 100% PIB;
  6. Que o crescimento económico de 2017 e 2018 é, ainda assim, muito pequeno quando comparado com os restantes países Europeus, sendo dos mais baixos da Europa, e que o PIB potencial continua também muito baixo, fruto de não haver reformas estruturais nem recuperação do investimento

Todos estes pontos têm também sido frequentemente assinalados por diversas entidades, sobretudo pela Comissão Europeia.

Na semana que passou foi o FMI, em mais um relatório, veio dizer isto mesmo: que Portugal, tal como outros países Europeus, não está a aproveitar um período económico mais favorável para fazer uma consolidação orçamental que permita aguentar o embate de tempos económicos menos favoráveis.

Eu próprio tenho aqui dito várias vezes: “feliz o país que em tempo de alguma bonança económica pensa na próxima crise”.

Mas de facto, estes anos de geringonça foram quatro anos perdidos na frente orçamental. Também o foram na frente económica, em que os resultados são medíocres, bem como na frente pública, em que além de não haver reformas, temos hoje os serviços públicos mais degradados e ineficientes de sempre. Mas neste artigo vou manter o foco na frente orçamental.

Basta olhar para o gráfico abaixo e ver como Portugal baixou a sua dívida pública na média Europeia. Isto apesar de a dívida pública Portuguesa ser 130% PIB e a média da UE e da zona Euro rondar os 90%. Ou seja, tendo uma posição muito mais desfavorável, Portugal limitou-se a reduzir a sua dívida pública na mesma medida da média de países que estão numa posição bastante mais confortável. Assim, chegamos ao fim dos 4 anos com uma dívida pública acima dos 120%, colocando Portugal numa situação de vulnerabilidade num contexto de crise ou de maior turbulência dos mercados financeiros internacionais.

E isto ocorre porque Portugal reduziu o seu défice nominal e, sobretudo, o seu défice estrutural na mesma medida que a média da UE. É verdade que na zona Euro, a média foi que o défice estrutural não se reduziu. E houve países que viram o seu défice estrutural agravar-se. Mas com o mal dos outros podemos nós bem. A verdade é que na difícil situação que Portugal está, o esforço foi mínimo, pelas razões que atrás já referi.

 

Isto porque Portugal teve uma melhoria do défice nominal de 2,7 p.p. (passou de um défice de 3% em 2015 para um défice em 2018 que será de 0,3% – excluindo em ambos os “one-offs”). Mas o saldo primário apenas melhorou 1 p.p. (tivemos um superavit primário de 1,6% em 2015 e teremos um superavit primário de 2,7% em 2018). Ou seja, o défice nominal melhorou 2,7 p.p., mas o saldo primário apenas melhorou 1,1 p.p..

Assim, 60% da melhoria do défice resultou da redução dos juros e apenas 40% do défice primário. Mas se incluirmos os dividendos do Banco de Portugal, que estão nos 40% de melhoria que resulta do défice primário (ou seja, que não resulta dos juros), então 75% da melhoria do défice nominal resulta dessas duas medidas. Isso mesmo, três quartos do “milagre orçamental” resulta de dois fatores pontuais e de curta duração.

Também já se percebeu que daqui até às eleições o Governo vai usar toda a “margem orçamental” que possa ter para capturar votos. Esqueçam o investimento público e os serviços do Estado. O foco vai continuar a ser medidas populistas para tentar a maioria absoluta. O problema do Governo é que se há um ano o PS tinha 17 p.p. de vantagem face ao PSD nas sondagens, agora tem metade. E a diferença do PS para o PSD+CDS era de 10 p.p. agora é quase nula. Ou seja, o “cobertor” começa a ser curto para aguentar até outubro de 2019. Quando tapa de um lado destapa do outro…

Falta a pergunta essencial para se perceber o pós-2019:

Se com estes dois fatores pontuais que representam 75% da melhoria orçamental, com algum crescimento económico, só é possível baixar o défice de forma muito reduzida, e para isso é necessário ter serviços públicos muito degradados (saúde, ferrovia, defesa, etc.), como é que vai ser quando o efeito do BCE terminar e a economia arrefecer?

Não vai ser bonito, é a única coisa que antecipo.

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