Para o sócio da Garrigues, a falência do Lehman não foi uma "surpresa". O advogado, que assessorava o BES, usa Einstein para questionar se faz sentido tanta a regulação no setor financeiro.
Onde estava quando o Lehman Brothers faliu? No número 25 da Avenida da República, em Lisboa, Diogo Leónidas Rocha começava mais uma semana. É lá que fica a Garrigues, sociedade de advogados de origem espanhola com sede em Portugal, da qual o advogado é sócio desde 2005. Com clientes na carteira como o Banco Espírito Santo (BES), foi com preocupação que viu esta falência desencadear a instabilidade nos mercados e no setor bancário. No caso do BES chegaria a provocar perdas na casa dos milhões.
“Confesso que esse não é um momento que guarde com a precisão de outros, como o 11 de setembro [2001, quando caíram as Twin Towers em Nova Iorque]”, conta o advogado, quando remonta ao dia 15 de setembro de 2008. Foi nessa segunda-feira que soube, no seu escritório, da falência do quarto maior banco de investimento americano, e que viria a dar origem à maior crise financeira desde a Grande Depressão, nos anos 30.
A notícia da queda do banco não foi para si uma “verdadeira surpresa”, já que era de perto que acompanhava os mercados financeiros desde que a crise do subprime estalara nos Estados Unidos. “Foi essa a crise que precipitou a falência do banco”, e que tinha já rebentado um ano antes.
O termo subprime refere-se ao crédito à habitação de alto risco destinado a clientes com baixos rendimentos e com pior avaliação de risco ao crédito, e cuja única garantia exigida é o imóvel, através de uma hipoteca. Estas hipotecas tornaram-se populares nos anos 90 devido às suas taxas de juro baixas e geraram, aos poucos, uma enorme bolha no mercado imobiliário. Esta prática levou vários bancos à insolvência e foi um dos fatores que esteve na origem da recessão mundial.
A falência do Lehman Brothers não foi verdadeiramente uma surpresa, já que a crise do subprime nos Estados Unidos que a precipitou tinha já estalado um ano antes. Surpresa foi talvez a forma como a teoria do “too big to fail” foi ironicamente testada.
“Para mim, o que foi surpresa foi talvez a forma como a teoria do ‘too big to fail’ foi ironicamente testada”, afirma, sobre o efeito dominó que a queda do Lehman acabou por ter em todo o setor financeiro, dada a sua dimensão. Afinal, ao contrário do que se julgava, não existem instituições demasiado grandes para cair, e quando caem levam outras por arrasto. Daí que, como diz o advogado, “a principal preocupação que se fez sentir com a falência do banco foi sobretudo com os seus potenciais riscos sistémicos nos mercados financeiros internacionais”.
Um efeito que também se fez sentir por cá, embora de uma forma menos drástica. “Felizmente, a exposição dos bancos nacionais ao Lehman Brothers era pouco significativa”, conta o sócio da Garrigues, responsável pelas áreas de fusões e aquisições, direito bancário, mercado de capitais e corporate finance, e compara o caso à crise das dívidas soberanas, que considera que teve “bem mais impacto” em Portugal que a falência do gigante da banca norte-americana.
Ainda assim, o BES não escaparia impune aos estragos iniciados pelo Lehman e Diogo Leónidas Rocha esteve bem por dentro do assunto. “Analisei a o impacto da falência do Lehman no contexto do aumento de capital do Banco Espírito Santo, oferta pública que assessorei juridicamente logo nos meses seguintes. A falência do banco norte-americano originou perdas de quase 70 milhões no BES”. Este era o montante que o banco tinha subscrito em obrigações do Lehman Brothers. A estas perdas somaram-se “as perdas contemporâneas decorrentes do colapso do sistema financeiro islandês e da fraude promovida por Bernard Madoff“.
Einstein e o controlo da banca
Volvida uma década, quais são as lições que se podem retirar da crise de 2008? “Para ser franco, não sei se aprendemos muito com a crise do subprime”, responde o advogado. “Há dez anos dizia-se que os bancos eram muito grandes e precisavam de ser controlados. Hoje são ainda maiores”. Uma das causas que agravou a crise foi o chamado shadow banking — termo que designa o sistema bancário paralelo ou os chamados “bancos sombra”, que está assente num sistema financeiro informal, não regulamentado, e que serve como fonte de crédito para quem não têm acesso a financiamento regular, ou sem qualificação para empréstimos em bancos regulares. Na altura da crise “esta prática era grande e ficou fora de controlo”.
Hoje em dia, porém, “a regulação dos bancos aumentou o peso do shadow banking, que continua sem qualquer controlo. Os bancos estão mais sólidos, mas as maiores exigências de capital têm levado os bancos a suportar os respetivos custos através do aumento das comissões aos clientes, ao mesmo tempo que enfrentam a concorrência de novos players a quem tal solidez não é exigida [como as fintechs, por exemplo]. O justo equilíbrio do peso da regulação dos bancos, é sem dúvida, um dos maiores desafios dos próximos tempos“, declara o advogado.
Einstein dizia que as coisas devem ser apresentadas da forma mais simples possível, mas não mais do que isso. Talvez os bancos precisem de ser muito controlados, mas não mais do que isso.
Um equilíbrio difícil, mas possível. Para o resumir não resiste a uma analogia: “Einstein dizia que as coisas devem ser apresentadas da forma mais simples possível, mas não mais do que isso. Talvez os bancos precisem de ser muito controlados, mas não mais do que isso“.
Depois da queda do Lehman, Diogo Leónidas Rocha já esteve envolvido em operações na área da banca ligadas a mais casos de crime financeiro. “Não sou advogado criminal, mas de uma forma ou de outra cruzei-me com os casos do Banif, BPN, BPP e BES.” Cada caso é um caso, mas e cá, será que se aprendeu a lição? “Cada situação assumiu as suas particularidades no que respeita ao risco sistémico, causas e medidas de resolução adotadas. Espero sinceramente que em Portugal tenhamos aprendido as nossas lições”, remata.
A 8 de setembro de 2008 (sete dias antes da queda do Lehman Brothers), um tema dominava as primeiras páginas dos jornais portugueses do dia: a rentrée política. Havia um protagonista a centrar atenções: Manuela Ferreira Leite, então recém-eleita presidente do PSD, que tinha discursado na véspera, na Universidade de Verão dos sociais-democratas, com críticas duras os maus resultados obtidos pelo Governo de José Sócrates após um período de silêncio. E o momento político era particularmente importante: Portugal ia a eleições no ano a seguir.
Tanto o Público como o Diário de Notícias davam amplo destaque a Manuela Ferreira Leite. O primeiro dava conta das dificuldades da nova líder, a primeira mulher a comandar os sociais-democratas, em impor-se dentro do partido: “Manuela Ferreira Leite quebrou ontem o silêncio, muito comentado no último mês e meio, e fechou a Universidade de Verão do PSD com um duro discurso contra o Governo de Sócrates. É difícil avaliar o impacto interno das suas palavras porque nenhuma grande figura do partido quis comentar. Muitos, aliás, não foram sequer ouvi-la a Castelo de Vide, Alentejo. À hora da intervenção da nova líder estavam em Gaia ou no Porto a ver o espetáculo de acrobacia aérea que encheu as margens do Douro” o Red Bull Air Race.
Semelhanças com os tempos atuais são pura coincidência. Para o ano também há eleições. E Rui Rio também continua longe de ser um nome consensual entre os sociais-democratas para liderar o partido e a oposição ao Governo socialista (desta vez com o apoio dos partidos de esquerda).
Mais coincidências: em 2008, o Jornal de Negócios chamava o assunto da rentrée à capa da edição do dia com o título: “Governo sem margem para orçamento eleitoralista”. Uma notícia que podia ser capa nos dias de hoje com o primeiro-ministro António Costa a rejeitar a ideia de que o Orçamento do Estado para 2019 seja… eleitoralista.
No Público, chamava-se já a atenção para a instabilidade do setor financeiro americano com a intervenção do Governo na Freddie Mac e Fannie Mae, “dois gigantes do crédito hipotecário”, a quem foram disponibilizados até 200 mil milhões de dólares para evitar a falência. No Jornal de Negócios, fazia-se também uma referência à crise que se tinha iniciado em 2007 no mercado hipotecário norte-americano e que viria a fazer colapsar o Lehman Brothers poucos dias depois: “Fundos perdem 10 mil milhões”.
A queda do Lehman Brothers deitou por terra a ideia de que existiam instituições “too big to fail” (demasiado grandes para cair). Em 2008, somava 158 anos de atividade, tinha receitas líquidas anuais de cerca de 19,3 mil milhões de dólares e empregava quase 28.600 pessoas.
Estes números fazem parte do último relatório anual apresentado pelo banco, onde consta ainda que tinha ativos num valor superior a 690 mil milhões de dólares, número que vinha a aumentar significativamente a cada ano. Isso, porém, não impediu a sua falência. A dívida do banco, no momento do colapso, rondaria os 613 mil milhões de dólares.
Foi há 10 anos que o Lehman Brothers colapsou. O dia 15 de setembro marca simbolicamente o início da maior crise financeira dos últimos 80 anos. ‘Onde estava quando o Lehman faliu?’ é uma rubrica diária, de 1 a 15 de setembro, onde empresários, banqueiros, políticos, economistas e advogados dizem ao ECO como viveram a queda do banco e o que aprendemos com a crise.
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Diogo Leónidas Rocha: “Bancos eram muito grandes e precisavam de ser controlados. Hoje são ainda maiores”
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