Qual é, afinal, o regime das mais-valias imobiliárias?

Primeiro, foi o BE, depois o PSD, a apresentarem propostas para taxar o que classificam de "especulação imobiliária". Mas, afinal, como é o regime hoje? Advogados explicam.

Depois de o Bloco de Esquerda anunciar a chamada “taxa Robles” e de o PSD sugerir uma diferenciação na taxa do IRS sobre as mais-valias imobiliáriasduas propostas que visam travar o que chamam de “especulação imobiliária”, através de uma taxa especial ou de uma diferenciação da atual taxa para quem compra e vende num curto período de tempo e gera lucro — os problemas da bolha do mercado imobiliário têm sido o tema da semana.

Seja curto ou não o período de tempo em que se vende um imóvel depois de comprado, a verdade é que o lucro que se gera já é tributado pelo imposto de mais-valias. O ECO falou com alguns especialistas para perceber de que maneira este imposto funciona e se estas taxas podem ou não ser viáveis se aplicadas.

Na prática, esta taxa visa atacar as mais-valias, as quais, sublinhe-se, já são atualmente sujeitas a imposto“, diz Patrícia Viana, sócia especialista em direito imobiliário da Abreu Advogados.

Esta mais-valia é sujeita a tributação — pelo chamado imposto das mais-valias — e é aqui que assenta o fundamento dos que são contra a medida bloquista. “Na prática, a taxa Robles visa atacar as mais-valias, as quais já são atualmente sujeitas a imposto”, explica a advogada. Também António Costa reforçou essa ideia, ao rejeitar esta proposta do Bloco para o Orçamento de Estado, dizendo que além de ter sido “feita à pressa”, duplicava a ideia desse imposto.

“De uma forma geral, a mais-valia é a diferença entre o preço de compra (valor de aquisição, atualizado de acordo com coeficientes de correção monetária) e o preço de venda do imóvel (valor de realização), já deixando de fora os encargos dedutíveis“, explica José Pedroso de Melo, coordenador do departamento de fiscal da SRS Advogados.

Pessoas singulares

Quanto à sua tributação, esta varia conforme o vendedor seja uma pessoa singular ou coletiva. No caso das pessoas singulares, “o valor da mais-valia é tributado em 50% e sujeito às taxas gerais progressivas”, explica o advogado. Na prática, a tributação da mais-valia para pessoas singulares calcula-se pela seguinte fórmula:

(Valor de venda – Valor de aquisição ajustado ao ano de venda – Encargos dedutíveis) x 50

Quanto ao número de encargos que podem ser deduzidos do valor final a ser tributado, o advogado explica que “podem ser dedutíveis os impostos pagos na compra da casa que está a vender — como o IMT e o imposto de selo –, o custo da escritura, os registos da compra da casa, a valorização que tenha feito no imóvel nos últimos 12 anos, os custos associados ao certificado energético e ainda a comissão paga à agência imobiliária pela venda da sua casa“.

“As mais-valias imobiliárias auferidas por pessoas singulares residentes, para efeitos fiscais, em Portugal, são englobadas conjuntamente com os rendimentos das outras categorias de rendimento, aplicada a taxa progressiva correspondente”, explica ainda Ricardo Codeço, coordenador da equipa de direito fiscal da JPAB.

Contudo, é possível escapar a este imposto se o valor final da mais-valia da venda da casa for totalmente reinvestido numa nova habitação própria permanente ou na construção ou ampliação de um imóvel com a mesma finalidade. O vendedor pode gozar desta isenção nos três anos seguintes à venda do imóvel ou no ano anterior à compra. Caso não reinvista todos os ganhos obtidos na venda, o que sobrar irá ser incorporado na tributação de mais-valias.

Mas há uma exceção: também por aplicação da norma transitória que aprovou o Código do IRS, “os ganhos resultantes da venda de um bem imóvel adquirido antes de 1 de janeiro de 1989, exceto os terrenos para construção, não são sujeitos a IRS, encontrando-se excluídos de tributação“, diz o advogado da JPAB.

Já para não residentes em território português, a mais-valia é tributada a uma taxa especial de 28%, “não havendo lugar a reinvestimento”.

Empresas

Quando falamos de pessoas coletivas, o regime de tributação das mais-valias é diferente. As empresas ficam sujeitas a uma taxa de IRC de 21%, que incide sobre o total dos lucros anuais, nos quais se incluem as mais-valias, se existirem.

No caso das empresas poderá haver também uma isenção em 50% das mais-valias em caso de reinvestimento do valor de realização. Mas “é importante perceber, no entanto, que a maior parte das empresas que compram e vendem imóveis quando vendem não geram uma mais-valia (os imóveis neste caso são ativos para a venda, são mercadorias), e que, por isso, não é suscetível de reinvestimento”, explica o especialista.

Em que casos é que uma empresa tem, então, uma mais-valia? “Quando vende por exemplo um imóvel adquirido para ser um armazém, ou para abrir um escritório”.

Quanto aos fundos de investimento de pessoas singulares, “à partida estes estarão isentos de imposto quanto ao ganho e venda na compra de imóveis que façam. São isentos quanto às mais-valias”, acrescenta o advogado da SRS.

Quando um fundo de investimento mobiliário distribui rendimentos, estes ficam isentos de quaisquer impostos, na medida em que o próprio fundo já foi tributado por retenção na fonte. Do mesmo modo, os ganhos que resultam da diferença entre o valor do resgate e o valor de subscrição não estão sujeitos a qualquer tributação, pelos mesmos motivos. Assim, os investidores detentores de unidades de participação de fundos de investimento mobiliário estão isentos de tributação pelos rendimentos que daí obtêm.

No caso de ser uma sociedade responsável pelo fundo, os rendimentos que assumam a forma de mais-valias estão sujeitos a IRC e derrama, se existir, podendo os titulares deduzir no seu pagamento de imposto as verbas já liquidadas pelo próprio fundo.

Segundo explica Ricardo Codeço, no caso dos investidores estrangeiros que não sejam residentes fiscais em Portugal estes não beneficiam da prerrogativa do reinvestimento. “As sociedades comerciais não residentes sem estabelecimento estável, que aufiram rendimentos de mais-valias imobiliárias, são tributadas à taxa de 25%”.

Um travão para a especulação e para o investimento?

Sobre a eficiência desta taxa sugerida pelo BE, a advogada da Abreu refere que não chega para acabar com o problema atual na habitação no centro de Lisboa e Porto. “Este problema é inegável e é demasiado denso e complexo para ser redutoramente tratado como se de uma questão de impostos se tratasse“, refere.

Mas além de ser uma medida que visa travar a o que o BE classifica de especulação imobiliária, também pode ser um travão para o investimento. “A mera existência deste tipo de taxas vai, no mínimo, criar anticorpos em qualquer investidor que queira trabalhar no mercado imobiliário em Portugal, país que pode começar a perigosamente ser visto como avesso ao lucro”.

O advogado da JPAB admite que o imposto de mais-valias pode também um travão à especulação. Quanto à taxa Robles, o especialista diz que “não existem elementos para poder fazer uma avaliação da bondade da mesma”.

“Uma taxa implicará sempre a existência de uma contraprestação, que, neste caso, não existe. Deste modo, esta “Taxa Robles” poderá não ser mais do que um imposto camuflado e, nessa medida, enferma também de gritante ilegalidade, em função da perspetiva de uma dupla tributação. Explicando, esta nova taxa poderá pretender tributar uma realidade que já é taxada em sede de IRS – incrementos patrimoniais, que mais não são do que windfall gains (ganhos trazidos pelo vento), pese embora se reconheça o vigor dos ventos do atual mercado imobiliário português”, acrescenta.

Para José Pedroso de Melo, não são medidas como a taxa Robles que vão sequer travar a especulação. “Não têm que ser os impostos a regular as questões da oferta e da procura, é o Estado que deve concretizar medidas que façam essa regulação se necessária, e dito isto, quer dizer, parece um absurdo porque se eu tiver uma mais-valia maior vou ser mais tributado, é claro como a água. Pago mais imposto”.

Por isso, “a criação de uma taxa não resolve o problema. Até porque a tendência será para o vendedor aumentar o preço da venda por forma a compensar o imposto adicional”. Sobre a especulação na venda e compra de imóveis em curto tempo, o advogado diz que não é o Estado que tem de controlar quando é que alguém decide comprar ou vender a casa, além de que medidas como esta desincentivam o investimento.

“O agravamento do imposto significaria uma redução do ganho porque estaríamos a agravar a nossa tributação – que já é elevada – mas o que me preocupa mais, pelo sinal que dá é que as pessoas aqui não acarinham nem dão valor nenhum a este fator confiança, que é o que mais afasta os investidores“.

Quanto à medida proposta pelo PSD que, para já, pretende incidir sobre o agravamento da taxa de mais-valias (em sede de IRS) para quem compra e vende num curto espaço de tempo, o advogado da SRS diz que não lhe choca que se estabeleça uma taxa diferenciada em função do prazo de detenção dos ativos, mas com uma condição: “Desde que daí não resulte um agravamento da taxa máxima atualmente existente”. “Isto é, só se for no sentido de reduzir a taxa para quem detenha o imóvel por mais tempo. E mais sentido faria se fosse acompanhada de medidas de incentivo ao arrendamento por forma a libertar mais imóveis para o arrendamento tradicional“.

Já o especialista em direito fiscal pela JPAB aponta no mesmo sentido. “Se, desta proposta do PSD resultar um agravamento do atual imposto mesmo para quem vende num curto espaço de tempo, irá ao arrepio do que deve ser uma política de captação de investimento e recuperação do parque habitacional. Mas se da mesma resultar uma diminuição do imposto para quem detenha o imóvel por um determinado período de tempo mais alargado (cerca de dez anos como tem sido noticiado), então a proposta será bem-vinda“, conclui.

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