Ter tirado Direito na Católica pode não estar no cartão de visita de Pedro Marques Lopes, mas acompanha-o desde sempre. À Advocatus fala da sua influência no que faz e diz hoje, como opinion maker.
Há poucas coisas que passam ao lado de Pedro Marques Lopes. Já trabalhou num cash and carry e no antigo Feira Nova, mas hoje em dia é como colunista e comentador que o conhecemos melhor. Diz que tirou o curso de Direito, pela Católica, numa altura em que estava “bem perdido”. Se tivesse de escolher uma cor para as questões importantes da vida, seria o cinzento. Em conversa, cita Tony Judt sobre “edge people”, mas, afinal, o que será que é ser-se assim?
É perto da hora do almoço quando Pedro Marques Lopes irrompe pelo Ritz com um ar descontraído e cortês. Algures à mesma hora está Aga Khan também por Lisboa, onde veio para celebrar os seus 60 anos. Encontramos alguns dos seus seguidores pelo hotel e o burburinho que nos acompanha vai-se distanciando, gradualmente.
Marques Lopes esboça um sorriso quando, uma vez recostado e escusando-se a demoras, viaja rapidamente ao tempo rebelde da adolescência. É um regresso ao rescaldo da revolução, às memórias do liceu e a uma fase em que era “facilmente desconcentrado”. “Entrei para o liceu entre 1975 e 1976, vivia se ainda alguma da convulsão do 25 de abril e o sistema educativo sofria um período de mudanças e evoluções mal-organizadas.
Houve um ano letivo, por exemplo, em que estivemos de férias até janeiro”. Era, pois, quando a vida escolar seguia demasiado tranquila que o seu percurso sofre um abalo na altura em que o liceu chega ao fim.
Para quem nunca teve um caderno e passar de ano foi sempre fácil, chegar a Direito na Católica foi como um balde de água fria. “Quando entrei para a faculdade, estava bem perdido. Fui para Direito por não saber o que escolher e a adaptação ao curso custou-me muito. Não fiz nenhuma cadeira no primeiro ano”, conta, dividido entre a vontade de se repreender e a saudade de mandriar.
O meu primeiro emprego foi como merceeiro num chamado cash and carry, porque a minha família era dona de empresas de distribuição familiar. Passei pelo Feira Nova. Trabalhei durante o curso em bombas de gasolina, daí dizer que fui gasolineiro… Já fui e fiz imensas coisas. Eu sou velho, pá! (risos).
Foi depois de um “puxão de orelhas” que se aplicou a valer. Na verdade, confessa que até acabou por gostar do curso. O que é certo é que aprendeu a lição e Direito tornou-se, mais do que uma licenciatura para o CV, numa ferramenta essencial para tudo aquilo que faz.
“Tenho sempre este sentimento ambíguo de que o curso… eu não o usei, portanto não o devia ter tirado, devia ter-me dedicado a outra coisa, mais próxima daquilo que eu faço agora, que é o que de facto me dá prazer. Umas vezes penso isso, mas noutras percebo, sendo esse o sentimento prevalecente, que o curso me ajudou em muitas coisas ao longo da minha vida, sobretudo na vida que eu tenho neste momento. Há ensinamentos que guardei dessa altura e que reconheço quando tenho de escrever, de falar sobre alguma coisa e penso “eu sei isto, e já sei há muitos anos”. Agora sinto menos isso, mas no princípio – quando comecei a fazer o que faço agora – vivia muito com essa sensação.
É assim que o curso vai acompanhando o percurso do atual colunista, em jornais como o Diário de Notícias e o desportivo A Bola, e também comentador, nomeadamente no “Eixo do Mal”. Ser advogado nunca foi uma aspiração, garante, mesmo para quem ainda tentou. “Quando acabei o curso ainda comecei a fazer o estágio, mas percebi logo que aquilo provavelmente não era para mim. Por detrás dessa escolha, havia também um grande peso familiar associado. A minha família estava na altura ligada a grandes e importantes empresas e, portanto, houve ali uma conjugação de situações: tanto o facto de perceber que aquilo não era o que eu queria fazer, nem pouco mais ou menos, e por outro lado o de haver essa pressão externa, de estar mais focado na gestão das empresas da minha família. E foi essa a escolha que me coube e que tomei na altura”. Essa opção acabaria por se traduzir numa série de trabalhos onde hoje é difícil de imaginá-lo.
“O meu primeiro emprego foi como merceeiro num chamado cash and carry, porque a minha família era dona de empresas de distribuição familiar. Passei pelo Feira Nova. Trabalhei durante o curso em bombas de gasolina, daí dizer que fui gasolineiro… Já fui e fiz imensas coisas. Eu sou velho, pá! (risos). Já fui bancário porque trabalhei no banco Mello. Vendedor de linhas de comunicação numa empresa que foi concorrente da PT. E ainda cauteleiro, porque fui administrador da Casa da Sorte, que vende cautelas”. A lista parece infinita.
O Tony Judt tem um texto magnífico intitulado “Edge People”. E ele aí diz que o século XXI não vai ser um século bom para aqueles que são tolerantes, para aqueles que tentam ver as coisas dos vários ângulos – a quem ele chama de the edge people, não vai ser fácil para eles. E eu sinto exatamente isso, custa-me muito entrar nesta lógica da confrontação pela confrontação. Do dizer “sou daqui, portanto vou sempre defender isto”. Não me incluo aí.
Foi também a gestão das empresas familiares o que o levou a tirar mais tarde um MBA na Nova. Hoje em dia, porém, diz que o que faz é mais simples. “Eu agora sou colunista, basicamente. Incluo isso, além de comentador, porque a minha função principal é escrever”. A escrita preenche-o, mas é em dar a cara e a voz que encontra a maneira natural de dizer o que pensa. “Aquilo de que eu gosto de fazer mais é mesmo rádio e televisão, é o que mais gozo direto me dá – o que eu sinto que faço com menos esforço”, conta.
“A situação na política tem-se futebolizado”
Seja sobre bola ou o último tiro no pé do governo, Marques Lopes não se abstém de comentar o que quer que seja. Embora o futebol e a política padeçam de males semelhantes, defende ele. “O futebol é cansativo, com toda a cobertura e feedback que tem, mas a política também. O futebol é mais passional, mas a verdade é que eu sinto que ultimamente a situação na política se tem futebolizado. Assistimos a um crescendo – que espero que pare – de futebolização da política”. Mas como se dá esse fenómeno?
“Quando eu falo da futebolização da política, sempre tivemos um bocadinho isto: ou eu voto PS no matter what, ou voto PSD… Quer dizer, as pessoas são do PSD ou do PS como são do Benfica ou do Sporting. Para mim isto não faz sentido. E isto tem muito a ver com o extremar do discurso político, onde foram cavadas trincheiras muito profundas, pelas razões da crise que nós atravessámos, políticos que levaram muito a fundo o conflito”.
“E eu sinto que os nossos órgãos de comunicação social – e isto não é crítica – enveredaram muitas das vezes por uma cultura simplista, em termos de quem faz análise política, a lógica é sempre: ‘vamos aqui arranjar um rapaz de esquerda, vamos arranjar um rapaz de direita, um que diga que isto é branco e outro que diga que isto é preto’”.
O último processo que tive foi levantado pelo Bruno de Carvalho. Processou-me. E eu e o meu advogado, o Francisco Proença de Carvalho, divertimo-nos tanto que ele é que devia ter-me pago a mim por este processo. Achei inacreditável ele ter-me cobrado honorários (risos). Ficámos com cada história dessa altura…
É aqui que entra o cinzento na vida de Pedro Marques Lopes: nesta dicotomia que chega a todos os quadrantes e que empurra as pessoas a escolher entre um lado ou outro, e a que ele se recusa. “Porque não sou preto no branco”, diz.
“O Tony Judt tem um texto magnífico intitulado “Edge People”. E ele aí diz que o século XXI não vai ser um século bom para aqueles que são tolerantes, para aqueles que tentam ver as coisas dos vários ângulos – a quem ele chama de the edge people, não vai ser fácil para eles. E eu sinto exatamente isso, custa-me muito entrar nesta lógica da confrontação pela confrontação. Do dizer “sou daqui, portanto vou sempre defender isto”. Não me incluo aí”.
Quanto à geringonça, garante que esta não é um modelo de sucesso, mas que é irrepetível, e faz o elogio a António Costa por “não se deixar aprisionar por algumas das suas convicções. Não se deixa acantonar”. Está expectante em relação a Rui Rio, quem considera ter sido “uma ótima escolha do PSD neste momento porque travou uma radicalização do discurso do partido”.
O dia em que Bruno de Carvalho processou Marques Lopes
Políticas à parte, o futebol já lhe deu dores de cabeça na justiça. “O último processo que tive foi levantado pelo Bruno de Carvalho. Processou-me. E eu e o meu advogado, o Francisco Proença de Carvalho, divertimo-nos tanto que ele é que devia ter-me pago a mim por este processo. Achei inacreditável ele ter-me cobrado honorários (risos). Ficámos com cada história dessa altura…”.
Em causa estava um artigo que escreveu na “A Bola” a que Bruno de Carvalho não achou muita graça. “Nem sequer cheguei a ser acusado pelo Ministério Público. E essa foi a última vez que precisei de um advogado”, diz, entre risos.
Ainda assim, para quem comenta em tanto espaço público só ter um processo por injúria e difamação parece difícil de acreditar. Mas Marques Lopes rapidamente se justifica: “Eu tenho cuidado. Há um tipo de colunismo – a que chamo de taxista – que é fácil. A pessoa usa o seu tempo de antena para dizer que fulano tal é uma besta, e isso tem mercado. Eu evito e custa-me ver colegas meus a condenar, a fazer um papel pouco sério de acusar, julgar e aplicar a sentença a toda a gente e mais alguma”.
E continua: “Isso é verdadeiramente espantoso. E o que me perturba a maior parte das vezes é que eles estão convencidos de que sabem o que estão a fazer. E eu tenho cuidado, quer dizer… Penso duas vezes antes de chamar nomes às pessoas”. Talvez seja isso mesmo que é ser-se edge hoje em dia.
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Pedro Marques Lopes: “Assistimos a um crescendo de futebolização da política”
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