Ao fim de seis meses do Free Electrons, fomos perceber as tendências no setor da energia e como se prepararam as startups para uma experiência destas.
São 15 as startups mas os concorrentes envolvidos são muitos mais. A poucas horas de se conhecer a startup vencedora do Free Electrons, as equipas preparam as palavras finais para convencer o júri de que merecem levar para casa o tão desejado prémio de 200 mil dólares. Noites em claro, pormenores pensados ao pormenor, discursos ensaiados várias vezes… foram vários os passos dados para se prepararem e o ECO foi descobrir as novidades e os segredos para se ser a melhor startup no mundo da energia.
“É uma situação fascinante ter dez grandes empresas elétricas juntas e, ao mesmo tempo, tu poderes falar com elas. Para nós foi uma experiência entusiasmante”, conta ao ECO Valentin Muenzel, CEO da Relectrify. Esta startup australiana é capaz de reaproveitar baterias de carros elétricos e dar-lhe mais tempo útil de vida, permitindo que sejam usadas novamente em casa, por exemplo. “Obtém-se uma duração mais elevada e de forma sustentável. Para tornar isso possível usamos equipamentos eletrónicos e hardware, mas a mais-valia é o software, através de algoritmos”, explica.
Valentin não esconde o entusiasmo por participar no Free Electrons e depressa conta que, durante estes seis meses do programa — que decorreram em Lisboa, São Francisco e Sidney nas fases anteriores –, a Relectrify arrecadou um investimento por parte de três elétricas. “Decidimos que queríamos entrar porque queríamos fazer um grande projeto e este projeto é tão grande que só faz sentido se várias energéticas entrarem. Trabalhar com uma grande empresa é difícil, mas trabalhar com várias num só projeto é ainda mais desafiante”.
"Se apresentares algo que não tenha um negócio sólido, vai ser difícil criar alguma coisa. Mas se tiveres algo sólido, então certifica-te que te explicas bem, quais são os benefícios e porque é que as pessoas devem estar interessadas no que tu fazes.”
Confiante de que as tecnologias da startup vão funcionar a grande escala, ainda assim, o australiano tem noção de que, para ter sucesso, “é preciso ter a certeza de que se tem um negócio sólido”. “O programa tornou-se muito intenso rapidamente. Se apresentares algo que não tenha um negócio sólido, vai ser difícil criar alguma coisa. Mas se tiveres algo sólido, então certifica-te que te explicas bem, quais são os benefícios e porque é que as pessoas devem estar interessadas no que tu fazes“, atira.
Entre risos, Valentin avisa que, no futuro, “a energia vai mudar”, não fossem eles uns inovadores. “Nós estamos a criar essa mudança, certo? Nós somos parte do movimento. Acredito que o armazenamento de energia será uma parte. O nosso sonho é ter baterias mais resistentes, mais baratas e que durem mais cinco anos do que o normal”, confessa.
“Ganhar era a cereja no topo do bolo, mas o bolo já temos”
Sílvio Rodrigues é português e faz parte da Jungle, uma das duas startups portuguesas inscritas no Free Electrons, e também ela conseguiu um investimento por parte da EDP. A pedido do ECO, explicou o que fazem, de uma forma bastante simples: “Somos uma empresa de pesquisa de algoritmos de Inteligência Artificial (IA) que os aplica para resolver problemas industriais. Usamos dados históricos de grandes máquinas elétricas e turbinas eólicas e desenvolvemos modelos que entendem como elas funcionam e se — e como –, vão falhar no futuro”.
“São uma excelente empresa, meia portuguesa, meia holandesa. No início nem estava verticalizada para a energia e essa verticalização deve-se à EDP. O primeiro contacto aconteceu num evento em Amesterdão, em que eles ganharam“. É assim que Luís Manuel, administrador da EDP Inovação, descreve ao ECO a Jungle. Até à data, conta Sílvio, a experiência tem sido “bastante positiva”. “Já tínhamos sido convidados para muitos programas no passado mas recusámos sempre porque achávamos que era melhor estar no terreno a resolver os problemas dos nossos clientes. Mas quando analisámos melhor, percebemos que foi a melhor decisão que já tomámos”.
Embora seja portuguesa, a Jungle foi criada na Holanda, tendo-se mudado para Lisboa porque a capital estava a “criar um ecossistema de startups à volta, havia bastantes pessoas técnicas à procura de oportunidades e desafios”. O Free Electrons permite isso mesmo, perceber o que procuram as pessoas e as empresas e descobrir as melhores oportunidades de negócio. Sobre a parceria com a EDP, Sílvio recorda: “houve muito trabalho do nosso lado porque necessitávamos de pessoas para nos ajudar, uma vez que a tecnologia que temos está a ser procurada no mercado“. Foi ao falar com muitos utilizadores que a startup percebeu do que estavam à procura.
"Houve muito trabalho do nosso lado porque necessitávamos de pessoas para nos ajudar, uma vez que a tecnologia que temos está a ser procurada no mercado.”
Qual o segredo e os passos a dar numa experiência destas? “Tens que te aplicar e ser escolhido, mas antes de nos candidatarmos validámos a nossa tecnologia e área de negócio com os dados e onde há vontade e necessidade de se inovar. Já tínhamos identificado que a energia e as utilities eram o que queríamos atacar”, responde o fundador. Questionado se esperam ganhar o programa — o que os tornaria na segunda startup portuguesa a levar o troféu para casa –, a resposta chega num tom humilde. “Acho que já ganhámos. Porque se olhar para a empresa como era e como está agora, estamos num patamar muito diferente porque a equipa cresceu para o dobro, o número de clientes aumentou e realizamos pilotos de sucesso com a EDP e a Inoggy (espécie de EDP na Alemanha). Ganhar era simplesmente a cereja no topo do bolo, mas o bolo já temos“.
“Queremos criar um mercado onde se pode partilhar eletricidade”
Nos últimos dois dias do Free Electrons, para onde quer que olhássemos, lá estava Sebastian Groh, da SOLShare. Nascido na Alemanha mas com uma startup fundada para ajudar as vilas de Bangladesh, Sebastian destaca-se nesta edição por ter como propósito uma causa social aliada à partilha de energia. “Oferecemos às pessoas a possibilidade de partilhar eletricidade. O que torna isto único é que há várias vilas em Bangladesh onde as pessoas não têm acesso a eletricidade, ou seja, elas vivem fora da rede”, conta ao ECO. Dos mais de 150 milhões de habitantes que existem em Bangladesh, estimam-se que haja cinco milhões de sistemas solares individuais, o que representa um número recorde, uma vez que é maior do que o número de sistemas solares de todos os países do mundo.
Por volta das 14h, quando o sol brilha, a bateria dos sistemas solares fica completamente cheia, explica Sebastian. E aquela quantidade de energia que não for utilizada vai-se perder. “É essa energia que queremos tornar útil, porque é muito preciosa. Não estamos a falar de meia dúzia de quilowatts, estamos a falar de dez dólares por quilowatt por hora perdidos. Isso significa que há milhões e milhões de dólares perdidos na rua todos os dias, em Bangladesh“. Assim, a ideia é conectar as casas das pessoas com mais possibilidades com estes sistemas solares, através de uma tecnologia que permite transferir a energia que não é utilizada para outra casa. “Queremos criar um mercado onde se pode partilhar eletricidade“.
Sebastian não consegue pensar em coisas menos boas sobre o Free Electrons. “Conhecemos muitos investidores. Por isso, quando penso no programa, só penso em coisas positivas”, confessa. Olhando para trás, como tudo começou e como se preparou para este desafio, o empreendedor conta como foi a chegada a Lisboa: “Chegámos e dissemos ‘Olhem para nós, construímos uma coisa em Bangladesh que vocês não têm cá e que vai garantir o futuro da energia lá“. Primeiro, as utilities ficaram muito céticas, mas acabou por conseguir convencê-las. E parece que realmente deixou todos convencidos. A SOLShare foi a startup vencedora do Free Electrons e levou para casa 200 mil dólares.
“Tudo será muito dependente da energia elétrica”
Demoraram a ser encontrados no meio de centenas de pessoas, mas finalmente apareceram. Ricardo Costa e Pedro Borges são os responsáveis pela Loqr, a segunda startup portuguesa inscrita no Free Electrons. Em conversa com o ECO, Ricardo, CEO, começa por contar que a Loqr nasceu há cerca de três anos e trabalha atualmente com bancos nacionais, um deles o banco BiG, sem querer especificar quais. “Estamos focados na gestão de identidades digitais, desde a aquisição à gestão do custo de vida e à interceção com a entidade digital. Qualquer coisa que seja necessária para fins comerciais ou que requeira interação com identidade digital”. Simplificando, esta tecnologia é usada pela banca para fazer a abertura ou retoma de contas, sem a pessoa ter que ir ao banco. Pode usar a aplicação do banco, fazer upload dos documentos e depois é-lhe pedido um vídeo para validar a identidade. Um processo que, de acordo com os dois empreendedores, demora cerca de dez a 15 minutos.
Inicialmente, a Loqr estava focada na área financeira e banca mas, quando apareceu o Free Electrons, a startup decidiu “abrir uma nova vertical”. “Foi uma oportunidade de nos expandirmos e foi um sucesso porque isso permitiu-nos ter um projeto em produção com a CLP (uma espécie de EDP da China) e conseguir alavancar isso para aplicar noutras utilities presentes. Com a EDP e a ESB da Irlanda as expectativas foram bastantes superadas porque eram setores onde ainda não estávamos presentes”, conta Ricardo. Para Pedro Borges, CTO, tudo isto foi “bastante positivo”.
No futuro, “tudo será muito dependente da energia elétrica”, dizem. “Vamos deixar de utilizar outras formas de energia que não a elétrica e muitos desafios de como garantir que temos sempre a energia de que necessitamos, assumindo que queremos usar cada vez mais renováveis para melhorar o ambiente”, diz o CEO. O desafio vai ser não impactar o ambiente, mantendo o conforto com todas as energias disponíveis. E ainda a questão dos veículos elétricos e da micro geração, uma vez que “todos nós teremos micro geração de energia em casa para garantir que a rede fornece apenas o essencial que precisamos de consumir”.
"Isto para nós não foi um desafio maior do que aquele a que estávamos habituados, já conhecíamos o meio e estamos preparados para isso. Foi aplicar a mesma tecnologia, numa vertente ligeiramente diferente.”
Sobre os últimos meses de preparação para a final, tanto Ricardo como Pedro se mostram confiantes e tranquilos. “Apresentamos um modelo zero do que fazíamos e das mais-valias que podíamos trazer para as utilities”. Garantem que não tiveram de se preparar “internamente”, uma vez que já têm três anos de atividade e mais de 20 de experiência profissional. “Isto para nós não foi um desafio maior do que aquele a que estávamos habituados, já conhecíamos o meio e estamos preparados para isso. Foi aplicar a mesma tecnologia, numa vertente ligeiramente diferente”, conta Pedro. “Foi algo que foi desafiante. Para nós foi simples, desafiante mas simples”, remata.
(Notícia atualizada às 19h35 com informação do vencedor. A jornalista viajou até Berlim a convite da EDP)
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Após seis meses de Free Electrons, o que trazem e como se prepararam as startups para a grande final?
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