Carlos Alexandre vai ser alvo de inquérito disciplinar por levantar dúvidas sobre sorteio do processo Marquês
Em causa as dúvidas sobre a transparência do sorteio informático que colocou nas mãos de Ivo Rosa a responsabilidade pela instrução criminal da Operação Marquês.
O juiz Carlos Alexandre vai ser alvo de um inquérito disciplinar, segundo apurou o ECO. Em causa as dúvidas levantadas pelo juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal sobre a transparência do sorteio informático que colocou nas mãos de Ivo Rosa a responsabilidade pela instrução criminal da Operação Marquês. Em entrevista à RTP, que passa hoje à noite, Carlos Alexandre diz que “há uma aleatoriedade que pode ser maior ou menor” de acordo com o número de processos atribuídos a cada juiz.
Deste modo, questionado sobre se a distribuição de processos consecutivos a um determinado juiz pode colocar em causa a aleatoriedade do sorteio, Alexandre responde: “Sim, pode alterar-se significativamente”.
“Dada a gravidade das declarações prestadas foi determinado, por despacho hoje proferido pelo Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, Conselheiro Mário Belo Morgado, a abertura de inquérito, para cabal esclarecimento de todas as questões suscitadas pela entrevista em causa que sejam suscetíveis de relevar no âmbito das competências do CSM”, esclareceu o comunicado do órgão que fiscaliza os magistrados judiciais.
Em causa está o sorteio informático realizado a 28 de setembro que acabou por escolher por escolher Ivo Rosa para a fase de instrução criminal da Operação Marquês. Deveria ter sido Carlos Alexandre a presidir a distribuição, mas o juiz decidiu colocar folgas e, portanto, não esteve presente. E acabou por ser assistido apenas por jornalistas e pelo magistrado Ivo Rosa.
O CSM vai ainda analisar de que forma funciona o sistema informático que distribui, em princípio de forma aleatória, os processos judiciais pelos vários juízes existentes em cada tribunal. Também irá tentar perceber se houve alguma anomalia na distribuição de processos no Tribunal Central de Instrução Criminal.
“No decurso do dia de hoje, a RTP tem transmitido extratos de uma entrevista concedida pelo Senhor Juiz Dr. Carlos Alexandre, os quais estão a ser interpretados em diversos órgãos de Comunicação Social como reportados a determinado processo concreto e dirigidos a pôr em causa o respetivo ato de distribuição no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC). De acordo com todos os elementos técnicos disponíveis, a distribuição eletrónica de processos é sempre aleatória, não equilibrando diariamente, nem em qualquer outro período temporal susceptível de ser conhecido antecipadamente, os processos distribuídos a cada juiz”, diz a mesma nota do CSM.
O juiz Ivo Rosa era a escolha mais esperada entre os arguidos deste megaprocesso, depois de Carlos Alexandre ter estado à frente da fase de inquérito, e por Ivo Rosa ser conhecido por dar algum “travão” às teses defendidas pelos procuradores do Ministério Público.
“Calhou-me a mim”, disse o juiz, que deixou a sala do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) onde foi feito o sorteio, assim que o resultado foi revelado, à frente de uma dúzia de jornalistas e apenas uma advogada.
O processo de seleção do juiz teve por base um sorteio — feito por via eletrónica — e o resultado foi um de dois cenários possíveis, dado que Ivo Rosa só divide o TCIC com o juiz Carlos Alexandre.
Recorde-se que a Operação Marquês tem como principal arguido o ex-primeiro-ministro, José Sócrates, que está acusado de 31 crimes. O inquérito deste processo resultou na acusação de 28 arguidos — 19 pessoas (entre as quais o ex-ministro Armando Vara e o banqueiro Ricardo Salgado) e nove empresas — e está relacionado com a prática de quase duas centenas de crimes económico e financeiros.
Esta nova fase de instrução é uma fase processual, meramente facultativa. Na prática consiste numa espécie de “pré-julgamento”, isto é, visa confirmar ou não os indícios recolhidos na fase de investigação e pode ser requerida pelos arguidos como forma de tentar impedir que cheguem a julgamento. Poderá, por isso, resultar no fim do processo, caso Ivo Rosa decida dar razão às defesas e não seguir para a próxima fase.
Perante este cenário, o juiz Ivo Rosa ficará agora em exclusividade para a instrução de dois processos no Tribunal Central de Instrução Criminal que tem em mãos, que vigorará até que sejam proferidas as respetivas decisões instrutórias.
Ainda segundo o Conselho Superior da Magistratura, enquanto durar o regime de exclusividade, Ivo Rosa será substituído, no serviço remanescente, pela juíza Ana Peres.
Dos 28 arguidos houve 13 a pedirem a abertura desta fase, entre eles José Sócrates, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava, Armando Vara, Hélder Bataglia e Carlos Santos Silva.
Apenas Ricardo Salgado não requereu seguir para instrução. Os advogados do ex-banqueiro defenderam que o arguido “não pretende sujeitar-se ao risco de se submeter a este cenário”.
Sobre ter calhado a Ivo Rosa esta fase, o advogado de Sócrates João Araújo disse ao ECO que “o resultado não importa, mas finalmente no processo há um juiz legal e não um escolhido pelo Ministério Público. Não gostaria que fosse o Carlos Alexandre porque não é um juiz imparcial“, rematou.
“Não tenho qualquer comentário, a não ser a manifestação do respeito pelo trabalho dos senhores magistrados, em geral, e do senhor magistrado em causa, em particular, tendo testemunhado ao longo dos anos a sua isenção, o seu saber e empenho, à semelhança, aliás, de outros com quem tenho trabalhado e que igualmente considero” referiu Rui Patrício, advogado de de Hélder Bataglia, sobre a escolha de Ivo Rosa, ao ECO.
João Medeiros, advogado de Diogo Ferreira, e Francisco Proença de Carvalho, advogado de Ricardo Salgado, não quiseram comentar o resultado. Já a advogada de Carlos Santos Silva, Paula Lourenço, afirmou que fica “satisfeita por não ser o mesmo juiz que fez o acompanhamento de toda a fase de inquérito”. Tiago Rodrigues Basto, advogado de Armando Vara, declarou que “a questão não era que tinha de ser o juiz Ivo Rosa. Não podia era ser Carlos Alexandre. Agora temos um juiz que vai aferir o que se passou e se há algum problema para a validade dos atos praticados por Carlos Alexandre”.
O juiz madeirense é conhecido por ser reservado, mas polémico, já que é habitual recusar as diligências dos procuradores nas suas decisões, o que lhe tem valido vários recursos e a fama de “persona non grata” entre o Ministério Público. Exemplo mais recente disso foi com o caso dos CMEC, da EDP, em que Ivo Rosa não autorizou buscas ao ex-ministro da economia Manuel Pinho e invalidou a sua constituição como arguido.
Muitos dos seus julgamentos acabaram em absolvições nas Varas Criminais, dado que o juiz costuma decidir com base na existência ou não de uma prova direta, isto é, uma prova considerada categórica ou científica, mais típica em casos de homicídio, e difícil de obter em crimes económicos, onde a prova é, regra geral, de natureza circunstancial.
Entre as decisões mais polémicas estão a do caso do “gangue do multibanco”, em que Ivo Rosa absolveu 11 dos 12 arguidos envolvidos, por não existir, precisamente, nenhuma prova direta. Entre vários crimes, os suspeitos estavam acusados de associação criminosa, roubos e furtos qualificados por assaltarem caixas automáticas. Apenas um membro foi condenado, mas por tráfico de droga.
A decisão foi recorrida e os juízes da Relação de Lisboa anularam a decisão da primeira instância e mandaram repetir o julgamento com outro coletivo, entendendo que foi “com um misto de incompreensão e perplexidade” que tentaram entender as absolvições. Quanto à apreciação da prova consideraram ter mesmo havido um “erro grosseiro e ostensivo”. Em abril de 2012, no segundo julgamento, foram condenados oito dos 12 elementos do grupo, cinco dos quais a penas de prisão efetivas.
As posições de Ivo Rosa já lhe valeram várias participações de procuradores ao Conselho Superior de Magistratura, além de vários recursos para a Relação de Lisboa, muito dos quais alteraram as suas decisões.
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