Empresas portuguesas estão a investir no digital. Mas não têm uma estratégia
As empresas nacionais têm noção de que o digital já lhes está a transformar o negócio, mas acreditam que o fenómeno ainda está "numa fase inicial". Investimentos ainda não têm em conta a estratégia.
As empresas portuguesas estão conscientes de que a transformação digital dos negócios “já se iniciou”, mas consideram que o fenómeno ainda se encontra “numa fase inicial”. Além disso, os investimentos concentram-se em “tecnologias mais consolidadas” e há uma menor aposta “em tecnologias com maior potencial disruptivo”. Estes investimentos, muitas vezes, não se integram no planeamento estratégico das companhias, pelo que toda esta atividade pode ser “supérflua” ou um “desperdício”.
Estas são algumas das conclusões de um novo estudo elaborado pelo Observatório de Impacto Digital EY Nova SBE, que teve como objetivo analisar “os níveis de maturidade digital e de confiança das empresas portuguesas em relação ao futuro digital. Apresentado esta quarta-feira na conferência Beyond, promovida pela EY em Lisboa, é o resultado de entrevistas a 102 participantes, a maioria provenientes de empresas com mais de 250 colaboradores e receitas entre 50 milhões e 250 milhões de euros. As pequenas e médias empresas (PME) não estão representadas na amostra.
"Se há otimismo, e há uma adoção de tecnologia aparentemente sem correlação com a oportunidade de impacto por setor, verifica-se que toda esta atividade não tem devido suporte estratégico claro e sem o qual o progresso de transformação pode não ser mais do que atividade supérflua ou desperdício.”
“O estudo Maturidade Digital das Empresas em Portugal revela que as empresas reconhecem que a transformação digital está a criar oportunidades para a proliferação de novos produtos e serviços e novos modelos de negócio, mas conclui que os investimentos em digital ainda estão a descurar as vertentes de pessoas e organização, a gestão de informação, a estratégia e a liderança — uma realidade que pode criar riscos a médio prazo”, alerta a EY, num comunicado.
Esta é, aliás, uma “surpresa” para os investigadores, que a consideram “a mais preocupante”. O estudo concluiu que se regista um “baixo nível de incorporação da transformação digital no planeamento estratégico”. “Se há otimismo, e há uma adoção de tecnologia aparentemente sem correlação com a oportunidade de impacto por setor, verifica-se que toda esta atividade não tem devido suporte estratégico claro e sem o qual o progresso de transformação pode não ser mais do que atividade supérflua ou desperdício”, lê-se no estudo.
Além disso, para os investigadores do Observatório da EY e da Nova SBE, foi “surpreendente” perceber que a “larga maioria” das empresas acredita estar mais avançada do que a concorrência” na capitalização da transformação digital, o que revela um “nível de otimismo” mais elevado. Das que reportaram um atraso, “apenas dois” participantes “reportaram medo de não conseguir recuperar nos próximos cinco anos”.
Numa apresentação inserida na conferência Beyond, Bruno Padinha, digital leader da EY Portugal, considerou que toda a mudança que está a acontecer no mundo “traz riscos muitos sérios que temos de considerar e com que temos de lidar”. E alertou que tecnologias como a automação provocarão “o desaparecimento de muitos dos atuais postos de trabalho”. “A automação põe em causa todo o tipo de profissões e atividades. Muitas das funções podem ser substituídas por tecnologia que já está hoje a ser aplicada — pelo menos parcialmente”, indicou.
Em Portugal, estamos um bocadinho convencidos demais de que sabemos o caminho.
“Se não se sentem perdidos, é porque ainda não perceberam o que aí vem”
Na apresentação do estudo, Daniel Traça, dean da Nova SBE, deixou vários alertas aos empresários portugueses. “Se não se sentem perdidos, é porque ainda não perceberam o que aí vem”, afirmou, acrescentando que, “em Portugal, estamos um bocadinho convencidos demais de que sabemos o caminho”. “O grau de otimismo é enorme”, atirou.
“Nós estamos num movimento de globalização, de tecnologia, de demografia. É o que os engenheiros chamam de curva exponencial”, disse Daniel Traça. Para exemplificar, focou-se no setor da advocacia e num algoritmo desenvolvido pela LawGeex. Esta empresa pôs duas dezenas de “advogados experientes” a analisar contratos à procura de erros, numa competição com o algoritmo. Os advogados demoraram, em média, 92 minutos para encontrarem 85% dos erros nos contratos. O algoritmo encontrou 94% dos erros… em 26 segundos.
Num apelo à criação de inovação, Daniel Traça indicou que “a única forma” de fazer isso “é de fora para dentro” das organizações — e criticou as “organizações preguiçosas que nunca tiveram vontade de mudar”. Por isso, desenhou uma linha orientadora para as empresas abraçarem corretamente a transformação digital, com estratégia e não apenas de forma tosca: é preciso uma “alteração de liderança, de estratégia, de propósito da organização”. “Não é uma alteração de criar sites na internet e digitalizar documentos, sem digitalizar os processos”, afirmou o dean da Nova SBE.
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