Saiba o que diz o acordo preliminar do Brexit, ponto por ponto

O acordo preliminar para o Brexit foi ontem aprovado pelos ministros de May. 17 meses de negociações culminam em mais de 500 páginas sobre o futuro entre Reino Unido e UE. Saiba o que ficou definido.

Lídia Leão / ECOLídia Leão / ECO

Depois de uma reunião de emergência esta quarta-feira, que durou mais de cinco horas, o Conselho de Ministros britânico aprovou a proposta do acordo técnico conseguida entre Londres e Bruxelas. Mas a decisão não foi fácil, e não isenta Theresa May de baixas no governo. Até agora, foram quatro os ministros que já pediram demissão, entre eles Dominic Raab, ministro britânico para o Brexit, que discordou dos pontos finais acordados em relação à fronteira da Irlanda do Norte.

Falta agora o acordo passar pela Câmara dos Comuns em sessão plenária e May conta já com cimeira extraordinária marcada por Donald Tusk para 25 de novembro, onde a versão final do acordo será ratificada.

Com um esboço do acordo delineado, falta perceber o que ficou, afinal, definido para o divórcio entre Reino Unido e União Europeia. Vamos a números: foram 17 meses de negociações intensas que culminam num acordo de 585 páginas — mais sete relativas à declaração política sobre a relação futura entre os dois blocos após o Brexit.

Saiba o essencial do acordo preliminar, ponto por ponto.

Fronteira com a Irlanda do Norte

Bruxelas e Reino Unido chegaram a acordo sobre a fronteira irlandesa — o principal ponto de discórdia entre as partes, que divergiam sobre o mecanismo para garantir uma solução de recurso na eventualidade de a relação futura entre o Reino Unido e o bloco não estar definida até ao final do período de transição, no final de 2020.

O que as duas partes querem evitar a todo o custo é uma fronteira física “rígida” entre Irlanda e Irlanda do Norte, que consistiria, nomeadamente, em controlos físicos ou infraestruturas na fronteira irlandesa.

No acordo preliminar do Brexit, ambas as partes concordam que “farão os melhores esforços” para chegarem a um acordo de comércio seis meses antes do final do período de transição, marcado para dezembro de 2020. Caso não cheguem a acordo antes do período de transição, UE e Reino Unido ponderam prolongar o período de transição “por um período não especificado” e será ativado o backstop.

O backstop — a chamada solução de recurso para a fronteira irlandesa — consiste na criação de um “território aduaneiro único” entre a UE e o Reino Unido, no qual as mercadorias britânicas teriam “um acesso sem taxas e sem quotas ao mercado dos 27”, segundo explicou Michel Barnier esta quarta-feira numa conferência de imprensa, que garantiria que a Irlanda do Norte se manteria alinhada com as normas do mercado único “essenciais para evitar uma fronteira rígida”.

Todos os bens seriam abrangidos por este território aduaneiro único, exceto os produtos de pesca, que “incluirá os correspondentes compromissos de igualdade de condições e os mecanismos de execução adequados para garantir uma concorrência leal entre a UE-27 e o Reino Unido”, segundo o acordo. Deverão existir ainda controlos não-alfandegários adicionais com algumas mercadorias específicas que circulam entre a Irlanda do Norte e o resto do Reino Unido.

O acordo diz que “se qualquer um dos lados considerar que a solução de backstop não é mais necessária, pode notificar a outra parte”, explicando as suas razões. Nessa situação, um comité misto deve ser reunido em seis meses e ambos os lados têm de concordar em deixar o backstop.

Ambas as partes também concordaram em manter a cooperação transfronteiriça, apoiar a economia de todas as ilhas e proteger o acordo de paz de Sexta-feira Santa.

Acordo comercial

Segundo o acordo, Reino Unido e UE comprometem-se a alcançar uma relação futura próxima tanto em serviços, incluindo serviços financeiros, como em investimento, além de uma cooperação em setores como o dos transportes, com base no território aduaneiro único previsto no acordo técnico.

O acordo preliminar prevê que os bens que já tenham sido colocados legalmente no mercado possam continuar a ser disponibilizados no mercado do Reino Unido e no Mercado Único da UE após o final do período de transição, até chegarem aos seus consumidores finais.

Tal aplica-se a todos os bens abrangidos pela liberdade de circulação de mercadorias, tal como definidos no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tais como: produtos agrícolas, produtos de consumo (como brinquedos, têxteis, cosméticos), produtos para a saúde (produtos farmacêuticos, dispositivos médicos) e produtos industriais, como veículos motorizados, equipamentos marítimos, máquinas, elevadores, equipamentos elétricos, produtos de construção e produtos químicos.

No entanto, a circulação de animais vivos e de produtos de origem animal estará sujeita a cumprir, a partir do final do período de transição, as regras da UE ou do Reino Unido sobre as importações de países terceiros.

Mercados financeiros

Segundo o acordo preliminar, o Reino Unido cumprirá a sua quota-parte de financiamento e todas as obrigações já assumidas enquanto membro da União, em relação ao orçamento da UE e a outras instituições da União, abrangendo pagamentos até depois do fim do período de transição. Isto assegura as verbas necessária para que o programa comunitário 2020 não perca fundos.

Segundo o The Guardian, o esboço do acordo confere ao centro financeiro de Londres apenas um nível básico de acesso aos mercados da União Europeia, semelhante ao que firmas americanas e japonesas já gozam. Teria como base o atual sistema de acesso a mercados financeiros da UE conhecido como “equivalência” — uma relação mais diluída que, segundo Bruxelas, sempre foi o que o melhor acordo que o Reino Unido podia esperar com o Brexit.

Direitos dos cidadãos pós-Brexit

A questão dos direitos dos cidadãos da UE a viverem no Reino Unido e dos cidadãos britânicos a viverem na UE foi sempre um dos pontos prioritários nas negociações.

O acordo protege mais de três milhões de cidadãos da UE no Reino Unido e mais de um milhão de cidadãos britânicos a viver nos 27 estados-membros da UE no fim do período do transição com o direito a permanecerem e a continuarem as suas atividades, desde que a residência esteja em conformidade com a legislação da UE, em matéria de livre circulação.

O acordo protege também os membros da família destes cidadãos, que recebem direitos ao abrigo da legislação da UE, isto é, atuais cônjuges e parceiros registados, pais, avós, filhos, netos e uma pessoa numa relação duradoura existente.

Governação

Após o período de transição, ficou decidido que o acordo final será fiscalizado por um comité misto cujas decisões terão de ser tomadas por consentimento mútuo e com caráter vinculativo.

Em caso de disputa, uma equipa de arbitragem de cinco membros pode ser convocada. Contudo, qualquer questão relacionada com a legislação da UE não pode ser decidida por estes juízes. Tem de ser remetida ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

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