Alertas aos investidores disparam. A culpa é da internet

Foram divulgados 566 alertas relacionados com intermediação financeira não autorizada, em 2018, um número que representa um crescimento de 48% face aos 383 registados em 2017.

Assinalaram-se recentemente dez anos desde o rebentar da maior fraude financeira de sempre. A 11 de dezembro de 2008, era preso Bernard Madoff, um gestor de investimentos norte-americano que confessou ter criado um esquema Ponzi que deu origem a uma fraude financeira de mais de 65 mil milhões de dólares. Entre as vítimas estavam investidores, grandes e pequenos, institucionais e particulares, que confiaram as suas poupanças a um fundo conhecido pela sua elevada taxa de remuneração. “Não restou nada” disse Madoff às autoridades, reconhecendo ter-se tratado de “apenas uma grande mentira”.

Histórias de fraudes à dimensão da perpetrada por Bernie Madoff não surgem no dia-a-dia. Mas os alertas relacionados com esquemas financeiros fraudulentos não só continuam a surgir como estão a aumentar. Tal é particularmente notório no que diz respeito ao mercado de capitais. O número de alertas emitidos pelos supervisores europeus relacionados com intermediação financeira não autorizada disparou este ano, dando seguimento a uma tendência crescente observada nos últimos anos. O desenvolvimento da internet e o surgimento de fenómenos como as criptomoedas ajudam a alimentar essa tendência.

De acordo com dados disponibilizados ao ECO pela Comissão do Mercado de Valores mobiliários (CMVM), que cita os alertas divulgados no respetivo site, em 2018 foram divulgados 566 comunicados relacionados com intermediação financeira não autorizada, um número que compara com os 383 registados em 2017. Ou seja, “um incremento de cerca de 48%“, segundo nota o regulador do mercado liderado por Gabriela Figueiredo Dias.

Alertas crescem de ano para ano

Fonte: Site da CMVM

De salientar que esses alertas se prendem na quase generalidade com situações desencadeadas fora do mercado nacional, com o número de casos com origem nacional a serem muito baixos. De acordo com a CMVM, o grosso dos alertas têm origem sobretudo em cinco “polícias” da bolsa: CONSOB (Itália), FSMA (Bélgica), FMA (Liechtenstein), FCA (Reino Unido) e CNVM (Espanha). “Só a FCA é responsável por mais de 40% dos comunicados divulgados“, dá ainda conta a CMVM, justificando essa representatividade com a “dimensão do mercado e âmbito de supervisão mais alargado“.

Cabe contudo ao regulador do mercado nacional disseminar essa informação que recebe dos pares europeus, já que também interessa aos investidores portugueses expostos a um mercado que é cada vez mais global. A internet é uma das ferramentas que os habilita ao acesso aos restantes mercados. Mas representa também um dos principais desafios que se colocam aos reguladores.

A internet, a par de outros desenvolvimentos tecnológicos, coloca desafios aos reguladores, quer nesta, quer noutras esferas de atuação”, diz a CMVM, salientando neste âmbito a “facilidade de criação e difusão de websites sem possibilidade de associar os mesmos a pessoas físicas detentores ou responsáveis pela atualização e manutenção dos mesmos ou da facilidade de difusão de informação através nomeadamente das redes sociais”.

"A internet coloca desafios aos reguladores, quer nesta, quer noutras esferas de atuação, resultante designadamente da facilidade de criação e difusão de websites sem possibilidade de associar os mesmos a pessoas físicas detentores.”

CMVM

Uma das realidades que se observa na análise mais pormenorizada dos comunicados que constam no site da CMVM relativo a este ano é a destacada presença de alertas relacionados com plataformas ou corretoras de criptomoeda. Expressões como Cryptocurrency ou bitcoin, constam em pelo menos 35 dos alertas de relacionados com intermediação financeira ilícita divulgados no site do regulador português. Ou seja, representam mais de 6% dos 566 alertas totais.

Já no que consta dos relatórios anuais da CMVM dos anos anteriores, como em 2016 por exemplo, são destacados alertas relacionados com serviços online de receção e execução de ordens, em especial sobre CFD cambiais (habitualmente designados Forex) e opções binárias. Nesse relatório em concreto, é especificada a existência de cidadãos portugueses que angariam em território nacional clientes para intermediários estrangeiros que atuam no mercado Forex.

Também há alertas em Portugal, mas menos

A entidade liderada por Gabriela Figueiredo Dias também emite os próprios alertas, relacionados com atividades desenvolvidas no âmbito da sua abrangência de supervisão. O grau com que o faz é, contudo, muito menor. Também à dimensão do mercado nacional.

No site da CMVM é possível identificar, este ano, a existência de apenas dois alertas sobre intermediação financeira não autorizada. Mas o regulador do mercado português salienta que o número de alertas se tem apresentado estável ao longo dos últimos anos.

A atuação da CMVM nos últimos anos

Fonte: Relatórios de atividade e contas da CMVM

“O número de alertas divulgado no site tem-se mantido em torno da média dos cinco a seis comunicados por ano nos últimos cinco anos“, explica a CMVM, adiantando contudo que em média têm sido investigados, 15 a 16 processos de intermediação financeira não autorizada por ano.

"O envio de denúncias e de pedidos de informação à CMVM revela-se muito útil para a deteção e repressão deste tipo de atividade.”

CMVM

Nesse âmbito, a CMVM destaca o papel que os próprios investidores nacionais podem desempenhar. “O envio de denúncias e de pedidos de informação à CMVM revela-se muito útil para a deteção e repressão deste tipo de atividade“, indica a entidade liderada por Gabriela Figueiredo Dias. Salienta ainda que “a colaboração dos investidores afetados por este tipo de ilícito, em resposta a pedidos de informações e de esclarecimentos da CMVM ou em sede de inquirições realizadas pela CMVM, revela-se de muita importância para reprimir este tipo de práticas lesivas do mercado”.

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