É fácil fazer negócios na China? Estas cinco empresas contam as suas experiências

Seja na banca, na energia, no café ou mesmo na moda, há várias empresas portuguesas que querem fazer o "negócio da China". Mas nem tudo é simples neste mercado de 1,4 mil milhões de consumidores.

Há muitos anos que a China descobriu as empresas portuguesas. E, aos poucos, tem vindo a aumentar a sua pegada no tecido empresarial nacional, tendo já posições de relevância em setores de peso. Mas este mundo dos negócios não tem apenas um sentido, daí que muitas empresas lusas tenham vindo, nos últimos anos, a fazer o trajeto inverso. Seja na banca, na energia, no café ou mesmo na moda, há várias interessadas em venderem os seus produtos no mercado chinês, que é visto como um autêntico “negócio da China”, como se costuma chamar às grandes oportunidades.

Mas será que é fácil estabelecer negócio na China e vender aos chineses o que se vende, habitualmente, aos portugueses? O ECO foi saber como está a ser a experiência de cinco empresas portuguesas: Delta Cafés, Cutipol, Super Bock, Aptoide e Parfois. Todas elas já estão a dar cartas do outro lado do globo, seja com lojas físicas ou recorrendo às plataformas eletrónicas que permitem, com um click apenas, chegar a um universo de muitos milhões de consumidores. Não esqueçamos que nos estamos a referir ao país mais populoso do mundo, com cerca de 1,4 mil milhões de habitantes.

Este é um fator primordial para a decisão de apostar neste mercado. Pelo menos, foi fundamental para a Delta Cafés. Fundada há quase 60 anos, a empresa portuguesa decidiu investir na China consciente de que só 8% dos chineses é que consomem café. À primeira vista parece uma proporção demasiado pequena para determinar o investimento noutro país e, principalmente, quando se trata de um país completamente diferente de qualquer outro do ocidente.

Contudo, a empresa de torra e empacotamento de café viu nestes 8% uma oportunidade de negócio. É que 8% na China representam 110 milhões de consumidores. Em declarações ao ECO, Rui Miguel Nabeiro conta que “o grupo Alibaba identificou o café como uma das categorias estratégicas nos próximos anos”.

“Sendo o Tmall [plataforma do Alibaba Group] o principal veículo de criação de marca na China, a Delta Cafés assumiu o desafio de lançar a primeira flagship store oficial portuguesa gerida diretamente pela marca”, explica. Algo que considera ser uma “oportunidade única”, tendo em conta que a China é o maior retalhista online do mundo (com mais de 443 milhões de compradores ativos, 42 milhões de encomendas diárias e 60% das vendas online de produtos alimentares).

Tanto de único como de difícil

Mas, se, por um lado, se trata de uma oportunidade única, por outro, trata-se também de uma experiência que, apesar de positiva, é bastante difícil. Quem o diz é David Ribeiro, administrador da Cutipol, que está presente na China há dez anos. “O mercado chinês é muito complicado, o Governo chinês impõe muitas regras e muitas complicações. Mesmo os pagamentos são extremamente difíceis. Temos clientes de que nos pagam através de offshore e a maioria desses pagamentos é feita à posteriori“, refere.

"Eles copiam tudo, há imensas cópias dos nossos produtos, porque a Cutipol é muito reconhecida naquele mercado. Chegam mesmo a existir produtos com a designação de ‘modelo tipo Cutipol’.”

David Ribeiro

Administrador da Cutipol

Um problema que, no entanto, não é o único. Para David Ribeiro, é preciso ainda ter em conta que estamos a falar de “um mercado onde tudo é possível“. “Eles copiam tudo, há imensas cópias dos nossos produtos, porque a Cutipol é muito reconhecida naquele mercado. Chegam mesmo a existir produtos com a designação de ‘modelo tipo Cutipol'”, conta.

Apesar dos percalços e das muitas pedras no caminho, a Cutipol não pensa em abdicar do mercado chinês, que pesa cerca de 10% a 12% no total da faturação da empresa, que, em 2017, foi de 13 milhões de euros. Aliás, já com uma loja própria na China, em parceria com um empresário local, a marca prepara-se agora para abrir um segundo espaço comercial no país.

Contudo, antes de qualquer uma destas empresas se aventurar na China, teve de perder tempo com a preparação, estudando o mercado e analisando a melhor forma de atuar. “Não podemos ir para a China a pensar que as soluções que funcionam em Portugal, e na Europa, também vão funcionar lá”, alertou o CEO e cofundador da Aptoide, Paulo Trezentos, durante a primeira conferência oficial do Alibaba Group em Portugal.

Adaptação é a chave para o sucesso

Frederico Pulido, diretor de e-commerce da Parfois, considera que os chineses dão uma importância enorme aos detalhes. Nas malas, por exemplo, enquanto em Portugal os consumidores veem umas quantas fotografias e ficam satisfeitos, na China é preciso mais: desde material, composição, dimensão até fotografias a utilizar o produto.

Além disso, os consumidores chineses têm outras características que devem ser pensadas e devidamente adaptadas no momento de estabelecer um negócio. No caso especifico da Parfois, essa adaptação fez-se através da abertura de uma loja física. Com o objetivo de testar e implementar as soluções mais adequadas à cultura oriental, a empresa portuguesa do setor da moda abriu uma loja pop-up em Xangai.

Ali, os clientes entram, veem os produtos e depois fazem a compra, que tem de ser feita obrigatoriamente online. “Não podem comprar na loja, fazem-no através de um QR code”, explica Frederico Pulido. A ideia foi experimentar uma loja diferente num local onde também o consumidor age de maneira diferente. “Quisemos experimentar ali [em Xangai] porque os clientes chineses passam todo o dia com o telemóvel”.

Já a Delta preferiu adaptar o design, estudando as cores que mais agradam aos chineses e o tipo de produtos. “Sentimos a necessidade de adaptar os produtos à cultura asiática. Nesse sentido, criámos novos blends Delta Q 100% arábica, exclusivos para este mercado”, refere.

Rui Miguel Nabeiro, CEO da Delta CafésPaula Nunes / ECO

Pensar a longo prazo, ser paciente e persistente

Além da necessidade incontornável de adaptação, o CEO da Delta alerta, ainda, que é preciso ter paciência e saber esperar. Aliás, destaca esta capacidade como uma regra de ouro. “Não podemos ir para a China a querer mundos e fundos”, afirma.

Para se estar no mercado chinês é fundamental saber gerir as expectativas e ansiedades

Rui Miguel Nabeiro

CEO da Delta Cafés

Para se estar no mercado chinês é fundamental saber gerir as expectativas e ansiedades. Importante, ainda, é ter a capacidade para sobreviver nos primeiros anos, mas também aprender, avaliar, experimentar e inovar de forma muito rápida”, diz Rui Miguel Nabeiro.

No caso da Aptoide, uma loja alternativa de aplicações para Android, foi preciso um par de anos para que a startup portuguesa começasse a ver os frutos do seu investimento. “Demorou até começarmos a ver resultados. Só ao final de dois anos é que conseguimos uma parceria fundamental”, contou Paulo Trezentos, que esteve também presente na conferência do grupo Alibaba em Portugal.

"Pensar a curto prazo é um dos maiores erros na China”

Paulo Trezentos

CEO e cofundador da Aptoide

Investir no mercado chinês é um processo que leva tempo, exige persistência e deve ser pensado a longo prazo. Aliás, “pensar a curto prazo é um dos maiores erros na China”, acrescenta o CEO da Aptoide.

Um mix entre a cultura portuguesa e a chinesa

As cinco empresas salientam, ainda, a necessidade de combinar as culturas dos dois países. Para a Aptoide, que tem um escritório em Xangai com quatro pessoas, foi imprescindível, no momento da contratação de colaboradores, conciliar o português com o mandarim. Nesse escritório trabalham dois portugueses com afinidade com a cultura chinesa, ou porque já lá viveram ou estudaram, e dois chineses com afinidade com a cultura ocidental.

A Parfois, por sua vez, optou por contratar um português que dominasse, perfeitamente, o mandarim.

Já a Delta fê-lo através de um parceiro local, o que considera ser um momento determinante para o sucesso de uma empresa portuguesa na China. “Deve ser um parceiro de negócio que entenda os desafios de criação de uma marca europeia, pequena e desconhecida no universo da China, centrada na qualidade dos seus produtos e não num possível volume e baixo preço”.

Quem também se quer afirmar no mercado chinês é a Super Bock, que, para se familiarizar com a cultura chinesa, tem dado prioridade ao investimento de cariz cultural, envolvendo-se em iniciativas culturais, o que considera ser “um vetor muito importante de aproximação de países e construção de relações mútuas fortes e duradouras”.

“Vemos como essencial mantermos o trabalho em curso, continuarmos a conhecer o mercado, aprofundar parcerias e a estabelecer e reforçar relações institucionais com as entidades e autoridades locais, que permitam o desenvolvimento de projetos e iniciativas conjuntas que beneficiem e gerem riqueza para os dois países”, diz fonte do grupo Super Bock.

Para já, consciente do estado atual das relações entre Portugal e China, a marca de cerveja salienta que Portugal tem “uma boa imagem na China” e que a cooperação entre os dois países é algo positivo. Otimizar o percurso que tem sido feito é o que se segue.

David Ribeiro está de olhos postos na vinda do Presidente chinês, Xi Jinping, a Portugal. “Não sou adepto do Donald Trump, mas ele tem muita razão. A China é o maior exportador do mundo, mas impõe muitas dificuldades às importações”, justifica. O administrador da Cutipol espera que a visita de Xi Jinping possa começar a simplificar os processos e que a China se torne amiga das importações.

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