O que a Finlândia tem e nós não? Independência judicial

Os finlandeses somam mais um primeiro lugar no Fórum Económico Mundial, com o sistema judicial mais independente do mundo. Em Portugal ainda existem pressões, sobretudo na política. Juízes queixam-se.

“Quão independente é o sistema judicial de influências do Governo, de pessoas e de empresas no seu país?”. Foi com esta questão que o Fórum Económico Mundial chegou ao país com mais independência judicial do mundo: a Finlândia. O país nórdico soma, assim, mais um primeiro lugar neste ranking, depois de ser o país com mais qualificações e os bancos mais sólidos.

A independência judicial de um país resulta do princípio da proteção jurisdicional efetiva e do direito dos cidadãos a um recurso efetivo perante um tribunal, de forma justa e sem influências indevidas. Ter um sistema judicial independente garante a imparcialidade, a previsibilidade e a estabilidade do sistema legal — elementos importantes para a formação de um ambiente de investimento atraente. Algo que a Finlândia assegura e de forma efetiva.

Confiança é a chave para a oikeudenmukaisuus

A independência dos tribunais finlandeses vem garantida na Constituição, conhecida pela sua rigidez, a confiança na polícia é elevada, as eleições estão entre as mais livres do mundo e os seus cidadãos gozam dos mais altos níveis de liberdade pessoal, escolha e bem-estar.

O próprio ministério da Justiça finlandês tem várias medidas no sentido de promover a independência na magistratura judicial, como a aprovação da formação de juízes por parte de comissões judiciais, o incentivo de formação entre os pares e a oportunidade para os juízes de procurarem formação por conta própria.

Supremo Tribunal finlandês.

Também os cidadãos se sentem incluídos no sistema judicial finlandês, que conta com grandes níveis de confiança por parte da população, já que a tomada de decisões passa pela consulta de todas as partes interessadas. Do lado das empresas, as finlandesas estão entre as mais éticas, e a transparência, o dever cívico e a segurança distinguem os finlandeses lá fora. “Isso alimenta o ambiente de negócios. Aqui as coisas são feitas de forma mais rápida e fiável”, aponta um advogado ao The Guardian, a propósito do ambiente de confiança neste país escandinavo.

Tudo isto num país onde a corrupção e o crime organizado são, praticamente, inexistentes. Assim se faz “oikeudenmukaisuus”, que é como quem diz: justiça em finlandês.

Já Portugal, na independência judicial, mereceu 38.º lugar no Fórum Económico Mundial. Na perceção das empresas sobre a independência judicial (de 1 a 8), Portugal aparece praticamente a meio da tabela da Europa, tendo vindo a registar melhorias desde 2010, embora não consiga chegar aos 5. Quanto a isso tem muito que “beber” do exemplo finlandês, já que o país nórdico regista um primeiro lugar bastante estável desde 2010 (sempre acima do 6).

Segundo a avaliação da justiça na União Europeia de 2018, as razões principais apontadas por cidadãos e empresas inquiridos para a sua perceção de falta de independência judicial é a existência de interferência ou pressão de interesses económicos ou de outros interesses específicos (cerca de 35% pelo público em geral) e de interferência ou pressão do Governo e de políticos (cerca de 25%, segundo as empresas).

Independência judicial em Portugal “consolidada”, diz CSM

Para o Conselho Superior da Magistratura (CSM), Portugal é hoje um país onde “a independência dos tribunais e dos juízes – pedra angular do Estado de Direito – se encontra consolidada” e isso verifica-se pela própria existência deste órgão.

“A independência dos juízes e dos tribunais é assegurada, precisamente, pela existência de um órgão independente dos demais poderes do Estado, com exclusiva competência em matéria como a nomeação, colocação, promoção de magistrados, bem como no exercício da ação disciplinar. A função primária do CSM é, por isso, a de garantir a independência dos juízes e dos tribunais“, refere fonte deste órgão ao ECO.

Embora não considere o modelo de governo dos tribunais atualmente vigente perfeito, a mesma fonte do CSM fala num papel dos juízes equilibrado na liderança organizativa, que “constitui uma base sólida de sustentação e de aperfeiçoamento do sistema judiciário”.

Contudo, ao nível de ação concreta no âmbito da independência judicial, o CSM é vago, mencionando apenas a promoção da qualidade do sistema de justiça e o reforço da confiança dos cidadãos nos tribunais.

Maior controlo político na justiça é “preocupação”

A independência judicial passa, por isso, necessariamente pela independência dos juízes e, nesse sentido, alguns membros da classe têm vindo a demonstrar algumas preocupações.

No domingo passado, dia 9, a propósito do Dia Internacional Contra a Corrupção, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) mostrou-se receosa perante as vontades recentes dos dois maiores partidos em ter um maior controlo político na Justiça, nomeadamente na composição do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP). PSD e PS querem aumentar o número de membros nomeados pelo poder político no CSMP.

Na discussão de Estatutos do Ministério Público na Assembleia da República a semana passada, o deputado Carlos Peixoto, do PSD, referiu que uma eventual alteração à composição do CSMP “deve ser ponderada”, defendendo que a existência de uma maioria de procuradores no seu próprio órgão de gestão “fragiliza a auto fiscalização”.

Já o socialista Jorge Lacão falou numa necessidade de se encontrarem “soluções que não são isentas de controvérsia”, referindo-se à nomeação de juízes para este órgão pelo poder político como um garante da investigação judicial.

Ao ECO, o presidente desta associação de sindicatos fala numa clara tentativa de maior controlo político sobre a ação do Ministério Público (MP), que por sua vez condiciona a independência judicial.

“A alteração do CSMP, com menos procuradores e mais membros de nomeação política, aliada, também, a uma maior vinculação do MP às prioridades de política criminal determinadas pelo Governo e Parlamento, só pode ter com objetivo exercer maior controlo político sobre a ação do Ministério Público. Se não é para isso é para quê?“, admite Manuel Ramos Soares.

Recentemente PS e PSD mostraram vontade em alterar a composição do Conselho Superior do Ministério Público para ter mais elementos escolhidos pelo Parlamento. Algo que não agrada à associação sindical de juízes, que fala em “controlo político”.

Atualmente, o CSMP apresenta 18 lugares, dos quais sete membros são eleitos por procurados do Ministério Público, cinco são escolhidos pelo Parlamento, dois são apontados pela tutela e os quatro que sobram ocupados por magistrados de órgãos de relevo no MP. Mas esta composição pode agora mudar por vontade dos partidos.

“É claro que a independência dos tribunais é condicionada se houver maior controlo político sobre a ação do MP. Os tribunais podem ser muito independentes, mas se o Ministério Público não tiver condições para perseguir criminalmente certas pessoas, para o cidadão a independência não serve para nada, porque nunca chegarão a julgamento“, diz o representante da ASJP, referindo-se a investigações criminais que envolvem deputados e outras figuras da política. “O que aconteceu na Hungria e na Polónia? Não foi precisamente começar por dominar primeiro o Ministério Público depois o Conselhos Superior dos juízes?”.

Manuel Soares remete ainda explicações para os próprios partidos, estranhando a convergência nesta matéria dos socialistas e sociais-democratas. “Quem tem o ónus de explicar a razão porque se puseram repentinamente de acordo os dois maiores partidos numa matéria tão crucial, para adotar soluções contrárias ao senso comum e ao que resulta dos princípios europeus, é o PSD e o PS. Eles é que têm de explicar porque o fazem”, remata.

O que eles têm e nós não?

Portugal podia ser um país mais competitivo? Podia. Como? Se imitasse os melhores. Seríamos os primeiros se tivéssemos a percentagem de utilizadores de Internet da Islândia, um serviço de saúde igual a Espanha, uma oferta de comboios idêntica à da Suíça, o sistema judicial da Finlândia ou uma tolerância ao risco das startups semelhante a Israel. E há mais, muito mais.

Para assinalar os dois anos do ECO, olhamos para Portugal no futuro. Estamos a publicar uma série de artigos, durante três semanas, em que procuramos saber o que o país pode fazer, nas mais diversas áreas, para igualar os melhores do mundo.

Segundo o World Economic Forum, Portugal está em 34.º no ranking da competitividade de 2018. Vamos “visitar” os mais competitivos do mundo, nas mais diversas áreas, e tentar perceber “O que eles têm e nós não?”. Clique aqui para ver todos os artigos da série.

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