O que é que a Finlândia tem e nós não? Qualificações
A Finlândia é a campeã na categoria "qualificações" do The Global Competitiveness Report. Por sua vez, Portugal aparece na 41.ª posição. O que devem aprender os lusos? O ECO foi investigar.
Como uma pedra lançada ao charco, a revolução do sistema educativo fínico levada a cabo nos anos 70 do século passado ainda hoje provoca ondulações. Prova disso é o lugar cimeiro conquistado pela Finlândia no The Global Competitiveness Report, na categoria dedicada à qualidade do ensino e à formação da mão-de-obra. Nesse ranking (da autoria do World Economic Forum), Portugal ocupa a 41.ª posição.
“Creio que a base do sistema de ensino finlandês é o princípio da igualdade”, conta ao ECO a coordenadora de comunicação e assuntos comerciais da Embaixada da Finlândia em Lisboa. Katriina Pirnes sublinha que, desde sempre, a legislação nacional desse país está focada na garantia de direitos iguais para todos, o que se reflete no ensino gratuito até ao 12º ano, nos manuais escolares distribuídos a custo zero aos estudantes até ao nono ano, no valor “simbólico” das propinas do ensino superior e até na distribuição diária de uma refeição quente grátis a cada um desses alunos.
Foi nos anos setenta do século passado — estava o mundo ainda a despedir-se das duas grandes guerras que marcaram esses cem anos — que o Governo fínico decidiu alterar as pedras basilares do sistema educativo: estabeleceu um currículo nacional, endureceu os critérios de acesso à profissão de professor, alargou o ensino obrigatório e lançou-se numa longa jornada para tornar a educação acessível a todas as crianças, independentemente do seu contexto social, étnico ou económico.
De resto, essa última bandeira tem ganho cada vez mais importância, explica Katriina Pirnes, já que a Finlândia — à semelhança de muitos outros países europeus — padece de um problemático envelhecimento populacional. “Por isso, temos que garantir que todas as crianças recebem as melhores qualificações”, defende a responsável, notando que, ainda assim, o país precisa de importar talento.
À boleia dessa motivação, a Finlândia disponibiliza às empresas um mercado onde é mais fácil encontrar trabalhadores qualificados do que em Portugal, país com quase o dobro da população e claramente afetado pelo mesmo problema de envelhecimento. Assim, no ranking do World Economic Fórum, no parâmetro “facilidade de encontrar trabalhadores qualificados”, a Finlândia recebeu 5,3 de sete pontos. Comparativamente, Portugal conquistou apenas 4,7 pontos.
Do pensamento crítico à formação profissional, Finlândia destaca-se
Fonte: World Economic Forum
“Competências digitais entraram na sala de aula”
Segundo conta Katriina Pirnes, a Finlândia alterou o currículo nacional, porque o antigo “já não correspondia às necessidades atuais”, nomeadamente ao nível da utilização das novas tecnologias.
Essa mudança, nota a responsável, fez as competências digitais “entrarem universalmente nas salas de aula”, de uma forma interdisciplinar e fortalecida. “[Algo que diferencia o sistema fínico] é a sua capacidade de adaptação, da qual é prova essa alteração no currículo”, sublinha Pirnes.
Esse reforço formal da aposta na digitalização contribuiu, certamente, para a elevada pontuação da Finlândia no tópico “competências digitais da população”: Os fínicos conquistaram 5,8 de sete pontos, enquanto os portugueses ficaram-se pelos 4,6.
É importante mencionar, por outro lado, que Portugal acaba de se juntar ao D9, um pequeno grupo de países que aposta na digitalização dos serviços públicos. Na carta de princípios assinada por estes nove Estados, aparece, entre outras medidas, o ensino da programação nas escolas.
Mas enquanto esse compromisso não faz efeito, as salas de aula lusas ficam com cada vez menos computadores e mais velhos. De acordo com o relatório Estado da Educação 2017 do Conselho Nacional de Educação, em 2016-2017 contavam-se menos 134 mil computadores do que em 2014-2015. Além disso, a maioria dos equipamentos acusavam “alguma antiguidade”: 76,5% dos computadores estavam em uso há mais de três anos.
Em conversa com o ECO, a ex-ministra da Educação Isabel Alçada confirma que “não há recursos” para “manter e atualizar” os equipamentos das escolas portuguesas. A escritora sublinha, por outro lado, que falta preparação aos docentes, particularmente aos mais velhos, o que representa um obstáculo a essa digitalização das salas de aula e, consequentemente, ao cultivo dessas competências na população portuguesa.
Professores fínicos são uma classe “muito respeitada”
Há apenas um ponto de encontro entre Portugal e Finlândia, no ranking em questão: o rácio de alunos para professores, no ensino primário. Em ambos os países, para cada professor há 13,3 estudantes, mas o que se passa nas salas de aulas de um e de outro é bem diferente.
Para começar, a avaliação contínua, preferencialmente não quantitativa, reina no ensino fínico. Tal é um reflexo do próprio princípio da igualdade já referido. É que, conta Katriina, o que importa é “encontrar as melhores formas de as crianças aprenderem” e não os números ou testes. Além disso, não há exames nacionais (a não ser no 12º ano de modo a apurar uma nota de acesso ao ensino superior).
Por cá, o cenário é diferente. “Não há atenção aos alunos que não conseguem à primeira”, frisa Isabel Alçada, defendendo a avaliação contínua como forma de “não deixar alguns alunos para trás”. “É muito importante fazer uma avaliação contínua. É indispensável que alguns não fiquem para trás”, diz.
Tudo somado, de acordo com o apurado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) no conhecido Programme for International Student Assessment (PISA), os alunos fínicos mostram níveis de ansiedade relacionados com as matérias académicas muito próximos da base da tabela. Por outro lado, os portugueses quase chegam ao pódio.
De notar ainda que, na Finlândia, não se comparam escolas, uma vez que se parte do princípio de que “são todas boas” e se espera que não exista qualquer discrepância a nível nacional. Isto porque “os professores são todos altamente qualificados”, explica a responsável da Embaixada contactada pelo ECO.
Katriina Pirnes adianta que os professores são uma classe “muito respeitada”, porque “é muito difícil entrar nesse curso superior”. Portanto, de acordo com Pirnes, o Governo fínico trata de os deixar “motivados”, o que se reflete claramente no sistema educativo.
Por terras lusitanas, milhares de professores enviaram emails e postais ao Executivo de António Costa, acusando-o de desrespeito. Os profissionais têm insistido na contagem integral dos mais de nove anos do tempo de serviço congelado, enquanto o Governo propõe contar dois anos, nove meses e 18 dias. Segundo a norma aprovada no Parlamento, ambas as partes têm agora de voltar a negociar.
Por outro lado, segundo os dados Direção-Geral de Ensino Superior (DGES), os cursos de educação estão na base da tabela das médias de entrada. Na primeira fase do concurso de acesso ao ensino superior do ano letivo 2018-2019, o curso desta área com a melhor média de entrada aparece na 97ª posição da tabela geral. Além disso, no ano letivo anterior, segundo a DGES, das 22 áreas de estudo consideradas, as ciências da educação ocupam o penúltimo lugar da tabela, no que diz respeito às médias de entrada.
Coloca-se, por isso, a questão: Por que é que os bons alunos não escolhem os cursos de educação em Portugal? “O professor é um mediador. Os alunos com melhores notas encaram mais facilmente a ideia de uma carreira científica [porque] a carreira de professor não tem a mesma valorização“, explica Isabel Alçada. A ex-ministra nota, além disso, que os professores fínicos têm maior “automotivação”, uma vez que a aréa da educação foi a sua primeira opção no momento da escolha do curso superior, o que acaba por se refletir em todo o sistema educativo.
Em conversa com o ECO, o presidente do Fórum para a Competitividade acrescenta que a “vida sindical dos professores”, em Portugal, deixa a imagem de que este é um setor em constante luta, o que acaba por matar o seu apelo. “Os melhores alunos acabam por não quererem ir [para este setor]”, diz Pedro Ferraz da Costa.
Ainda assim, é importante referir que com Orçamento do Estado para o próximo ano tem a maior verba para a educação desde o período de pré-troika. “Alcança o maior investimento público em educação por aluno desde há oito anos”, afirmou o ministro da Educação.
Desde 2010 que o valor atribuído a este setor tinha vindo a decrescer, tendência que se reverteu a partir de 2016. Deste modo, durante esta legislatura, acumulou-se uma “evolução positiva de mais de 21% de investimento em cada aluno”.
É neste quadro de reforço do investimento que o Governo de António Costa planeia tornar gratuitos todos os manuais escolares do ensino obrigatório na rede pública, já no próximo ano, o que o aproxima, de certo modo, do sistema fínico. A medida vai custar aos cofres do Estado cerca de 160 milhões de euros. “É a concretização de uma obrigação republicana para com todos os seus cidadãos”, sublinhou o ministro Tiago Brandão Rodrigues.
Outra das medidas preparadas para o próximo ano que aproxima Portugal da Finlândia é a redução do teto máximo das propinas do ensino superior. O limite passa a ser 856 euros, o que, ainda assim, fica longe dos simbólicos “300 euros” fínicos, conta ao ECO Katriina Pirnes.
Licenciados fínicos são mais qualificados?
À semelhança do que acontece em Portugal, na Finlândia, o ensino superior é divido em dois tipos: universitário (mais focado no ensino teórico) e politécnico (mais focado no ensino prático). De acordo com Katriina Pirnes, essa linha não é, contudo, rígida, tendo sido dada a possibilidade aos alunos dos politécnicos de terminarem os seus estudos com investigação científica (tradicionalmente ligada às universidades).
Assim, no ranking do World Economic Forum, fica claro que os licenciados fínicos saem dessas instituições bem providos de competências (5,4 de sete pontos) enquanto os portugueses deixam a academia com uma “caixa de ferramentas” em tanto pior (4,8 de sete pontos). O que falta aos lusos?
“Os problemas estão no [ensino] básico e secundário, o que influencia a preparação para o ensino superior”, defende o presidente do Fórum para a Competitividade. Pedro Ferraz da Costa sublinha que os resultados seriam melhores se houvesse um reforço dessa preparação.
Além disso, nota: “A qualificação dos alunos tem vindo a baixar com a massificação do ensino. Estabeleceu-se o princípio errado de que toda a gente tem de ir para a universidade”.
Ainda assim, O responsável enfatiza que há “ótimos” licenciados em Portugal. O problema é que são apenas “uma parte deles”. Os restantes “ou tiveram uma preparação fraca ou foram para cursos que não têm empregabilidade”, o que influencia as suas qualificações à saída do ensino superior, conclui o responsável.
O que eles têm e nós não?
Portugal podia ser um país mais competitivo? Podia. Como? Se imitasse os melhores. Seríamos os primeiros se tivéssemos a percentagem de utilizadores de Internet da Islândia, um serviço de saúde igual a Espanha, uma oferta de comboios idêntica à da Suíça, o sistema judicial da Finlândia ou uma tolerância ao risco das startups semelhante a Israel. E há mais, muito mais.
Para assinalar os dois anos do ECO, olhamos para Portugal no futuro. Estamos a publicar uma série de artigos, durante três semanas, em que procuramos saber o que o país pode fazer, nas mais diversas áreas, para igualar os melhores do mundo.
Segundo o World Economic Forum, Portugal está em 34.º no ranking da competitividade de 2018. Vamos “visitar” os mais competitivos do mundo, nas mais diversas áreas, e tentar perceber “O que eles têm e nós não?”. Clique aqui para ver todos os artigos da série.
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