O que é que os EUA têm e nós não? Flexibilidade laboral
O mercado de trabalho dos Estados Unidos é o mais competitivo do mundo. Por sua vez, Portugal ocupa a 35.ª posição desse ranking. O que falta aos lusos? A flexibilidade norte-americana.
No mercado de trabalho mais competitivo do mundo, o despedimento não pesa muito sobre as contas das empresas, os profissionais navegam fluentemente entre estados federais à procura das melhores oportunidades e o alargamento do ensino secundário à grande maioria da população tornou-se uma realidade muito antes — quase um século antes, na verdade — de se concretizar em Portugal. Já adivinhou onde fica essa terra prometida da prosperidade laboral? À porta, há uma deusa neoclássica vestida de verde com uma tocha na mão direita.
Na categoria do The Global Competitiveness Report 2018 dedicada à flexibilidade laboral e à gestão de talento, são os Estados Unidos a ocupar o lugar mais alto do pódio. Nesse ranking publicado pelo World Economic Forum, Portugal ocupa a 35.ª posição. Assim, apesar de superarem os norte-americanos no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores, os lusos têm ainda muito a aprender no que diz respeito à competitividade.
“O contrato sem termo nos Estados Unidos não existe. O despedimento é livre”, começa por explicar ao ECO o professor João Cerejeira, da Escola de Gestão e Economia da Universidade do Minho. “Os custos por despedimento são muito baixos. Por isso, a flexibilidade das empresas é maior do que no mercado europeu“, acrescenta o académico.
De acordo com o World Economic Forum, nos Estados Unidos, as empresas não têm qualquer custo de redundância, isto é, não pagam indemnizações aos trabalhadores cujos postos de trabalho sejam extintos. De facto, no país liderado por Donald Trump, essa matéria é determinada caso a caso, no momento da negociação do contrato de trabalho.
Por cá, de acordo com o Código do Trabalho, em caso de despedimento por eliminação do posto de trabalho, os empregadores têm de pagar uma compensação “correspondente a 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade“, sendo o montante global não superior a 12 vezes o salário mensal e diuturnidades. Na opinião de João Cerejeira, essa diferença entre o modelo norte-americano e o português é uma das que mais pressionam a competitividade lusa.
“Liberalizar o despedimento parece-me desadequado”, afirma, por sua vez, António Bagão Félix, antigo ministro do Trabalho e da Segurança Social, em conversa com o ECO. O político apela, antes, há flexibilização da contratação e defende que soluções como o contrato a termo não são nefastas. “O problema não está no seu uso, está no seu abuso”, assinala.
EUA são os segundos melhores do mundo nas políticas ativas de emprego
Fonte: World Economic Forum
A agravar esse fosso transatlântico está, também, a “maior proteção no desemprego” oferecida deste lado do oceano, nomeadamente ao nível do subsídio de desemprego. Ainda que variem de estado para estado, estes apoios tendem a ser magros na terra do “sonho americano”, o que acaba por exigir uma “postura mais ativa” da parte de quem ficou sem trabalho, uma vez que os seus rendimentos ficam “muito limitados”, conta o professor da Universidade do Minho.
“[A proteção no desemprego] justifica-se mas reconheço que, nalguns casos, pode desincentivar a procura de trabalho”, concorda António Bagão Félix.
[A proteção no desemprego] justifica-se mas reconheço que, nalguns casos, pode desincentivar a procura de trabalho.
Nesse sentido, é ainda importante notar que, no ranking do World Economic Forum, os Estados Unidos conquistam uma melhor pontuação do que Portugal, no que diz respeito às políticas ativas de apoio à procura de novas posições profissionais. Os americanos recebem 5,7 de sete pontos, enquanto que Portugal se fica pelos 4,2 de sete pontos.
A seguir à Suíça, os Estados Unidos são os melhores do mundo neste capítulo. Portugal ocupa o 38.º lugar.
“As políticas ativas de emprego têm permanecido, no essencial, semelhantes, em Portugal”, sublinha Bagão Félix. O ex-governante reforça que é preciso promover medidas mais diretas (como a promoção do investimento), porque é “assim que se cria emprego, não através de subsídios”. “A subsidiação é uma aspirina, quando precisamos de um medicamento com efeito a médio e longo prazo”, frisa o político, referindo também que as políticas em vigor são meros “paliativos”, cuja eficácia, diz, nem sequer tem sido verdadeiramente avaliada.
EUA mais competitivos porque “otimizam” lideranças
Sem surpresa, Portugal fica longe do topo da tabela, no que diz respeito à produtividade. Nesse parâmetro do ranking do World Economic Forum, os lusos conquistam 3,9 de sete pontos. Comparativamente, os Estados Unidos, o país mais produtivo do mundo, recebe 5,8 de sete pontos.
Fonte: Eurostat, INE e Pordata
Há muito que a debilitada produtividade portuguesa tem sido apontada como uma das fraquezas da economia nacional. De acordo com os dados já divulgados pelo Eurostat e pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE), por cada hora trabalhada, os portugueses fazem 21,8 euros, o que ficam bem abaixo da média comunitária: 40 euros. No Velho Continente, em 2017, foram o Luxemburgo (84,2 euros), a Irlanda (81,2 euros) e a Dinamarca (71,2 euros) os mais produtivos. O que precisa Portugal de aprender?
“Este é um tema que precisa de ser muito detalhado, porque varia de setor para setor”, começa por avisar Miguel Santos. Em conversa com o ECO, o partner da IMBS (consultora que se dedica à melhoria da rentabilidade operacional das empresas portuguesas) explica que o que diferencia o mercado de trabalho português do norte-americano é, sobretudo, a “capacidade de otimização das lideranças”.
“Em Portugal, os profissionais passam a chefias consoante os anos de casa”, critica o especialista, referindo que, muitas vezes, esses responsáveis não têm nem qualificações nem vocação para tais posições, o que afeta a forma como se motivam os trabalhadores e até como a produtividade é interpretada pelas empresas.
Além deste problema, Santos diz que o mercado lusitano é pouco organizado, carece de estratégia e tem dificuldades em definir as suas prioridades, o que tem um impacto significativo na produtividade do país e, consequentemente, na sua competitividade.
Por sua vez, Bagão Félix identifica a fraca formação profissional e a legislação laboral como entraves à promoção da produtividade nacional, apelando ao robustecimento da meritocracia.
Sindicatos puxam pelo mercado americano
Se as empresas norte-americanas beneficiam de “flexibilidade” no momento de cortarem os laços que consideram redundantes, o mesmo se pode dizer dos trabalhadores em duas outras etapas das suas carreiras: na negociação salarial e na mobilidade interna.
Nos parâmetros “flexibilidade na fixação de salário” e “mobilidade laboral interna”, os Estados Unidos conquistam 5,7 de sete pontos. Portugal assegura, respetivamente, 4,8 e 3,9 de sete pontos.
Mobilidade interna é uma das características mais fortes dos EUA
“As empresas são maiores, logo há maior mobilidade entre postos de trabalho”, esclarece João Cerejeira. Além disso, o professor aproveita para sublinhar que, nesta matéria, conta muito a presença dos sindicatos. “São eles que assumem o papel da negociação. Por cá, os sindicatos aparecem de forma coletiva, em representação do setor”, conta o académico.
Cerejeira refere como exemplo dessa forte marca sindical o caso dos jogadores de basquetebol da NBA. “Têm um contrato coletivo. Os salários são livres, mas as compensações estão reguladas no contrato coletivo”, adianta.
Ainda do ponto de vista do capital humano, Cerejeira nota que “a extensão à maioria da população do ensino secundário aconteceu quase um século antes” nos Estados Unidos, o que permitiu ao mercado norte-americano ganhar competitividade. A forte ligação das empresas aos polos tecnológicos é outro trunfo que faz esse país ganhar terreno.
Impostos sobre o trabalho são mais pesados em Portugal
Há apenas dois pontos da tabela do World Economic Forum em que Portugal consegue ultrapassar os Estados Unidos: nos direitos dos trabalhadores e nos impostos sobre o trabalho. Os rendimentos dos norte-americanos são alvos de um imposto de 9,8% enquanto que, por cá, a taxa é de 26,8%.
Além disso, de acordo com o Taxing Wages 2018, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Portugal é o 13.ª país (dos 35 Estados considerados) com a carga fiscal sobre o trabalho (impostos sobre o rendimento e contribuições de trabalhadores e empregadores para a Segurança Social) mais pesada.
Portugal entre países com carga fiscal sobre trabalho mais pesada
Fonte: OCDE
“A carga fiscal [é mais leve nos EUA], mas também há menos serviços públicos. Na relação laboral, o plano de saúde é, por isso, uma componente importante do salário”, reforça João Cerejeira, referindo que deste lado do oceano há uma maior “proteção social” à boleia desses impostos.
António Bagão Félix conclui, por outro lado, que é preciso garantir estabilidade fiscal para promover a competitividade do mercado de trabalho português, avisando, por fim, que “o sistema fiscal não deve andar aos ziguezagues”.
O que eles têm e nós não?
Portugal podia ser um país mais competitivo? Podia. Como? Se imitasse os melhores. Seríamos os primeiros se tivéssemos a percentagem de utilizadores de Internet da Islândia, um serviço de saúde igual a Espanha, uma oferta de comboios idêntica à da Suíça, o sistema judicial da Finlândia ou uma tolerância ao risco das startups semelhante a Israel. E há mais, muito mais.
Para assinalar os dois anos do ECO, olhamos para Portugal no futuro. Estamos a publicar uma série de artigos, durante três semanas, em que procuramos saber o que o país pode fazer, nas mais diversas áreas, para igualar os melhores do mundo.
Segundo o World Economic Forum, Portugal está em 34.º no ranking da competitividade de 2018. Vamos “visitar” os mais competitivos do mundo, nas mais diversas áreas, e tentar perceber “O que eles têm e nós não?”. Clique aqui para ver todos os artigos da série.
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