Luís Filipe Pereira: “Deve haver mais PPP na saúde”

Luís Filipe Pereira critica a proposta de lei de bases da Saúde. O ex-ministro e coordenador do PSD na saúde defende as virtudes das parcerias público-privadas.

Luís Filipe Pereira foi ministro da Saúde, é hoje coordenador do PSD para esta área e, no dia em que o Governo apresentou a proposta de Lei de Bases da Saúde, afirma em entrevista ao ECO24 que há um “preconceito ideológico” em relação ao setor privado e à gestão privada de hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Filipe Pereira defende “uma competição saudável” entre os setores público, privado e social. Competição como? “Tendo os três modelos em simultâneo. A população escolhe aquele hospital que quer ir, independentemente de estar a ser gerido pela iniciativa privada, pública ou social”.

Tendo em conta a nova Lei de Bases da Saúde que foi aprovada, concorda que são os privados os responsáveis pelo atual estado da saúde?

Não, muito pelo contrário. Penso que a introdução da iniciativa privada trouxe melhorias significativas quantitativas. São os próprios Tribunal de Contas e a UTAP [Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos], que é uma unidade de acompanhamento de projetos criada pelo próprio Ministério das Finanças, que dizem preto no branco que no ranking dos hospitais que os melhores hospitais da rede total são aqueles que são geridos pela iniciativa privada. São todos públicos. Estamos a falar concretamente de Braga, de Vila franca de Xira, Cascais, Loures… É claríssimo. Nem que percebo como é que se podem fazer comparações deste tipo porque são órgãos do Estado que dizem taxativamente que estes são os melhores hospitais dos rankings. Aqueles que têm custos mais baixos são aqueles que têm grande aprovação por parte da população. Não percebo essa afirmação.

Luís Filipe Pereira em entrevista ao ECO24 – 13DEZ18Hugo Amaral/ECO

É uma perseguição ideológica?

Não queria aplicar a palavra ‘perseguição’. Agora, que há preconceitos ideológicos e que a população portuguesa é que paga esses preconceitos… Sem dúvida nenhuma. Deixe-me aprofundar um pouco mais este tema. O que é importante é que os portugueses tenham os seus problemas resolvidos. Não é se é público ou privado. Andamos a discutir a questão errada. A questão não é se é público ou privado. A questão é se resolvemos os problemas das pessoas ou não. Quando olhamos para o estado atual, o Serviço Nacional de Saúde está pior que estava há dois anos.

Que números sustentam essa avaliação?

Do Tribunal de Contas e do próprio Governo que tem um relatório publicado pelo Ministério da Saúde. E os números que vou dar são retirados dessas fontes. No relatório do Governo de acesso aos cuidados de saúde vem dito que, em relação às cirurgias entre 2015 e 2017, aumentou o tempo de espera. Portanto, de 2,9 meses para 3,1. Mas o mais impressivo é que no número de cirurgia tínhamos 197.401 pessoas à espera de uma cirurgia em 2015 e em 2017 temos 231.250 pessoas. E este número agravou-se em 2018, com as greves e com os problemas gravíssimo do SNS. Temos que resolver o problema dos portugueses. Não é da ideologia. A ideologia não resolve os problemas.

Mas o Governo está a transferir mais dinheiro para o Orçamento para saúde do que transferia antes. Não revela uma aposta e um investimento do Governo no setor e no SNS?

Deixe-me dar-lhe dados quanto a isso. Vou dar um exemplo só para balizar o que é a minha experiência concreta. Quando fui ministro, em 2002 a 2005, o custo total das despesas totais de saúde em Portugal é, se não estou em engano, mas creio que não, eram 7,3 mil milhões de euros. Já agora, eram 7,3 mil milhões de euros e eu herdei uma lista de espera de 123 mil pessoas. Hoje, em 2018, gastamos 10 mil milhões e o número de pessoas em lista de espera aumentou em 100 mil.

Portanto, há pior gestão?

Há pior gestão. O SNS tem um problema de gestão. E precisamos de ter dentro do SNS a iniciativa pública, que é dominante e tem que ser dominante como é óbvio, mas a iniciativa privada e a iniciativa social para podermos comparar o desempenho e dizer à população…

Mas esta Lei de Bases não traz iniciativa privada?

Já não sei que pensar o que esta lei de bases traz. Porque aquilo que li esta manhã [de quinta-feira] na imprensa é que traz um retrocesso enorme quanto à situação atual. Os problemas graves que temos na saúde não precisam de uma nova lei de bases. Com a atual lei de bases, nós temos mais que suficientes ferramentas para resolver os problemas dos portugueses. Agora se queremos melhorar, uma melhor definição para alguns princípios, não estou em desacordo. Mas os problemas de fundo, a lei de bases, é mais que suficiente. Porque é que surgiu então a lei de bases? Custa a acreditar que é uma questão mais uma vez ideológica e política, que quase me atrevo a dizer, à custa da saúde dos portugueses.

Não gosto de dizer as coisas sem as comprovar. Isto surgiu há cerca de um ano quando o Bloco de Esquerda apresentou uma lei de bases, essa sim com substância — a meu ver — profundamente errada, no sentido de estatizar, de cortar todas as ligações que o setor privado e social tem com o SNS, que se revelaram mais que vantajosas ao longo do tempo. Portanto, vieram propor que fosse na prática nacionalizar ou estatizar o SNS.

Fui eu que, em 2002, propus um alargamento de parcerias público-privadas porque eram boas para a população e estão aí os resultados, mas até foi um ministro do PS que as colocou no terreno, porque eu já não tive tempo. Lancei os projetos, mas já não tive tempo porque entretanto saí. Como o PS não podia dizer que não a um partido político que faz parte da atual fórmula — em termos populares, da Geringonça — então criou um grupo de trabalho. Criou um grupo de trabalho liderado por pessoas de relevo até da área do PS. Foi criado porque o PS não podia dizer que não ao Bloco de Esquerda. Mas a questão não é essa. A questão é a solução de termos a iniciativa privada, social — misericórdias, por exemplo — e a pública, em conjunto em benefício da população, é mau? Não. Revelou-se extremamente vantajosa.

Luís Filipe Pereira em entrevista ao ECO24 – 13DEZ18Hugo Amaral/ECO

Essa realidade entre o público, o privado e o social deve funcionar em complementaridade ou concorrência? O setor privado deve colocar-se como concorrente do setor público? No fundo, contribuindo para uma maior exigência para o setor público, ou deve fazer aquilo que o setor público não pode ou não quer fazer?

Deixe-me dar-lhe uma resposta clara, porque tenho uma posição clara, não sei se certa. Nem uma coisa nem outra. Deve haver uma competição saudável entre as três.

Competição, como?

Tendo os três modelos em simultâneo. A população escolhe aquele hospital que quer ir, independentemente de estar a ser gerido pela iniciativa privada, pública ou social. Publicar os resultados da gestão dessas iniciativas publicamente para que a população sinta isso. Não estamos em concorrência porque para a população continua a ser completamente indiferente ir a um hospital que está a ser gerido por uma iniciativa ou por outra. Pode até nem saber. É completamente irrelevante. Não há aqui concorrência. Competição porquê? Porque dessa competência transparente pode-se pôr a opinião pública a ter controlo sobre qual é o desempenho de cada uma das unidades de saúde. Isso é bom para população e resolve problemas.

É coordenador do PSD na área da saúde. Para si, nesta qualidade, as parcerias público-privadas devem ser renovadas? O Governo disse que a PPP do hospital de Braga deverá regressar à gestão pública. A sua avaliação, é que a PPP de Braga deve continuar?

Penso que sim, mas deixe-me, antes de mais, dizer o seguinte. Nós temos que ser objetivos e, antes de mais, pôr as pessoas no centro do sistema. Isto não é uma frase feita, temos que ter as melhores soluções que resolvam o problema das pessoas. E a solução que foi encontrada, a par (e não é em substituição) da iniciativa pública foi altamente benéfica para as pessoas. Quem o diz é o Tribunal de Contas, o Ministério das Finanças. Nem é o PSD. Portanto, é bom que tenhamos um olhar racional sobre as coisas.

Já agora deixe-me dizer o seguinte: Temos na Constituição uma afirmação, com a qual concordo plenamente, que diz que todos têm o direito de ter cuidados de saúde gratuitos ou tendencialmente gratuitos só com taxas moderados. Mas, então, porque razão é que há dois milhões e meio de pessoas que têm seguros de saúde privados?

É um contrassenso. A resposta é esta: um milhão e meio são as empresas que pagam. É revelador que as empresas queiram ter custos para dar aos seus trabalhadores um bem público, que são os cuidados de saúde, ao qual têm direito gratuitamente. Mas além disso, há um milhão de pessoas que pagam do seu bolso. Porquê?

O SNS é mau?

O SNS tem um problema de acesso, isto é, não dá um acesso que as pessoas querem. As pessoas não estão disponíveis para estarem oito, nove, 10 meses ou até um ano ou dois em lista de espera.

Até que ponto os recursos que estão a ser entregues ao setor privado estão a impedir o setor público de ter uma melhor qualidade?

Estamos aqui no equívoco porque os recursos que hoje estão afetos ao setor público são mais caros. Tomemos o Hospital de Braga como exemplo. O Hospital de Braga custa menos do que se fosse gerido pela iniciativa pública. Quem o diz é Tribunal de Contas. Não estamos a transferir coisa nenhuma para privados. Os privados estão a trazer economias para o país. Há uma mistificação que foi feita e que é clarificada pelo Tribunal de Contas. Pelas próprias entidades oficiais.

Não estamos a transferir para coisa nenhuma. Se aqueles hospitais que hoje estão sob gestão privada estivessem na gestão pública eram mais caros. E dizem também os relatórios oficiais que a população está altamente satisfeita com os resultados que hoje estão a ser tidos com esta gestão. O que defendemos é que estas realidades se devem expandir.

Luís Filipe Pereira em entrevista ao ECO24 – 13DEZ18Hugo Amaral/ECO

Portanto, deve haver mais PPP?

Deve haver mais PPP para o bem das pessoas. Não é um problema ideológico. A ideologia não cuida de pessoas. O que temos é uma maneira prática e clara de adotar o que for necessário para resolver o problema das pessoas. Há uma coisa que é profundamente injusta. Quem é que está em lista de espera? Como se vê pelos 2,5 milhões que têm seguros de saúde, são as pessoas que têm algum rendimento que procuram resolver os seus problemas comprando seguros de saúde privados. O que é não cumprir a constituição em relação a essas pessoas.

Então quem está em lista de espera são os mais desfavorecidos e aquelas que não têm meios para comprarem um seguro de saúde. É uma ironia que aquelas pessoas que esses partidos de extrema-esquerda dizem defender são as que com este sistema que estão meses e anos há espera.

E no caso da ADSE? É outro tema que está em negociação…

A ADSE é outro tema. Na prática, a ADSE funciona como um seguro público de saúde. Os trabalhadores cotizam-se e a ADSE negoceia com qualquer operador — social ou privado — e as pessoas têm o direito de irem a esses estabelecimentos e terem os cuidados de saúde. Atrevo-me a dizer uma coisa, que tenho medo de ser desmentido pela opinião pública… Se perguntarem à totalidade ou grande generalidade dos funcionários públicos se queriam deixar de ter a ADSE, julgo que a resposta é negativa.

Atenção, que não temos que colocar isto numa dicotomia de soma nula em que uns ganham outros perdem. Não é privado nem é público. No fundo, o Estado tem que garantir um bem público de cuidados de saúde à população. O Estado tem que garantir, mas não tem que necessariamente produzir todos esses cuidados de saúde. O que nós defendemos é que maioritariamente, digamos com um peso decisivo, tem que ser Estado, mas ter uma rede com a iniciativa privada e social em benefício das pessoas.

Não há uma transferência excessiva, ou não houve no passado, de dinheiros públicos para o setor privado, através da ADSE?

Não conheço ao pormenor, mas o raciocínio é o mesmo. Temos que comparar o custo que é incorrido no setor público com o custo que é incorrido no setor privado. O que a experiência me tem dito é que o custo do setor público é mais caro e mais ineficiente. 25% a 30% são ineficiência. Se pensarmos que gastámos, em 2018, dez mil milhões, mesmo que sejam 20% são dois mil milhões de ineficiência. Significa que para fazermos a mesma coisa podíamos ter gasto menos dois mil milhões, logo para o contribuinte um valor mais baixo, ou então para gastar isto devíamos fazer mais 20% de cuidados de saúde.

É uma questão de análise ao que se passa no setor público. Esta questão a que estamos aprisionados — se é público ou privado — revela-se mistificadora. A questão não é um plano ideológico. Há ranking que todos os anos é feito pela União Europeia, que é o índice Euro Health Index, que compara 35 países da UE numa série de variáveis, como mortalidade infantil, esperança média de vida, entre outros.

Portugal está em 14º. Nos 12 primeiros lugares, em 2017, a esmagadora maioria não tem um sistema como o nosso, tem um sistema em que o Estado garante aos seus cidadãos, ou seja paga, mas a procura (a produção desses bens) está no setor privado ou social. Portanto, esta questão de reduzirmos tudo numa ótica ideológica a ‘o que é público é bom e o que é privado é mau’ ou ao contrário…

Qual o futuro do setor privado de saúde em Portugal?

Temo que, com este Governo a ceder a exigência de índole ideológica, os mais prejudicados são os mais desfavorecidos. É a população portuguesa. Deixe-me dar-lhe um exemplo concreto mais recente. Devido à greve dos enfermeiros, há cinco mil pessoas que tiveram as cirurgias adiadas. Os enfermeiros têm que ter atenção quando fazem greve…

Os enfermeiros estão a agir corretamente ou não?

Não me queria pronunciar nesse aspeto. O que eu queria era focar no cidadão: há cinco mil pessoas que têm problemas, de facto, alguns deles graves. O que devíamos estar a polarizar é como é que resolvemos isto. Há formas de o resolver…

Há? Face às exigências dos enfermeiros?

Há cerca de 15 anos, quando eu era ministro, o que fizemos com as listas de espera — e já vou generalizar para o resto — foi de dividir todas as listas de espera pelos hospitais por todo o país. A Direção-Geral de Saúde indicou os tempos máximos de espera, ou seja, tempos clinicamente aceitáveis.

Quando os hospitais não conseguiam cumprir, eram obrigados a dar um vale de cirurgia para que as pessoas fossem a qualquer outra iniciativa privada ou social. Apesar de ter saído há 15 anos manteve-se, até em todos os governos do PS, por exemplo. Porque não agora centrar em resolver os problemas das pessoas? Agora, temos que resolver os problemas das pessoas. Há pessoas que têm gravíssimos problemas e não é ideologia que os resolve.

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