Eles são os novos CEO. Gerem escritórios de advogados como quem gere empresas
Falámos com os managing partners de alguns dos mais importantes escritórios em Portugal para perceber como os seus modelos de gestão têm mudado cada vez mais para uma cultura empresarial.
Com o tecido e a cultura empresarial a crescerem e a mudarem a paisagem portuguesa, as sociedades de advogados cresceram também, em particular a nível orgânico. Como recentemente, José Miguel Júdice referiu em entrevista à Advocatus, a propósito do crescimento da PLMJ: “Nós fomos um bocado grandes demais a dado ponto para um mercado tão pequeno, mas até hoje continuamos a crescer”, chegando hoje aos 300 advogados, ao todo.
Houve, ainda, lugar a uma expansão internacional, nomeadamente para países lusófonos. Depois vieram as novas tecnologias, e os escritórios automatizaram-se. Agora, com a inteligência artificial a ganhar forma, há juristas que vêm as pilhas de papel nas suas secretárias reduzidas a metade ou a um terço.
As grandes sociedades estão a acompanhar a transição dos grandes negócios e muitas começam a mudar de sede, a pouco e pouco, para escritórios que qualquer pessoa identificaria como sendo de uma multinacional. Mas em que ponto um escritório de advogados deixou de ser um escritório de advogados para se assemelhar mais a uma empresa? Em que medida e quando é que a adoção de um modelo de gestão, definido e corporativo, se implementou?
João Vieira de Almeida, managing partner da VdA, admite uma necessidade em apostar em novos departamentos, como a comunicação, tecnologia e informática, devido ao mercado. “O crescimento, que exigiu a profissionalização da gestão, resultou do aumento da procura. Mas também a perceção muito clara de que uma adequada gestão da firma poderia potenciar ganhos, para nós e para os clientes”.
Hoje o managing partner é o CEO de uma sociedade de advogados, assumindo um papel mais estratégico e determinante na sua gestão.
Em dez anos as contratações também mudaram, porque o “tipo e grau de exigência são hoje diferentes”. Também se “alargaram as competências procuradas, pelo que a formação dos colaboradores dos departamentos de gestão é hoje bem mais variada e especializada”, refere João Vieira de Almeida.
Para Duarte de Athayde, managing partner da Abreu Advogados, “durante muito tempo as maiores sociedades de advogados cresceram sem uma verdadeira estratégia definida”.
O mercado de serviços legais tem mudado drasticamente, entretanto, porque se “sofisticou e os clientes tornaram-se mais exigentes, o que obrigou as sociedades de advogados a adaptarem-se a estas novas necessidades”, refere. O perfil da própria figura de managing partner mudou. “Hoje o managing partner é o CEO de uma sociedade de advogados, assumindo um papel mais estratégico e determinante na sua gestão”, acrescenta o jurista.
Nuno Galvão Teles, managing partner da Morais Leitão, fala de uma necessidade de mudança, motivada por vários fatores, tais como: “a abertura internacional, o crescimento da escala, a digitalização, a sofisticação e complexificação dos próprios serviços, o desenvolvimento dos próprios departamentos jurídicos dos clientes”.
Os managing partners hoje, a seu ver, “gerem uma estrutura profissional de advogados, com as suas características e limitações próprias”, por um lado. Mas, por outro, gerem também “uma estrutura de colaboradores que é, na prática, uma empresa dentro da sociedade, com um funcionamento altamente profissionalizado e com regras muito diferentes. O managing partner cruza estes mundos”, diz, para que o resultado possa ser articulado e integrado.
“A integração na sociedade internacional CMS em janeiro de 2012 acarretou uma exigência acrescida na eficiência da gestão. Nos últimos anos, temos feito um investimento no desenvolvimento das equipas das áreas chamadas de suporte”, refere José Luís Arnaut, managing partner da CMS Rui Pena & Arnaut. Para o jurista, a “advocacia continua e continuará a ser assente na confiança”, mas a isso acresce, cada vez mais, “uma abordagem pragmática e comercial, respostas rápidas e eficientes”.
Os managing partners hoje gerem uma estrutura de colaboradores que é, na prática, uma empresa dentro da sociedade, com um funcionamento altamente profissionalizado e com regras muito diferentes. O managing partner cruza estes mundos.
Hoje em dia, as grandes sociedades de advogados são, evidentemente, “estruturas muito mais complexas, muito expostas ao exterior, muito internacionalizadas e a exigência na sua gestão é cada vez maior”, pelo que a exigência de ser associada à eficiência, conclui.
Diogo Xavier da Cunha, managing partner da Miranda, diz que “a criação de novas funções profissionais, de apoio à prática dos advogados, sempre obedeceu mais a necessidades de melhor organização e mais eficiência, do que propriamente a exigências de mercado”, o que acabou por ser decorrente do crescimento da firma. “Os clientes internacionais, que são a maioria dos nossos clientes, estão acostumados a que estas funções sejam asseguradas por outros profissionais não advogados. É algo perfeitamente normal, há muitos anos, no panorama das firmas de advogados internacionais”.
Quanto ao perfil dos managing partners, o advogado refere que é “natural que tenha havido uma mudança no perfil dos sócios” que assumem este o papel. Alguns escritórios têm adotado uma certa rotatividade quanto ao sócio que assume a função, que faz com que haja mudanças de perfil, pois os sócios não são réplicas uns dos outros”, conclui.
A managing partner da Cuatrecasas, Maria João Ricou, conta que “o setor da advocacia tem vindo a sofrer uma enorme evolução que passa pela transformação do modelo de gestão”, do desenvolvimento da atividade e da cultura organizacional.
Para a advogada, o aspeto mais crítico quando se fala de inovação, seja ela tecnológica ou geracional, “é a mudança da cultura organizacional”. Nesse sentido, a implementação do plano estratégico da Cuatrecasas traduz-se “numa nova forma de abordar o trabalho e os processos de gestão, nomeadamente o “empowerment” dos mais jovens, novos métodos mais eficientes de gestão de projetos, a incorporação de novas tecnologias e IA, e políticas de promoção da igualdade de género e de retenção do talento feminino”, conclui.
Luís Pais Antunes, managing partner da PLMJ, conta que para além de ser uma necessidade ter um managing partner “dedicado quase exclusivamente à gestão da sociedade”, também os serviços de suporte “necessitam de ser dotados de recursos cada vez mais especializados”, nomeadamente áreas como a gestão e planeamento financeiros, os sistemas de informação e a segurança informática, a gestão do conhecimento e a business intelligence ou a comunicação interna e externa.
Contudo, Luís Pais Antunes não deixa de realçar que a adoção de uma lógica empresarial na organização da prestação dos serviços “não significa a “desumanização” da advocacia ou uma renúncia àquilo a que se poderia chamar de “advocacia tradicional”. “Pelo contrário, julgo que hoje estamos até mais próximos dos clientes porque soubemos equipar-nos para conhecermos melhor as suas necessidades e os mercados em que exercem as suas atividades”, remata.
João Miranda de Sousa, managing partner da Garrigues em Portugal, fala de um modelo organizativo de matriz ibérica que começou a ser implementado há mais de duas décadas. São hoje um escritório “com mais de dois mil advogados, presente em quatro continentes e 13 países”, orientado para a gestão de equipas especializadas noutras áreas que não somente as jurídicas.
Nesse sentido, o jurista conta que o perfil dos managing partners da Garrigues não sofreu com a introdução de funções de gestor. A sociedade procurou sempre encaixar “advogados de corpo inteiro, com ampla trajetória e com conhecimento profundo da profissão” e com capacidade “para dar os impulsos necessários para que a mesma jamais se desvie do caminho da aprendizagem e da melhoria contínua”.
Já Pedro Rebelo de Sousa, managing partner da SRS Advogados, diz que “os managing partners das maiores sociedade de advogados tiveram que se transformar em gestores”. Tanto pelas “características de uma economia global, o nível de sofisticação de serviços e a exigência crescente por parte dos clientes”. No entanto, o maior desafio de um managing partner nos dias de hoje, revela, “é a gestão dos seus advogados e colaboradores, a efetiva aplicação de planos de carreira e a consequente retenção do seu capital humano e o acompanhamento da evolução tecnológica”.
O modelo de gestão deste escritório está suportado numa plataforma “com uma poderosa ferramenta financeira que nos permite avaliar a cada momento a rentabilidade de cada assessoria ou processo, advogado, departamento, setor e área de atividade”, refere o advogado. Esta aposta nos sistemas de informação “veio revolucionar os procedimentos de trabalho e controlo de gestão”, conclui.
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