Os ‘Trump’ que nós produzimos …
Os ‘Trumps’ emergem da desigualdade e do desemprego. É por isso que a esquerda vai ganhando o combate discursivo.
Na manhã de quarta-feira, a opinião publicada percebeu: há mais ‘Trumps’. Os milhões de votos antissistema num rico que não paga impostos, com um discurso securitário anti-imigração, racista, misógino, homofóbico, anti comércio livre são de gente concreta.
Esses votos não foram ‘republicanos’, ou pelo menos em parte, foram uma expressão de rutura de representatividade; mais do que a adesão a uma agenda, os votos representam um confronto entre ‘castas’ que se agudiza – os de cima e os de baixo – envolvido num clima de insegurança económica, que tem vindo a atirar ‘pobres contra pobres’, onde os desempregados ‘brancos’ encontram no imigrante económico, que fugiu à miséria, o seu ‘principal’ adversário.
Não se distingue, no essencial, de Le Pen, de Farage ou da extrema-direita alemã ou holandesa. Mas o Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo, o Syriza e outros partidos à esquerda, excluindo a lógica anti-imigração, também apostam na lógica das ‘castas’. Talvez a melhor ilustração seja mesmo o Podemos, em Espanha: diz-se dos de ‘baixo’ contra os de ‘cima’. Afirma não ser de ‘direita’, nem de ‘esquerda’. É uma espécie de ‘movimento’ de base ‘inorgânica’ de afirmação de uma rutura.
Mas estes ‘Trumps’ – estes eleitores da rutura – não têm representatividade em Portugal; não estão no hemiciclo. Hillary ganharia ‘por goleada’ no hemiciclo português, mas é preciso perceber que a opinião publicada nunca esteve ao lado destes fenómenos, e que o discurso demagógico anti partidos tem feito caminho, ao mesmo tempo que a abstenção tem vindo a crescer. E fenómenos como o ‘Tino de Rans’ são a expressão de que algo vai mal. Os casos de corrupção, ‘licenciaturas’, entre outros, não vão ajudando.
Para quando um partido da rutura em Portugal? Será esse o papel do PCP e do BE? Pouco provável, e menos agora que a ‘geringonça’ tem obrigações acrescidas. E à direita não emerge nenhum partido com capacidade eleitoral que consiga incorporar um discurso xenófobo e misógino. Mas isso não significa que os que vamos ‘produzindo’ ‘Trumps’ não votem ou não se ‘alistem’ da abstenção militante; quer dizer apenas que a política portuguesa protegida geograficamente da onda de refugiados, ao mesmo tempo que vai testando uma solução diferente – e aí Costa, Jerónimo e Catarina têm mérito –, vai adiando o confronto do sistema político português com uma realidade pós-Abril, que uma mudança geracional pode vir a acelerar.
Esta questão recoloca a prioridade política no emprego, nas políticas de emancipação dos jovens e na igualdade de oportunidades. De nada serve querer andar depressa na competitividade, se a coesão social e territorial não estiver presente nas políticas públicas. Os ‘Trumps’ emergem da desigualdade e do desemprego. E de um sistema político que mostra uma desafetação progressiva face às desigualdades que o sistema económico vai produzindo.
É por isso que a esquerda portuguesa vai ganhando o combate discursivo; não é tanto a lógica austeridade versus expansão. É mais o acento tónico no emprego e na coesão, num quadro em que a direita mantém uma proposta política a duas velocidades, dando prioridade ao crescimento, às condições de investimento, secundando a qualidade do emprego e a promoção da coesão social. Cria um ‘caldo’ de desigualdade que empobrece o país, e em particular fomenta ‘Trumps’. E ou paramos de os produzir com políticas que promovem a exclusão ou eles também aqui serão suficientes para dar um ‘rombo’ no sistema político português.
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