Prova dos 9: Propinas são “barreira à entrada” no ensino superior?
O Governo e o PR defendem a eliminação das propinas de modo a democratizar o ensino superior. Mas será que tal extinção é sinónimo de fomentar o acesso a esse tipo de estudos? O ECO foi pesquisar.
A discussão foi lançada, na segunda-feira, pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e, desde então, muita tinta tem corrido. Na Convenção Nacional do Ensino Superior, Manuel Heitor defendeu a redução dos custos das famílias com os filhos que prossigam estudos, admitindo o fim das propinas. No mesmo dia, os secretários de Estado da Educação e dos Assuntos Parlamentares mostraram apoiar essa medida e até o Presidente da República disse concordar “totalmente” com a ideia. Mas serão mesmo as propinas uma barreira de entrada no ensino superior?
“Temos um sistema muito diversificado na Europa, mas a tendência normal é reduzir, no prazo de uma década, os custos das famílias”, disse o ministro da Ciência, referindo que, nesse quadro, a eliminação das propinas deverá ser possível através de um “esforço coletivo de todos os portugueses”.
“Se não reduzirmos de forma drástica os custos com o ensino superior não vamos conseguir que os filhos de classe média consigam estudar no ensino superior”, alertou, por sua vez, Pedro Nuno Santos, considerando que as propinas são uma “barreira à entrada” desse ciclo de estudos. O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares defendeu também a redução dos custos dos transportes e das residências, apontando-os como fatores de exclusão.
Mais tarde, no encerramento do evento referido, o próprio Presidente da República aproveitou para corroborar esta ideia. “[A eliminação das propinas] significa dar um passo para terminar o que é um drama, que é o número elevadíssimo de alunos que terminam o ensino secundário e não têm dinheiro para o ensino superior, porque as famílias não têm condições, portanto, têm de trabalhar, não podem permitir-se aceder ao ensino superior”, disse o chefe de Estado. Marcelo Rebelo de Sousa mostrou, assim, concordar “totalmente” com a ideia trazida para o debate por Manuel Heitor.
Declarações feitas, serão mesmo as propinas um obstáculo à entrada no ensino superior? O ECO foi cruzar dados e comparar a percentagem de jovens inscritos em instituições de ensino em países europeus que cobram propinas e que não as cobram.
Os factos
Na versão mais recente do Education at a Glance, relatório anual sobre a educação nos países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), conclui-se que, em Portugal, apenas 37% da população entre os 20 e os 24 anos (idade em que a maioria dos alunos está a frequentar uma licenciatura) está inscrita numa instituição de ensino. Tal percentagem compara com a média registada ao nível países europeus que pertencem à OCDE: 43%.
Eslovénia lidera o ranking
Fonte: OCDE
No topo desta tabela (considerando apenas os países europeus), aparece a Eslovénia, com 61% da população entre os 20 e os 24 anos inscrita numa instituição de ensino. Os dois outros lugares do pódio são ocupados pela Dinamarca (55%) e a Holanda (53%).
Para pôr à prova o raciocínio apresentado pelo Governo e pelo Presidente da República, o ECO foi cruzar esses números com os dados relativos às propinas, que foram divulgados pela Comissão Europeia no National Student Fee and Support Systems in European Higher Education.
Segundo esse relatório, há seis países europeus que não cobram qualquer tipo de propinas: Alemanha, Suécia, Finlândia, Noruega, Grécia e Chipre. A estes somam-se sete países que só as cobram aos alunos em part-time (tratando-se mesmo nesses casos de valores reduzidos, entre um euro e cem euros): Dinamarca, Estónia, Croácia, Malta, Polónia, Eslováquia e Eslovénia. Além destes, na Letónia, Lituânia, Hungria, Roménia, Bósnia e Sérvia são cobradas propinas só no ensino privado.
Mas há ou não uma relação entre o peso das propinas e a percentagem de alunos que decide prosseguir estudos? Dos 14 países europeus que pertencem à OCDE e escolhem não aplicar esse tipo de encargo às famílias, 11 registam percentagens mais elevadas do que Portugal de inscrição de jovens entre os 20 anos e os 24 anos no ensino e três ficam abaixo do nível luso.
Portanto, não cobrar propinas não é sinónimo imediato de maior integração dos jovens no ensino superior. Sem esse tipo de encargos e abaixo de Portugal, aparecem a Hungria (36%), a Áustria (34%) e a Eslováquia (33%). De notar que, desses três países, dois (a Áustria e a Eslováquia) apresentam, segundo o Eurostat, um maior PIB per capita expresso em Paridades de Poder de Compra (PPC). Descarta-se assim também uma eventual correlação direta entre o poder de compra de um dado país e a sua taxa de acesso ao ensino superior.
A confirmar essa observação está Luxemburgo (que cobra propinas entre os 101 euros e os mil euros), cujo PIB per capita em PPC é o mais elevado dos países considerados (260%), mas a percentagem de jovens entre os 20 e os 24 anos inscritos no ensino é a mais baixa da tabela (21%).
Além disso, é importante frisar que na terceira posição da tabela relativa à percentagem de jovens com 20 a 24 anos inscritos no ensino aparece a Holanda (que cobra propinas entre os 1.001 e os 3.000 euros) com 53%.
Por outro lado, o caso da Eslovénia é particularmente interessante. À semelhança de Portugal, esse país regista 77% de PIB per capita em PPC. Distingue-se, contudo, por ocupar o primeiro lugar do ranking em causa (considerando os países europeus que pertencem à OCDE) com 61% dos seus jovens inscritos no ensino. De notar que os estudantes eslovenos não pagam, na sua grande generalidade, propinas.
Note-se que tanto os dados relativos à percentagem de jovens inscritos como aqueles referentes ao PIB per capita em PPC são os mais recentes que estão disponíveis, embora digam respeito a 2016.
Prova dos 9
A regra é que não há regra. Há exemplos para todos os gostos, o que demonstra que o critério das propinas não é suficiente para avaliar se haverá mais ou menos alunos no Ensino Superior. Isto de acordo com os variados exemplos que polvilham o continente europeu. Resumindo, as “propinas são barreira à entrada no ensino superior?”
Poder-se-ia argumentar que sim, já que:
- Há países que têm propinas e têm um nível baixo de acesso no ensino superior (Exemplos: Luxemburgo, Reino Unido, Itália);
- Há países que não têm propinas e têm um elevado nível de acesso ao Superior (Exemplos: Eslovénia, Dinamarca, Grécia).
Poder-se-ia argumentar que não, já que:
- Há países que têm propinas, mas também têm uma elevada taxa de acesso ao ensino superior (Exemplos: Holanda, Turquia);
- Há países que não têm propinas, e mesmo assim têm um baixo nível de acesso ao ensino superior (Exemplos: Eslováquia, Áustria, Hungria).
Ou seja, o critério do acesso ao ensino superior, por si só, e na comparação com os outros países para os quais existem dados, não é suficiente para avaliar se as propinas são ou não uma barreira.
Além disso, à parte dos múltiplos fatores relacionados com a capacidade financeira das famílias (propinas e não só), há que ter também em conta parâmetros que ultrapassam o poder de compra, uma vez que, como ficou demonstrado, euros na conta dos cidadãos não equivalem diretamente a vontade de prosseguirem estudos. O caso mais claro dessa conclusão é o de Luxemburgo.
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