Porquê escolher entre viajar e trabalhar? Os nómadas digitais juntam o melhor dos dois mundos
Trabalhar, para qualquer nómada digital, não é sinónimo de um horário das 9h às 18h, nem de um escritório no centro da cidade. A única exigência é o wi-fi. Já o roteiro, esse pode percorrer o mundo.
“Estou na Tailândia, na praia, e, ao mesmo tempo, com o computador ligado a trabalhar”, brinca Diogo Cunha, publicitário. “Este é o cliché quando se fala em nómadas digitais, mas não é bem assim”, continua. Diogo tornou-se nómada digital há cerca de três anos, depois de uma experiência no Vietname que lhe aguçou a vontade de trabalhar remotamente. Agora, em terras nacionais, a paragem é o Porto, onde deverá permanecer durante os próximos três meses.
O seu “lema” é trabalhar para viver e não o contrário. “Eu vivo e, by the way, trabalho”, afirma. Ciente de que “as agências mais tradicionais ainda gostam de ter as pessoas nos escritórios”, Diogo Cunha voltou-se para o trabalho freelancer e, cada vez mais, trabalha em ambiente de marketing digital.
Trabalhar, para ele, tal como para qualquer nómada digital, não é sinónimo de um horário das 9h00 às 18h00, nem tão pouco de um escritório no sétimo piso de uma torre, que obriga à passagem de um cartão e um torniquete para entrar nas instalações.
“No ano passado, fui convidado para ir trabalhar para a Parfois, no Porto. Aceitei o projeto, mas depressa percebi que não me adequava. Uma vez nómada digital, nómada digital para sempre”, conta ao ECO. “Se a minha chefia não estava habituada a que houvesse trabalho remoto, eu também não iria ser o único colaborador, entre 300 e tal, a fazê-lo. Só o facto de estar sentado num sofá com o portátil a trabalhar já era um motivo de disrupção”, continua.
"Se a minha chefia não estava habituada que houvesse esse trabalho remoto, eu também não iria ser o único colaborador, entre 300 e tal, a fazê-lo.”
A primeira barreira passa, por isso mesmo, pela mudança de mentalidade, sobretudo em Portugal. Já no caso específico de Lisboa, o atual maior obstáculo é mesmo o custo do arrendamento. “Lisboa está um pouco impossível. O custo das rendas é a grande barreira para os nómadas digitais portugueses. Para os estrangeiros não tanto”, diz Diogo Cunha.
Lígia Gomes, da Remote Year, vai mais longe, dizendo que o custo do arrendamento pode, brevemente, tornar-se um obstáculo também para os nómadas digitais estrangeiros. “As casas estão a ficar muito caras e, com o alojamento a subir a este ritmo, já não compensa para os nómadas virem para cá”, afirma.
Mas, por enquanto, nas palavras da diretora geral da Remote Year em Lisboa, ainda há muitos nómadas digitais a incluírem Portugal nos seus roteiros. O que já está a acontecer, no caso dos nómadas que viajam a título pessoal, é que trocam Lisboa por Cascais ou pela Ericeira, por exemplo. Já na Remote Year, Lisboa continua a ser a cidade portuguesa escolhida.
“Lisboa é ainda ligeiramente exótico”
E não só consta do roteiro como é, também, uma das cidades que os nómadas mais gostam. “Depois de finalizarem o programa, há muitos que acabam por voltar a Lisboa”, conta Lígia Gomes, acrescentando que a capital portuguesa é mesmo a segunda ou terceira cidade na Remote Year com o maior número de pessoas a voltar.
O clima, a proximidade ao mar e a gastronomia são algumas das características mais apreciadas por quem vem de fora. Lígia Gomes diz que muitos dos clientes da Remote Year vêm da América e, para eles, Lisboa é um destino “diferente”, que lhes suscita curiosidade.
“Quando um americano pensa em vir à Europa, pensa naquele circuito que inclui Paris, Barcelona, Londres e Roma. Lisboa não está, normalmente, no roteiro”, afirma Lígia Gomes. Sobretudo para os nómadas digitais que vêm de fora da Europa, “Lisboa é ainda ligeiramente exótico”, continua.
Segundo o índice nómada digital da Spotahome, Lisboa é a segunda melhor cidade para os nómadas digitais. Apenas Belfast, no Reino Unido, fica à frente da capital portuguesa. O ranking, que engloba um total de 56 cidades, avalia cada uma destas cidades de acordo com uma série de categorias, entre elas a velocidade da internet, o custo médio de arrendamento, espaços de coworking, as horas anuais de exposição solar e até mesmo o custo da cerveja.
No caso de Lisboa, o custo da cerveja é precisamente o fator com a melhor pontuação, seguindo-se — surpreendentemente — o custo médio de arrendamento e a aceitação de migração. Já as pontuações mais baixas foram atribuídas à classificação de startups, à velocidade de internet e à qualidade dos espaços de coworking.
“Não é justo ter de escolher entre viajar e trabalhar”
Nasceu nos Estados Unidos da América (EUA) e está em Lisboa desde 2016. A Remote Year é uma empresa que oferece programas, de um ano ou quatro meses, para os nómadas digitais. “As pessoas pagam uma mensalidade e têm tudo incluído, desde viagem a alojamento, tal como a experiência de imersão na cultura da cidade”, explica Lígia Gomes.
Para a Remote Year, “não é justo ter de escolher entre viajar e trabalhar”. Trabalhar quase todos os dias do ano e viajar apenas nos pouco mais de vinte dias de férias parece-lhe pouco e, mais do que isso, uma escolha que não deveria ser tomada.
“O importante é ter uma profissão que se possa fazer em qualquer lugar”, afirma Lígia Gomes. Este é o principal requisito para ser um nómada digital, mas as situações podem variar. Se, por um lado, há trabalhadores que já são freelancers no seu país e querem fazer o mesmo trabalho por todo o mundo, por outro, há pessoas que querem simplesmente mudar de estilo de vida.
“Às vezes temos até pessoas mais velhas nesta situação. Tivemos uma senhora com mais de 60 anos que queria conhecer o mundo e, apesar de não trabalhar, estava a escrever um livro”, conta.
E se fosse a sua empresa a pagar-lhe para ser nómada digital?
Estar empregado numa determinada empresa — com um horário e uma localização fixos — não pode ser, contudo, impedimento de experimentar uma vida de nómada digital. Há, também, casos em que as pessoas vêm ter com a Remote Year já com o aval da empresa onde trabalham, que está disposta a possibilitar-lhes esta experiência, podendo assegurar o valor total do programa ou parte dele.
Mas nem todas as empresas são fáceis de “convencer”. “Nestes casos, em que a pessoa quer muito ter esta experiência, a Remote Year ajuda a convencer a empresa, explicando as vantagens de oferecer esta oportunidade aos seus colaboradores”. Em Portugal, contudo, os empregadores ainda não aderem muito a este tipo de programas, ao contrário dos americanos, canadianos e australianos, por exemplo.
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