Ginásio, horários flexíveis e até viagens. Os trunfos das empresas para atrair e reter talento
Férias, ginásio ou creche dos filhos. As empresas dão e os colaboradores compensam com mais produtividade, disponibilidade e motivação. Será mesmo assim?
Quem não gostaria de ter um fim de semana prolongado a cada mês? E a mensalidade do ginásio ou da creche dos filhos paga pela sua empresa? No que toca a medidas de recompensa e incentivo aos colaboradores, a lista de regalias é longa, e a de empresas que já as praticam também não se fica nada atrás.
Entre as várias organizações, de norte a sul do país, que já acordaram para a necessidade de recompensar os seus trabalhadores, o ECO falou com três delas. Todas já trouxeram este tipo de medidas para a sua política de gestão e garantem que foi um passo decisivo para a produtividade.
A Crioestaminal é uma das várias empresas que quer proporcionar aos seus colaboradores as melhores oito horas de trabalho de sempre. Pode parecer uma tarefa um pouco difícil, mas a empresa — que é o primeiro e o maior banco de criopreservação em Portugal — continua empenhada nisso mesmo.
E a saúde é o mote. Para começar, a Crioestaminal oferece aos seus colaboradores tanto consultas médicas como exames. Além disso, os cabazes de Natal são transformados em cabazes de maternidade e oferecidos aos recém-papás da empresa. Já os horários são flexíveis e os trabalhadores podem receber um cheque para voar até outro país, umas férias “à conta” da empresa.
Também dentro das portas do laboratório há momentos dedicados à diversão ou à promoção da prática de exercício físico, com espaços de lazer que têm desde ténis de mesa a bicicletas elípticas.
É um tiro certeiro e em duas frentes. Se, por um lado, os trabalhadores ficam mais satisfeitos, por outro, as empresas veem os seus níveis de produtividade aumentarem. “É um investimento no envolvimento dos colaboradores com a missão da Crioestaminal, que se traduz numa maior produtividade e disponibilidade sempre que é necessário”, explica Alexandra Mendes, diretora de recursos humanos da empresa de células estaminais, em declarações ao ECO.
Mais produtividade, motivação e compromisso
Da saúde para as tecnologias de informação (TI), a Edge também já “acordou” para esta realidade. Implementou algumas medidas, sobretudo relacionadas com a formação e valorização dos seus colaboradores. Oferece, por exemplo, planos de certificação, paralelamente ao plano anual de formação, e prémios de desempenho, que não têm obrigatoriamente de chegar ao final do mês no mesmo recibo que o salário. Podem não ter caráter monetário, e dependem muitas vezes das motivações dos trabalhadores.
A empresa garante que foi graças a esta política que sentiu “um reflexo extremamente positivo na produtividade” dos colaboradores. Mas não só a produtividade beneficiou. “Também foram registadas melhorias significativas na motivação e compromisso dos colaboradores com a empresa”, afirma Rita Silva, CEO da Edge.
Para a responsável, o principal objetivo deste tipo de iniciativas internas “passa por ter colaboradores felizes, motivados e comprometidos com a organização, para que sintam que têm voz na empresa e que esta reconhece o seu empenho e dedicação, em suma, o seu valor”.
A Michael Page, que atua na área dos recursos humanos e que, por isso, está muito habituada a trabalhar com várias pessoas (com diferentes níveis de motivação e empenho), confirma-o. Com base na sua experiência diz que “um colaborador feliz e saudável — a quem são dadas oportunidades de flexibilidade, a quem são reconhecidos os méritos com compensações remuneratórias e não remuneratórias, a quem são disponibilizadas novas experiências e formas de facilitar a vida e a gestão entre o âmbito profissional e pessoal — será um profissional mais produtivo e mais comprometido com a empresa”, explica Joana Barros, senior marketing executive da Michael Page.
Férias pagas em troca de motivação
É uma espécie de lei de retorno. Férias pagas por mais motivação, massagens de relaxamento no local de trabalho por mais compromisso ou, até, como faz a Tesla, ações da empresa em troca de mais produtividade. E parece que funciona mesmo.
Aliás, tem mesmo de funcionar, já que, nos dias que correm, os jovens valorizam muito mais do que apenas o salário. “Hoje em dia é muito frequente jovens trocarem de emprego mas não porque vão ganhar mais, porventura até com uma remuneração inferior”, explica José Miguel Leonardo, CEO da Randstad de Portugal, ao ECO.
"O salário é um fator higiénico, é algo que não pode representar um problema. Mas aquilo que faz a diferença são os outros fatores.”
“Fazem-no [mudam de emprego] a pensar na causa, no projeto, nas pessoas com quem vão trabalhar, no próprio ambiente da organização. São estes os fatores que os inspiram”. “O salário é um fator higiénico, é algo que não pode representar um problema. Mas aquilo que faz a diferença são os outros fatores”, refere.
Para o CEO da empresa de serviços de recursos humanos, os elementos tradicionais de retenção — que funcionavam antes — já não funcionam mais. “Daí a importância do employer branding, que não é mais do que instalar dentro das empresas uma estratégia de atração e retenção das melhores pessoas, através daquilo que a empresa imprime na sua cultura, nos seus produtos, nas suas atitudes e na forma como lida com os stakeholders”, diz.
A própria Randstad em Portugal está, também ela, a mudar, mais adaptada às necessidades dos seus colaboradores. Consciente de que o equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional é uma das maiores preocupações de quem entra agora no mercado de trabalho, a empresa com sede na Holanda está a dar os primeiros passos naquilo que viu ser o interesse de alguns trabalhadores: o voluntariado internacional.
“Neste momento temos uma colega que está a regressar da Tanzânia, onde esteve quatro meses em voluntariado a ajudar microempresas a iniciarem as suas atividades”, explica José Miguel Leonardo. A Randstad ofereceu a oportunidade e esta colaboradora não quis perdê-la.
“O que fizemos foi facilitar-lhe a saída, mantendo a sua remuneração. Assim pôde dedicar-se exclusivamente a uma causa que certamente será inesquecível”, afirma José Miguel. “É incrível ver a alegria e a felicidade das pessoas que têm este tipo de experiências”.
É uma espécie de Gap Year, mas de menos tempo e proporcionado pela própria empresa. O teste com esta colaboradora parece ter corrido muito bem e agora já há até fila com novos colaboradores interessados.
Aparentemente são medidas simples, mas que podem fazer muito pela produtividade, sobretudo num momento em que este indicador precisa que o país lhe dê especial atenção, já que Portugal se apresenta como um dos países com níveis de produtividade mais baixos.
A valorização das pessoas e, sobretudo, a sua motivação são essenciais para a produtividade das organizações.
Este tipo de medidas surge como uma das formas — entre muitas — de colmatar os baixos níveis de produtividade das empresas. Ainda recentemente, a ex-secretária de Estado da Indústria, Ana Teresa Lehmann, disse, em declarações ao ECO, que “a valorização das pessoas e, sobretudo, a sua motivação são essenciais para a produtividade das organizações”. “Características que são fundamentais nas empresas de hoje, mas sobretudo nas empresas do futuro”, acrescentou na altura.
Assim se alcança o mesmo output, mas com menos recursos
Mas não é só de produtividade que se trata. Há quem olhe para estas medidas também como um meio para atrair e reter talento. “A guerra pelo talento está aí e é preciso utilizar todos os meios e mecanismos de que dispomos para atraí-lo e retê-lo”, destaca Nuno Belo, partner e consulting leader da Deloitte.
“Este é um, entre outros, dos fatores mais importantes para reter as pessoas numa organização e, simultaneamente, um excelente argumento para atrair novos profissionais“, acrescenta.
"Essas empresas terão uma vantagem face às restantes, pois conseguirão alcançar o mesmo output com menos recursos.”
Na opinião de Nuno Belo, as empresas que já incluem medidas de recompensa e incentivo aos trabalhadores estão numa posição vantajosa. “Essas empresas terão uma vantagem face às restantes, pois conseguirão alcançar o mesmo output com menos recursos”, afirma.
O que falta?
Ainda que a lista de empresas que já adotaram este tipo de incentivos seja longa, isso não significa que todos os líderes já estejam convencidos do impacto positivo que estas podem ter na produtividade da empresa. Porquê? Joana Barros, da Michael Page, considera que é uma questão de tempo.
“Os líderes das grandes empresas estão cada vez mais atentos a estas preocupações e o desenvolvimento de políticas de retenção integradas que englobam este tipo de vantagens adicionais é, também, cada vez mais comum”, considera. Quanto às empresas que ainda não têm este tema na sua agenda terão, certamente, “ambientes de trabalho e estilos de liderança mais tradicionais, que ainda não despertaram para as novas necessidades dos colaboradores, nomeadamente as das camadas mais jovens”.
"Continuamos a operar num mercado de trabalho pouco orientado aos colaboradores e às suas necessidades.”
Rita Silva, da Edge, considera, por outro lado, que o problema está no próprio mercado de trabalho. “Continuamos a operar num mercado de trabalho pouco orientado aos colaboradores e às suas necessidades”, justifica. Por esse mesmo motivo, no momento de tomada de decisão, “nem sequer é tido em consideração pela gestão o que pode ser feito para melhorar a vida dos colaboradores nas organizações”.
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