Saúde mental interessa para a produtividade? O que dizem os especialistas
A degradação da saúde mental dos profissionais portugueses custa anualmente às empresas 329 milhões de euros. Em honra do Dia Mundial da Produtividade, o ECO foi descobrir como otimizar o trabalho.
Toca a sirene e a linha de montagem para. Os trabalhadores responsáveis pela repetição quase infinita dos movimentos que transformam as diferentes partes em produtos finais afastam-se dos tapetes rolantes e ginasticam os músculos. Falam entre si, interagem e regressam, pouco depois, à lida. O ritual repete-se de meia em meia hora em algumas fábricas de Portugal, garante Miguel Santos, partner da IMBS. O objetivo? Motivar os colaboradores, cuidando assim da sua saúde mental e, consequentemente, impulsionando a produtividade da empresa, sublinha, em conversa com o ECO, o consultor.
“A questão da motivação dos colaboradores é fundamental para nós”, salienta o representante da IMBS (consultora que se dedica à melhoria da rentabilidade operacional das companhias nacionais). Na semana em que se celebrou o Dia Mundial da Produtividade, Miguel Santos reforça que ser produtivo não é sinónimo de trabalhar mais, mas de trabalhar melhor… e isso passa pela não só pela otimização dos processos, mas também por garantir que todos os trabalhadores se sentem parte da solução e, portanto, estão mais dedicados ao projeto que servem.
“Quando pensamos em produtividade, não é só fazer com que o empregado trabalhe mais“, concorda Teresa Espassandim, em declarações ao ECO. Psicoterapeuta, coach e membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Teresa adianta que todos os anos, em Portugal, as perdas geradas por absentismo causado por problemas psicológicos rondam os 329 milhões de euros: 212 milhões de euros anuais, no caso da Pequenas e Médias Empresas (PME) e 117 milhões de euros anuais, no caso das grandes empresas.
Os estudos demonstram que, por cada euro investido em intervenções e na dinamização da saúde mental no trabalho, pode haver um retorno de oito a nove euros.
Nesse quadro, recorde-se que, em maio, o Banco de Portugal revelou que, apesar de a economia estar a recuperar, a produtividade por trabalhador não está a evoluir positivamente. “No atual período de recuperação da economia portuguesa, a produtividade por trabalhador no conjunto da economia tem diminuído”, lia-se nesse Boletim Económico.
A especialista avança ainda que, apesar de 80% das empresas lusitanas estarem preocupadas com esta ligação da produtividade à saúde mental, 80% dessas refere que “só desencadeará medidas se for obrigada por lei”, uma vez que encara esse investimento na saúde mental dos seus trabalhadores como um gasto. “Os estudos demonstram que, por cada euro investido em intervenções e na dinamização da saúde mental no trabalho, pode haver um retorno de oito a nove euros”, salienta Teresa.
O stress não é o inimigo
Quase um quarto dos trabalhadores a nível europeu admite sofrer de stress ocupacional, mas sentir essa tensão não é necessariamente nefasto. “Ter stress não é mau, orienta-nos para a ação”, realça Teresa Espassandim, referindo que apenas a exposição “a períodos de stress muito prolongados” pode ser prejudicial e levar a casos mais graves: burnout, depressão, ansiedade.
Segundo a especialista, a exposição a um “mau ambiente de trabalho e a chefias tóxicas”, bem como a imposição de trabalho “com pouco sentido” para o colaborador e a ausência de feedback são os principais fatores de risco. Portanto, tal como Miguel Santos, Espassandim recomenda aos empresários que estimulem a motivação e o envolvimento dos seus trabalhadores, se quiserem concretizar todo o seu potencial produtivo.
A produtividade não é só fazer mais rápido, é fazer melhor, evitar o erro, os acidentes e ter uma comunicação mais fluida.
Como consegui-lo? Além de prémios remuneratórios, Teresa aconselha que as chefias incentivem os colaboradores a arriscarem autonomamente. Hugo Marujo, managing partner da IMBS, recomenda ainda que os trabalhadores tenham a perceção de que podem evoluir dentro da companhia, e que se cultive uma competição saudável dentro das empresas com quadros de gestão à vista.
“A produtividade não é só fazer mais rápido, é fazer melhor, evitar o erro, os acidentes e ter uma comunicação mais fluida“, acrescenta a representante da Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Banca preocupada com elo mente-produtividade
Sete anos depois de se ter afastado temporariamente do Lloyds para recuperar do excesso de stress que sentia, Horta Osório deu a cara pela luta contra o estigma ainda associado à saúde mental. Num artigo de opinião publicado no The Guardian, o banqueiro defendeu que cuidar da mente dos trabalhadores é sinónimo de aumentar a produtividade das empresas. “Tornei a saúde mental um foco particular do banco em resultado da minha experiência pessoal. Considero claro que a mudança mais precisa é a da mentalidade” com que se encara este assunto, sublinhou o português, apelando à eliminação de “qualquer vestígio desse estigma”.
Por cá, o Banco Best assume preocupações semelhantes. “Sem dúvida que uma boa saúde mental é fundamental para uma forte produtividade”, nota o responsável de recrutamento da instituição, em declarações ao ECO. De regresso à palavra-chave apontada por Teresa, Miguel e Hugo — motivação — Paulo Bessa Santos sublinha que “é essencial que os colaboradores se sintam perfeitamente integrados no banco e nas equipas de trabalho”.
Os colaboradores do Best têm demonstrado ao longo dos anos que são pessoas resilientes, com grande paixão por aquilo que fazem e abertos a novos desafios. Estas características impactam diretamente na produtividade.
Foi com esse objetivo na mira que o Best (a par de outras empresas do Grupo Novo Banco) implementou algumas medidas que “visam uma boa harmonia entre a vida familiar e o trabalho”, nomeadamente a dispensa ao serviço em datas especiais e a formação em soft skills pessoais.
Além disso, desde 2002, que são efetuados “com regularidade” consultas de psiquiatria e psicologia a colaboradores do Grupo NB. “Os colaboradores do Best têm demonstrado ao longo dos anos que são pessoas resilientes, com grande paixão por aquilo que fazem e abertos a novos desafios. Estas características impactam diretamente na produtividade”, realça Bessa Santos.
De zero a herói: muita produtividade, ainda mais stress
Se do lado dos empregados é importante manter a motivação em terreno positivo, do lado dos fundadores essa necessidade não é diferente. Construir algo do zero implica muito “pressão e risco”, sendo por isso necessário gerir os “picos de emoção”, os “altos e baixos”, para manter a boa saúde mental, garante João Magalhães, líder executivo da Academia de Código, em declarações ao ECO.
Magalhães adianta que nunca esteve perto de burnout, mas sublinha que, ao longo da sua vida de empreendedor, foi criando regras pessoais para se manter focado não só no trabalho, mas também na família. “Uma dessas regras é que tento levar as minhas filhas ao colégio”, nota. O CEO da Academia de Código ressalva, nesse sentido, que “ninguém pode ser produtivo quando não está bem”, daí a importância dessa separação entre lazer, família e carreira.
“É importante que os nossos técnicos tenham períodos de descanso e tempo lúdico”, acrescenta a diretora global de recursos humanos da S21sec sobre a mesma matéria, em conversa com o ECO. Beatriz Ruiz salienta que “produtividade não é o mesmo que produção” e que apesar de haver metas objetivas claras na empresa, é importante também avaliar “a satisfação laboral, o clima organizacional e a motivação”.
“É muito importante a boa comunicação com os líderes. É importante que quando o empregado sinta a necessidade de descansar, tenha a liberdade de o pedir“, considera a responsável. “As equipas são reforçadas quando necessário e os colaboradores são incentivados a descansar e a procurar as melhores práticas possíveis para melhorar o seu desenvolvimento pessoal”, acrescenta o diretor geral da MyTaxi Portugal. Pedro Pinto explica ainda que a empresa tem um programa no seio do qual incentiva os empregados a expor e a encontrar soluções para os mais variados tipos de situações.
Empresas: Vilões ou heróis?
O excesso de trabalho pode potenciar alguns riscos da saúde metal, é verdade, mas a situação inversa — isto é, o desemprego — não acarreta menor pressão a este nível. O alerta é deixado pela Associação Empresarial de Portugal (AEP).
Em declarações ao ECO, Paulo Nunes de Almeida explica que, nesse caso de desemprego, há “maior vulnerabilidade”, o que é especialmente preocupante em Portugal, já que a recente crise deixou muitos cidadãos nessa situação.
As empresas, pela sua capacidade de criar emprego, como agora se está a verificar, desempenham um papel essencial no combate à degradação da saúde mental da população ativa.
“As empresas, pela sua capacidade de criar emprego, como agora se está a verificar, desempenham um papel essencial no combate à degradação da saúde mental da população ativa”, conclui o responsável.
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