Draghi arrisca terminar oito anos de mandato à frente do BCE sem nunca ter subido juros
As notas de 'research' que anteveem a reunião desta quinta-feira do Conselho de Governadores do BCE sinalizam que os analistas estão cada vez menos confiantes num aumento em 2019.
Mario Draghi já está em contagem decrescente para sair do Banco Central Europeu (BCE), no final de outubro. Na bagagem leva um programa de compra de dívida sem sobressaltos e o sucesso de ter navegado a instituição pelas turbulências da crise. Cada vez mais pressionado pelas perspetivas de desaceleração da economia global arrisca-se, no entanto, a abandonar a presidência do BCE — após oito anos divididos por dois mandatos — sem saber o que é subir as taxas de juro.
O Conselho de Governadores do BCE reúne-se esta quinta-feira pela primeira vez este ano e, o primeiro encontro desde que pôs fim às compras líquidas de ativos da Zona Euro (tendo iniciado em janeiro o reinvestimento de juros e títulos que atingem as maturidades). Neste cenário, o foco transitou para a primeira subida dos juros de referência da região, mas os analistas estão cada vez menos confiantes que esse passo seja dado ainda este ano.
A última vez que a Zona Euro assistiu a uma subida dos juros (aliás, duas consecutivas), foi em 2011 pela mão de Jean-Claude Trichet, que temia que a inflação sobreaquecesse. Mas a crise levou Draghi, logo em novembro desse ano quando chegou ao cargo, a inverter o curso, até aos atuais mínimos históricos: a taxa de juro aplicável às operações principais de refinanciamento em 0%, as taxas de juro aplicáveis à facilidade permanente de cedência de liquidez nos 0,25% e à facilidade permanente de depósito em -0,40%.
“Se o BCE realizar um aumento este ano, conseguirá superar a anterior decisão mais estúpida, também conhecida como as duas subidas em abril e maio de 2011, no meio de uma crise de dívida soberana e com as ruas de Atenas cheias de manifestantes”, afirmaram os analistas da financeira checa 42 Financial Services, numa nota de antevisão da reunião.
Passados quase oito anos, a crise da dívida parece superada e a retoma da economia acalmou os protestos por toda a Europa. O problema é se o ciclo de retoma já está a chegar ao ciclo e o BCE falhou o timing. “Os desenvolvimento económicos mais recentes na Zona Euro tornam mais difícil para o BCE prosseguir a normalização gradual da política monetária”, alertou Franck Dixmier, global head of fixed income da Allianz Global Investors.
As quatro principais economias da região — Alemanha, França, Itália e Espanha — tiveram uma queda recente e sincronizada nos indicadores de atividade, incluindo os dados do índice de gestão de compras (PMI). A inflação-base, indicador de referência para o BCE e cuja meta é próxima mas abaixo de 2%, estagnou nos últimos dois meses do ano passado à volta de 1%. Sobre o futuro, as perspetivas também não positivas, com o Fundo Monetário Internacional (FMI) a rever em baixa as projeções para o crescimento da Zona Euro, até 2020.
“O BCE terá de ter em conta estes desenvolvimentos”, disse Dixmier, lembrando que a próxima previsão económica está marcada apenas para março. “No entanto, o presidente do BCE, Mario Draghi, deve reconhecer que a desaceleração do crescimento da Zona Euro, considerada temporária em dezembro, deve durar mais do que o esperado”, sublinhou.
A posição do analista da Allianz GI é consensual no mercado: o italiano deverá ver-se obrigado a adotar um tom mais cauteloso. A própria presidente do FMI, Christine Lagarde, alertou na segunda-feira os decisores políticos de que tal seria necessário dada a “séria desaceleração” e “crescimento dos riscos” globais. Assim, o forward guidance — que é utilizado pelos bancos centrais para sinalizar aos mercados possíveis mudanças no curso das políticas monetárias — poderá alterar-se.
“O guidance atual descarta uma primeira subida dos juros antes do verão de 2019“, referiu João Pisco, analista do Bankinter, sublinhando que “a expectativa é de que a primeira subida das taxas de juro ocorra apenas no primeiro trimestre de 2020”. Dada a abundância de incertezas ainda presentes — política na Europa, guerra comercial e desaceleração económica –, considera que seria “imprudente” por parte do BCE dar a entender que poderá subir as taxas de juro antes disso.
“Portanto esperamos um BCE muito dovish, a reconhecer os riscos económicos ainda presentes e a mostrar-se disponível para atuar caso seja necessário. Isto é, a manutenção de uma política monetária flexível. A comprovar-se esta expectativa, as praças europeias poderão reagir em alta e o euro corrigir parte da recente apreciação contra o dólar“, referiu Pisco.
O banco central pode começar a preparar terreno para novos programas de liquidez na banca em 2020, com o objetivo de acalmar os mercados, especialmente as operações de refinanciamento (TLTRO) de longo prazo. “Nesta reunião, qualquer anúncio seria prematuro, depois de Draghi ter revelado na última reunião que o Comité começou a trabalhar em questões de liquidez. Mas esperamos que um anúncio da extensão dos TLTRO entre março e junho de 2019”, antecipa a equipa de research do BBVA.
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