Álvaro Santos Pereira “proibia” secretário de Estado de usar termo “rendas excessivas”
O ex-ministro da Economia proibia o então secretário de Estado da Energia de usar o termo "rendas excessivas", chegando mesmo a controlar os seus discursos antes de serem proferidos.
Quando o Governo de Pedro Passos Coelho tomou posse, em junho de 2011, havia uma missão clara para o setor da energia: cortar os sobrecustos associados à produção de eletricidade, o que implicaria a renegociação dos custos de manutenção do equilíbrio contratual (os chamados CMEC), bem como dos contratos de aquisição de energia (os CAE). Foi por esta altura que o termo “rendas excessivas” — as que são pagas pelo Estado aos produtores de eletricidade — começou a entrar no léxico comum. O objetivo de cortar estas rendas excessivas constava do memorando que foi assinado por este mesmo Governo, mas a sua persecução nunca foi consensual. Por um lado, as medidas que mais facilmente poderiam reduzir os custos com este setor começaram por ser rejeitadas. Por outro, o termo “rendas excessivas” não era sequer aceite dentro do Governo.
A história está a ser recontada, esta quarta-feira, por Henrique Gomes, que foi secretário de Estado da Energia deste Governo, durante apenas nove meses, entre junho de 2011 e março de 2012. A liderar o Ministério da Economia estava Álvaro Santos Pereira. O antigo governante está a ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de eletricidade.
“O problema chave”, neste período em que Portugal começava a receber assistência financeira, era o setor elétrico, “que estava descontrolado e que, dois a três anos mais tarde, viria a ter uma dívida que superior a 5 mil milhões de euros”, recordou Henrique Gomes.
Foi neste contexto que o então secretário de Estado da Energia apresentou um projeto para a introdução de uma contribuição especial, que seria cobrada a todos os produtores de eletricidade cujas receitas não resultassem do mercado. “Essa contribuição não foi feita. Curiosamente, foi feita uma coisa parecida, passados dois anos. Parecida, não era igual“, disse, referindo-se à Contribuição Extraordinária sobre o Setor da Energia (CESE), que acabou por ser introduzida em 2014.
Assim, a via desta contribuição que Henrique Gomes tinha proposto, e que foi rejeitada pelo Executivo de Passos Coelho, “estava esgotada”. Mas o memorando assinado com a troika continuava a obrigar a cortar custos com o setor energético. “Como é que se cortava? O que fizemos foi preparar-nos para negociar. Não se podia fazer nada unilateralmente. Tínhamos de negociar. Era difícil, mas a opinião pública tinha de saber quais eram os excessos“, contou.
Contudo, dentro do Governo, havia oposição a que se informasse o público sobre esses excessos. “De cada vez que se falava em rendas excessivas, o ministro [Álvaro Santos Pereira] ficava muito atrapalhado. Dizia: ‘Henrique, você está proibido de falar em rendas excessivas’. E, para eu não falar de rendas excessivas, começou a querer ver os meus discursos previamente”.
De cada vez que se falava em rendas excessivas, o ministro [Álvaro Santos Pereira] ficava muito atrapalhado. Dizia: ‘Henrique, você está proibido de falar em rendas excessivas’.
Daí até à saída de Henrique Gomes, foi um salto. “Um belo dia, ia ao ISEG e, no discurso que levava, apresentava os problemas do setor. O ministro disse que eu não podia falar e eu disse ‘se não falo, desta vez é que me vou embora’. E foi assim“, resumiu.
Henrique Gomes fez questão, ainda assim, de salientar que o ex-ministro Álvaro Santos Pereira “é uma pessoa de bem, uma pessoa íntegra, que não cede a pressões, não se desvia”.
Declarações sobre Mexia valeram saída da REN
Esta não foi a última vez que Henrique Gomes abandonou um cargo por fazer declarações que deixaram os seus superiores desconfortáveis. Antes de entrar para o Governo, o antigo secretário de Estado era administrador da REN. Quando abandonou o cargo de secretário de Estado, depois de um mês de pausa, regressou à empresa que havia deixado, mas não ficou por lá durante muito tempo.
O jornalista pergunta-me se António Mexia é um osso duro de roer e eu confirmei que sim. Isso caiu mal na administração da REN. Não sei porquê, mas caiu mal.
Pouco tempo depois de ter regressado à REN, deu uma entrevista ao Jornal de Negócios, na qual fazia considerações sobre António Mexia, então e ainda hoje presidente executivo da EDP. “O jornalista pergunta-me se António Mexia é um osso duro de roer e eu confirmei que sim. Isso caiu mal na administração da REN. Não sei porquê, mas caiu mal”.
Henrique Gomes justificou que apenas tinha feito “considerações políticas, perfeitamente legítimas”, mas, como as declarações tinham “caído mal”, acordou, “logo ali”, deixar a empresa. “Vim embora pacificamente”, aponta, ainda assim.
A relação atribulada de Henrique Gomes com António Mexia já vem de trás. Durante a audição, o antigo governante recordou que estabeleceu uma breve relação profissional com o atual presidente da EDP em 1998, quando Mexia assumiu o cargo de presidente da Gás Portugal, onde Henrique Gomes então trabalhava desde 1987. “Quando António Mexia foi para presidente da Gás de Portugal, eu ficaria como assessor. Mas esse contrato foi denunciado”, recorda.
Questionado sobre o porquê da denúncia desse contrato, Henrique Gomes não foi capaz de apresentar uma razão. “Terá sido por alguma coisa que eu tivesse feito… Enfim, foi uma desculpa esfarrapada”.
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